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Neste artigo intitulado “Noboa e Milei: tão longe e tão perto”, o escritor equatoriano Juan Paz y Miño Cepeda, vice-presidente da Associação dos Historiadores Latino-americanos e do Caribe (Adhilac), avalia as semelhanças entre o que prometem ser os desgovernos dos presidentes do Equador e da Argentina, recém eleitos e esmiuça o papel dos meios de comunicação em favor das transnacionais. De forma bastante didática, o escritor equatoriano denuncia como, entre outros abusos, a “internacionalização das máfias com capacidade de penetração nos aparelhos de Estado” e o “confronto entre a economia empresarial-neoliberal e a economia do bem-estar social” abrem espaço para que o fascismo ganhe força.
Por Caio Teixeira/ ComunicaSul
Noboa e Milei: tão longe e tão perto?
Juan J. Paz y Miño Cepeda
No contexto geral da história contemporânea da América Latina, gostaria de destacar pelo menos os seguintes pontos para comparar a situação atual entre a Argentina e o Equador.
PRIMEIRO. À medida que o século XXI avança, assiste-se a um processo global de reordenamento das potências centrais: enquanto a hegemonia dos Estados Unidos declina, a China, a Rússia e os países BRICS-Plus estão em ascensão. Como resultado, a América Latina é uma região em disputa, ao mesmo tempo que se projeta lentamente como mais um espaço do Sul Global com as suas próprias definições e estratégias, de mãos dadas com governos progressistas, mas não com os empresários neoliberais.
Nos processos eleitorais, estão em ação não só forças políticas internas, mas também internacionais. O americanismo monroísta não deixou de atuar para “influenciá-los”, porque os EUA estão interessados em governos que respondam positivamente às suas geoestratégias globais e à sua segurança nacional. Além disso, existe uma internacional de direita consolidada, tanto no plano acadêmico como no político, e integrada em fundações e organizações bem financiadas, que também trabalham para o sucesso eleitoral dos seus favoritos.
Naturalmente, o triunfo dos governos da política de direita torna-se uma garantia para os interesses monroístas. Lenín Moreno e Guillermo Lasso enquadram-se perfeitamente nestes interesses. É muito claro que Daniel Noboa e Javier Milei não são anti-imperialistas. Donald Trump e Jair Bolsonaro foram os primeiros a regozijar-se com o triunfo presidencial de Milei. Também não devemos deixar de lado as felicitações que recebeu do Presidente chinês Xi Jinping (https://tinyurl.com/5fdd3s6d). Mas também, no contexto das geoestratégias centrais, são claras as abordagens unificadas do secretário de Estado dos EUA (https://bit.ly/3tbVDGE) e da general comandante do Comando Sul (https://bit.ly/3PWMrzA) sobre a “ameaça” representada pela Rússia e principalmente pela China, além de apontar o papel das alianças militares para combatê-la, no velho estilo do TIAR [Tratado Interamericano de Assistência Recíproca, datado de 1947 com o objetivo de “impedir o avanço do comunismo”] e do McCarthysmo.
Em todo o caso, estas propostas não agradam aos Estados e aos empresários que criaram relações econômicas com estes países, e chocam também com os governos progressistas que questionam o monroísmo ultrapassado. No entanto, o candidato Milei foi um “negacionista” do que aconteceu durante a ditadura militar (https://tinyurl.com/y5t6ukw7) que implementou o estado terrorista-anticomunista entre 1976-1983, no que coincide com a visão do ex-presidente Bolsonaro sobre o longo período ditatorial civil-militar no Brasil. Mas o Equador não teve ditaduras como as que caracterizaram o Cone Sul. Desde o regresso à democracia em 1979 no Equador e em 1983 na Argentina não houve golpes de Estado militares, embora no Equador tenha havido revoltas lideradas por figuras militares em 1987 e 2000 e pela polícia em 2010, e a “derrubada constitucional” de presidentes em 1997, 2000 e 2005 tenha tido de recorrer, finalmente, à “arbitragem” das forças armadas.
A questão que se coloca é a de saber se haverá um limite direto ou um teto para a instituição militar face às transformações que os governos neoliberais e, mais ainda, os “libertários anarco-capitalistas”, mas também os progressistas de esquerda, querem levar a cabo. O que é evidente é que serão necessárias reformas urgentes das forças armadas e da polícia para enfrentar eficazmente a delinquência e o crime organizado, que afetam a segurança dos cidadãos em toda a América Latina e que respondem à internacionalização das máfias com capacidade de penetração nos aparelhos de Estado. No Equador, o embaixador dos Estados Unidos chegou a referir-se à existência de “narco-generais” (https://tinyurl.com/mrtp68r4), uma questão que permanece no vazio.
SEGUNDO. Os meios de comunicação e de informação são múltiplos e variados com o desenvolvimento da Internet e agora da inteligência artificial; mas a televisão continua a desempenhar um papel político decisivo e nela predominam as empresas privadas com grandes recursos, bem como os jornais e revistas impressos que exigem grandes investimentos.
Esta mídia corporativa defende interesses privados e mantém ligações estreitas com a classe empresarial em geral e com grupos e personalidades da política de direita. Consequentemente, promovem candidatos dessas fileiras e protegem os governantes que as representam. No Equador, promoveram Lasso e Noboa, tal como fizeram com Milei na Argentina, que era um outsider político, mas não um outsider midiático, como salientou Atilio Borón (https://shorturl.at/vCJ47).
O papel da mídia alternativa e das redes sociais, de acordo com os estudos existentes, divide-se, porque atuam em função das candidaturas e ações governamentais, embora adquiram um significado quotidiano que se torna contundente, o que tem sido decisivo, por exemplo, no apoio que através deles se difunde às causas dos movimentos sociais. Em todo o caso, a convergência de elites transformou-se em blocos de poder que, com acesso governamental ao Estado, o subordinam ao seu serviço.
No Equador, este bloco conseguiu unificar-se com o governo Moreno e dominou com o governo Lasso. A forte ligação entre os meios de comunicação social e os políticos empresariais difundiu uma “cultura” que generaliza as ideias neoliberais e ganha peso até entre as classes médias e os setores populares, favorecendo o voto em figuras como Lasso, Noboa ou Milei.
As reações à inépcia governamental de Lasso dividiram temporariamente o bloco de poder que o apoiava: reduziram-se os apoiadores, uma parte distanciou-se dele e hoje o critica, enquanto outra parte decidiu questionar e até atacar o presidente Noboa pelo acordo parlamentar com o correísmo. No entanto, é possível que ocorra uma reunificação de forças se Noboa mantiver o modelo empresarial neoliberal e oligárquico ou se for dada prioridade à convergência da direita para evitar, mais uma vez, o regresso do “correísmo”, considerado o principal inimigo.
Nestas fileiras, também não se escondeu a satisfação com a vitória de Milei e, de fato, Verónica Abad, vice-presidente de Noboa, difundiu as suas convicções “libertárias” em plena campanha eleitoral e de forma independente, questionando a existência de “direitos” como a educação e a saúde (https://shorturl.at/EGLOP) ou defendendo a privatização da seguridade social (https://shorturl.at/dyLXY). Logo que tomou posse, o presidente Noboa ordenou (Decreto n.º 27), de acordo com a Constituição, que a única função do vice-presidente fosse “colaborar para a paz e evitar a escalada do conflito entre Israel e a Palestina”, esclarecendo: “Para o desempenho destas funções, a vice-presidente estará no gabinete da Embaixada do Equador em Telavive” (https://shorturl.at/buNUY), o que tem levado a especulações sobre um “divórcio político” já visível antes das eleições.
TERCEIRO. Os fundadores do neoliberalismo apresentaram ideias parcialmente aplicáveis e seguidas nos mesmos países de origem, mas foram reconhecidos (Friedrich von Hayek e Milton Friedman receberam o Prêmio Nobel) por se dirigirem contra o “comunismo”. Hayek, no debate com Keynes, privilegiou a “liberdade” em detrimento do suposto “estatismo” do seu detrator. Mas o neoliberalismo só penetrou na América Latina quando os “Chicago Boys” o introduziram com a ditadura militar de Augusto Pinochet no Chile. Foi imposto à custa do sangue de milhares de “comunistas”. Nos anos 80, foi introduzido com o FMI e as suas “cartas de intenção”, que condicionavam o pagamento das dívidas externas da região. O neoliberalismo foi abraçado pelas burguesias latino-americanas como a ideologia em que se baseavam os seus interesses econômicos tradicionais. Hoje em dia, a direita política da região, apesar das suas diferenças e nuances, concorda com um punhado de slogans econômicos: não intervenção do Estado, ausência de impostos, trabalho regulamentado, privatização de bens e serviços públicos, mercados livres, abertura indiscriminada ao capital estrangeiro.
Mas a experiência histórica do neoliberalismo é diferenciada: nos Estados Unidos, conduziu à desindustrialização, a uma maior concentração da riqueza e ao reforço do poder das empresas, como sublinhou Joseph Stiglitz em Capitalismo Progressivo. Na Europa, o Estado de Bem-Estar Social não foi completamente desmantelado e os serviços públicos universais nos domínios da educação, da saúde e da segurança social continuam a existir atualmente.
Na América Latina, foi assimilado um neoliberalismo distorcido, através do qual se interpretou o modelo econômico norte-americano, ídolo de um mercado supostamente “livre” para tudo. Mas tanto a Europa como os EUA têm Estados fortes com enormes capacidades econômicas. E na Europa há impostos elevados para sustentar os serviços públicos. Já na América Latina, a experiência “neoliberal” foi desastrosa durante as últimas décadas do século XX, incluindo o Chile, o país exemplar do modelo. Vários estudos, como os da CEPAL, demonstram este fato. Por todo o lado, as condições de vida e de trabalho não foram resolvidas e o “quadro de subdesenvolvimento” persiste em todos os países.
Essas condições determinaram o surgimento do primeiro ciclo de governos progressistas no início do século XXI, seguido por um período de governos conservadores e neoliberais e, depois, apenas alguns governos do segundo ciclo progressista. No Equador, o desastre neoliberal não foi apenas econômico, mas também se refletiu na crise institucional e governamental: entre 1996 e 2006 houve sete governos, uma ditadura noturna e os três presidentes que emergiram de eleições populares foram derrubados.
O governo de Rafael Correa (2007-2017) colocou o país no caminho para uma economia social de Bem Viver, e os resultados positivos deste progresso também se refletem nos relatórios nacionais e internacionais. Foi por isso que Lenín Moreno triunfou em 2017, então promovido por Correa, mas que imediatamente o traiu e reviveu o modelo neoliberal-empresarial. Lasso, banqueiro e milionário, presidiu o “Equador Livre”, um grupo de reflexão “libertário anarco-capitalista” de onde saíram também vários dos seus ministros e altos funcionários, pelo que consolidou o caminho reposto por Moreno.
Os resultados sociais do governo de Lasso são desastrosos, incluindo o desenvolvimento da delinquência e do crime organizado, sem precedentes na história nacional e consequência do “encolhimento” das capacidades do Estado, que arrastou consigo as da segurança interna. A tal ponto que “Lasso é um fracasso” (frase muito utilizada nas redes), que teve de recorrer ao mecanismo constitucional da morte cruzada para evitar a impugnação na Assembleia e a sua destituição; deixou o poder como o presidente mais mal avaliado do país (15% de aprovação) e da América Latina (CID-Gallup) e despediu-se afirmando “entrei como um liberal em matéria econômica e saio como um social-democrata que respeita a democracia” (https://shorturl.at/ahsJX).
Poderá acontecer o mesmo com o presidente Milei? Em contrapartida, o novo presidente Noboa, pelo menos no seu programa, admite certos serviços públicos. Mas Milei não só falou na sua campanha sobre a privatização de tudo, como anuncia que a saúde e a educação devem passar para as mãos privadas e que os argentinos devem pagar por elas. Se Milei for tão bem-sucedido como os seus eleitores esperam que seja, toda a América Latina será inundada pela experiência argentina e ele parecerá incontrolável. O problema é que não há um único Estado no mundo capitalista que tenha aplicado os princípios “anarco-capitalistas”, nenhum poder central estrangulou o Estado como acreditam os neoliberais latino-americanos, e as experiências históricas desastrosas destas ideias estão na ordem do dia em qualquer país da região que se escolha estudar.
QUARTO. Entre os movimentos sociais do Equador, o movimento indígena é o mais forte e organizado, mesmo na América do Sul (juntamente com a Bolívia), enquanto o movimento operário é fraco e muito dividido. Ambos tinham dirigentes que, guiados pelo seu anti-correísmo fanático, apoiaram Moreno. Posteriormente, os votos destes setores contribuíram para o triunfo de Lasso em 2021, em particular na Serra e na Amazônia, para impedir a vitória do “correísta” Andrés Aráuz. O mesmo não aconteceu com Noboa, pois grandes setores indígenas votaram em Luisa González (https://shorturl.at/xAP59). Em todo o caso, o movimento indígena teve jornadas de luta fundamentais e as mobilizações de 2019 e 2022 contaram com um amplo apoio popular.
Moreno e Lasso recorreram à repressão, líderes foram processados e o protesto social também foi criminalizado. No entanto, o Pachakutik, o partido indígena, não tem força eleitoral. O país também não tem partidos sólidos e grandes, com exceção da Revolución Ciudadana (correísmo) e, em certa medida, do partido social-cristão de direita, atualmente em declínio. De acordo com um estudo recente de Cantú-Carreras sobre as preferências eleitorais na América Latina, na ausência de partidos institucionalizados, os eleitores não votam por razões ideológicas, mas em candidatos que os cativam subjetivamente (https://shorturl.at/eDPY2). Foi o que aconteceu com Noboa, que atraiu votos até pelo fato de ser “novo” e “jovem”.
Há também, sem dúvida, uma reação nacional contra os velhos políticos e a velha política, especialmente entre as novas gerações, que não experimentaram o progressismo da década presidencial de Rafael Correa. Mas na Argentina não existe um movimento indígena que se assemelhe ao equatoriano e, em contrapartida, os sindicatos têm tradição e força, e o peronismo, o radicalismo e outros partidos também têm uma presença histórica. No entanto, Milei também não foi votado por razões ideológicas, mas sim como reação aos “maus” resultados do governo de Alberto Fernández, segundo vários analistas, e também contra a velha “casta” política, continuamente atacada pelo verbalismo discursivo de Milei. Foi tudo isto que mobilizou o voto dos jovens. Mas, no Equador e na Argentina, há um setor social que o partidarismo e o movimentismo negligenciaram: a população desempregada e subempregada (no Equador, 65% da PEA), na qual tanto Noboa como Milei captaram votos, representando o desespero por uma “mudança” que só parece possível com “novas” personalidades.
Muitas conclusões podem ser tiradas dos pontos acima referidos. O que pretendo sublinhar é que o neoliberalismo, e muito menos o “libertarismo”, não conseguirá resolver os problemas históricos da América Latina. Não vejo como Noboa, que pertence ao grupo econômico mais rico do país, possa ter sucesso em um ano e meio de administração sem mudar a matriz empresarial-neoliberal afirmada pelos dois governos anteriores nos últimos seis anos. E se tudo correr bem na Argentina, e o sonho paradisíaco da iniciativa privada sem Estado for finalmente alcançado, o país também será cercado pelo inferno dos que não poderão comprar educação, saúde ou previdência social, nem bens fundamentais para uma vida digna e de bem-estar. Na América Latina, o capitalismo nunca funcionou como nos países centrais. Nesta região, durante o século XXI, intensificou-se o que Karl Marx chamou de luta de classes, que a médio prazo histórico se expressa no confronto entre a economia empresarial-neoliberal e a economia do bem-estar social. O que está a tornar-se cada vez mais agudo é que, para reimpor o neoliberalismo, o fascismo está ganhando força.
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A COM Brasil TV, rede de televisão pública e comunitária, conseguiu os direitos de transmissão dos Jogos Parapan-Americanos 2023 que começaram no dia 17 de seguem até o próximo domingo (26) em Santiago do Chile.
A organização da atividade autorizou a COM Brasil TV a transmitir os jogos. "Agradecemos, sinceramente, o interesse em assumir esta importante responsabilidade na difusão e transmissão de um evento tão significativo como os Jogos Parapan-Americanos de Santiago 2023", diz documento enviado para a emissora.
Dos 33 países participantes, o Brasil é o favorito e figura em primeiro lugar no quadro de medalhas. Para acompanhar a transmissão do evento pela TV comunitária, basta acessar os canais: 3 (Claro), 28 (Sky) e 239 (Vivo). Também é possível baixar o aplicativo no seu dispositivo ou assistir ao vivo pelo site.
Confira abaixo a íntegra do documento que garante os direitos de transmissão:
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O anúncio da compra do Twitter pelo bilionário norte-americano Elon Musk trouxe um misto de tristeza e revolta para quem luta contra as fake news e uma alegria incontida para a extrema-direita em todo o mundo. Mas é preciso uma análise que vá além da dicotomia e dos 280 caracteres.
A partir das declarações do próprio Elon Musk surgem pelo menos algumas motivações para a compra e uma provável mudança na curadoria de conteúdo dessa plataforma.
Por Renata Mielli* e Gustavo Alves**
Esse pressuposto é fundamental para entender porque um bilionário que não tem nenhuma atuação nas plataformas de tecnologia resolveu investir US$ 43 bilhões numa empresa avaliada em pouco mais de US$ 38 bilhões e que no ano passado registrou um prejuízo líquido de US$ 221 milhões.
A primeira constatação é que ele comprou a empresa para acabar com o pouco de conquistas que a sociedade obteve no processo recente de pressão para que as Big Techs desenvolvessem algum contrapeso para reduzir a disseminação de desinformação e discurso de ódio.
Isso escamoteado pelo argumento da defesa fundamentalista da “liberdade de expressão”, vista como um direito absoluto e que inclusive se sobrepõe a outros direitos. Mas é preciso enfrentar essa retórica oportunista e não ficar na defensiva para afirmar que não existem direitos absolutos, que estabelecer limites para o exercício desta liberdade é tão fundamental quanto a sua própria existência. Não cabe na liberdade de expressão, por exemplo, racismo, homofobia, apologia à morte ou aniquilação de grupos sociais, discursos que atentem contra a vida. Nada disso é opinião que possa ser livremente expressada. Nem em espaços privados como círculos de amigos ou familiares, muito menos em ambientes nos quais se realiza o debate público, como no caso das Plataformas de Redes Sociais.
Por isso, quem defende - como Musk, que o Twitter e outras plataformas sejam "arenas livres", na prática estão colocando em risco as poucas conquistas que a sociedade conseguiu avançar no debate sobre a necessidade de haver mais regras sobre a atividade dessas plataformas, como o reconhecimento tímido do papel deletério da amplificação algorítmica pelas plataformas.
Sob pressão da sociedade, o Twitter patrocinou um estudo para entender qual a possibilidade de seu algoritmo valorizar ou impulsionar uma determinada ideologia política e embora o Twitter tenha divulgado as descobertas da pesquisa em outubro de 2021, só agora o estudo foi publicado na revista PNAS (Proceedings of the National Academy of Sciences, publicação oficial da Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos), após ter sido revisado por outros cientistas.
O estudo analisou uma amostra de 4% de todos os usuários do Twitter que foram expostos ao algoritmo (mais de 46 milhões) e também analisou um grupo de controle de 11 milhões de usuários que nunca receberam tweets recomendados automaticamente em sua timeline.
A face visível da ação do algoritmo do Twitter é a exposição entre as postagens das contas que você segue, tweets marcados como “você pode gostar”. Ou seja, o algoritmo está recomendando conteúdo para você.
Isso é feito usando os dados da sua atividade anterior na plataforma, como os tweets que você curtiu ou retuitou. Uma equação estatística aplicada a estes dados lastreia o “aprendizado de máquina”. Assim o computador, em tese, aprende automaticamente com as preferências do usuário e aplica isso a dados que o sistema não viu antes.
Mas existe um fantasma presente nessas equações: o viés. Que segundo esse estudo reforça preconceitos humanos e amplificou os discursos de “direita”.
O estudo analisou o efeito de “amplificação algorítmica” em tweets de 3.634 políticos eleitos de sete países com grande base de usuários no Twitter: EUA, Japão, Reino Unido, França, Espanha, Canadá e Alemanha.
A pesquisa mostrou que em seis dos sete países (a Alemanha foi a exceção), o algoritmo favoreceu significativamente a amplificação de tweets de fontes politicamente inclinadas à direita.
No Canadá por exemplo, os tweets dos liberais foram amplificados em 43%, contra os dos conservadores em 167% e no Reino Unido os tweets dos trabalhistas foram amplificados em 112%, enquanto os conservadores foram amplificados em 176%.
Outro aspecto revelado pelo estudo foi amplificação algorítmica de notícias políticas. O estudo analisou a amplificação algorítmica de 6,2 milhões de notícias políticas compartilhadas nos EUA. E chegou à conclusão que a amplificação das notícias também segue o mesmo padrão.
Ou seja, há uma exposição maior dos conteúdos de direita, fake news e desinformação.
Esse estudo só foi realizado graças a intensa cobrança da sociedade e após a tentativa de invasão do Congresso americano pela turba fascista alimentada por Trump.
Pois bem, quando se começa a vislumbrar a chance de se entender como os algoritmos alimentam a disseminação de desinformação e discurso de ódio, eis que surge Elon Musk.
Musk é mais um expoente dos fundamentalistas da liberdade de expressão. Para ele, não deve haver limites, o que significa que não deve haver qualquer tipo de moderação sobre o que se diz nas redes sociais. Outro defensor dessa tese é o presidente Bolsonaro.
Segundo Musk, ele quer transformar o Twitter numa "arena de livre discurso".
Ele afirma que irá democratizar o Twitter apostando na abertura do código fonte (a programação interna do Twitter) para que os mecanismos de operação sejam conhecidos e explorados por programadores.
Uma promessa vazia cheirando a “Ouro de Tolo” feita pela mesma pessoa que usou sua conta para atacar pessoas transgêneros e as políticas de combate à transmissão da Covid-19.
A liberdade de expressão tem sido usada - de forma tão indevida, oportunista e equivocada - por expoentes da extrema direita, bilionários e representantes do grande capital. A economia atual é dinamizada pelo modelo de negócios que usa o discurso como mobilizador da atenção.
E o que chama mais atenção é o discurso de ódio, é o preconceito, é a polarização social baseada em grupos que se comportam como torcedores raivosos e não como cidadãos que discutem temas de interesse público e social.
Somos todos sugados pela força centrípeta dos estímulos incessantes provocados pelas redes de alienação e agimos como autômatos reproduzindo, curtindo, compartilhando conteúdos que reforçam a visão do meu “time”, grupo e dos meus pré-conceitos.
Nesse processo, monetizamos toda a economia assentada nas plataformas. Vendemos nosso olhar, nosso corpo e alma e compramos produtos, serviços e ideias, sem qualquer reflexão. Ajudamos a curto circuitar a esfera pública e a desintegrar qualquer possibilidade democrática.
O princípio da inimputabilidade do intermediário, tão importante para o ecossistema da internet, não pode ser confundido com ausência de compromisso e responsabilidade das plataformas com o debate público.
Por isso, a regulação das plataformas de rede sociais, das Big Techs, a partir de amplo debate público é urgente e indispensável. Musk comprou o Twitter, e pode conduzir esta rede a ser um ambiente de afronta a direitos humanos fundamentais e de menosprezo com a democracia.
Mais do que nunca devemos retomar o debate sobre o #PL2630 e reforçar nele todos os elementos que dizem respeito diretamente as obrigações e regras para que as Big Techs atuem no Brasil.
É mais urgente do que nunca que tenhamos uma legislação que regule as atividades desta e de outras plataformas no Brasil, que as obrigue a cumprir os compromissos expressos em nossa Carta Constitucional. O dinheiro pode comprar quase tudo, mas não podemos deixar que ele compre também nossa soberania, a proteção à nossa democracia e esfera pública.
*Renata Mielli – Jornalista, Doutoranda no Programa de Ciências da Comunicação da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (PPGCOM-ECA-USP), integrante da Coalizão Direitos na Rede.
**Gustavo Alves – Jornalista, webdesigner e programador, estudante de Ciência de Dados na USP/Esalq.
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O Centro Popular de Cultura da UMES (CPC-UMES) promoverá, entre os dias 31/10 e 4/11 a Mostra-Exibição Denoy de Oliveira – A arte da resistência. O evento celebra os 90 anos do nascimento e os 25 anos da partida desse grande cineasta, ator, diretor, dramaturgo, roteirista, produtor e compositor. As atividades acontecerão no Cine-Teatro Denoy de Oliveira (Rua Rui Barbosa, 323 – Bela Vista). Serão exibidos dois documentários e quatro longas-metragens de ficção dirigidos por ele, além do curta de animação Cristo Procurado, dirigido pelo irmão, Rui de Oliveira.
O saguão do Cine-Teatro abrigará uma exposição contando a trajetória de Denoy desde os tempos de teatro amador, passando pelo Teatro Nacional de Comédia, CPC da UNE, Grupo Opinião, a consagração como cineasta e a fundação da APACI (Associação Paulista de Cineastas) e do CPC-UMES. Tótens sonoros permitirão aos presentes conhecer um pouco da faceta cantor e compositor de Denoy.
Os materiais foram cedidos pelos irmãos, o também cineasta Xavier de Oliveira e o ilustrador Rui de Oliveira, e pela família da viúva, Maraci Mello. A Mostra-Exibição Denoy de Oliveira – A arte da resistência conta com o apoio da APACI (Associação Paulista de Cineastas) e do Sindcine (Sindicato dos Trabalhadores na
Indústria Cinematográfica e do Audiovisual dos Estados de São Paulo, Rio Grande do Sul, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás, Tocantins e Distrito Federal).
Denoy Gonçalves de Oliveira (Belém, PA, 1933 – São Paulo, SP, 1998). Diretor, ator, produtor, dramaturgo, roteirista, compositor. Cresce no subúrbio do Rio de Janeiro, onde começa a trabalhar aos 14 anos em funções diversas. Cursa Arquitetura na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) a partir de 1957, sem concluir a graduação, e artes cênicas na Escola de Teatro Martins Pena. Depois de várias peças amadoras, estreia como ator profissional na peça O Círculo de Giz Caucasiano (1962), dirigida por José Renato para o Teatro Nacional de Comédia.
Em 1963 passa a integrar o Centro Popular de Cultura da UNE. Em 1964, após o fechamento do CPC pelo Golpe Militar, funda junto com Ferreira Gullar, Vianninha, João das Neves Teresa Aragão, Paulo Pontes, Armando Costa e Pichin Plá o Grupo Opinião. Começa no cinema com o irmão e cineasta Xavier de Oliveira (1937), fazendo produção, trilhas sonoras e atuando. Em 1973 escreve e dirige seu primeiro longa Amante “Muito Louca”! (1973), prêmio de melhor direção no 2º Festival de Gramado. Muda-se, em 1976 para São Paulo, onde se torna um dos principais articuladores da fundação da Associação Paulista de Cineastas (Apaci). Dirige mais três longas 7 Dias de Agonia (O Encalhe) (1982), O Baiano Fantasma (1984) e A Grande Noitada (1997), pelos quais é premiado nacional e internacionalmente, além de curtas, médias e documentários.
Atua em diversos filmes, além de compor e cantar trilhas sonoras, escrever roteiros e produzir. Em 1994 funda o Centro Popular de Cultura da UMES.
Xavier de Oliveira (Rio de Janeiro, 1937) é cineasta, roteirista, produtor. Seu curta de estreia, Escravos de Job (1965) venceu o 1º Festival JB/Mesbla de Cinema Amador. Dirigiu cinco longas-metragens (Marcelo Zona Sul, André a Cara e a Coragem, O Vampiro de Copacabana, Gargalhada Final e Adágio ao Sol), além de curtas e documentários. Fez também roteiros e, produziu e atuou.
Rui de Oliveira nasceu no Rio de Janeiro. Estudou pintura no Museu de Arte Moderna desta cidade, artes gráficas na Escola de Belas Artes da UFRJ e, durante 6 anos ilustração na Moholy-Nagy University of Art and Design, em Budapeste. Estudou também cinema de animação no estúdio húngaro Pannónia Film. Foi Diretor de Arte da TV-Globo e da TV-Educativa atual TV-Brasil. Entre suas aberturas e vinhetas destacam-se as criadas para a primeira versão da novela Sítio do Pica-Pau Amarelo e
a reformulação do vídeo-grafismo da TVE.
Já ilustrou mais de 140 livros e projetou dezenas de capas para as principais editoras de literatura infanto-juvenil brasileiras, e é autor de seis filmes de animação, tendo recebido muitos prêmios por seu trabalho com animador e ilustrador. Entre eles por 4 vezes o Prêmio Jabuti de ilustração. Recebeu em 2006 o prêmio de literatura infanto-juvenil da Academia Brasileira de Letras com o seu livro Cartas Lunares.
SERVIÇO:
Exposição Denoy de Oliveira – A arte da resistência
Abertura: 31/10 às 18 horas. Funciona até 4/11, sempre das 18 h às 23 h.
Local: Rua Rui Barbosa, 323 – Bela Vista – São Paulo.
Mostra Denoy de Oliveira – A arte da resistência
Abertura: 31/10 até 4/11 sempre às 19 horas.
Local: Cine-Teatro Denoy de Oliveira - Rua Rui Barbosa, 323 – Bela Vista – São Paulo.
Programação:
TERÇA - 31/10 – 19 h
Cristo Procurado
CURTA-METRAGEM | 1990 | DIR. RUI DE OLIVEIRA
Amante Muito Louca
COMÉDIA | 1973 | DIR. DENOY DE OLIVEIRA (DEBATE COM Rui de Oliveira e Xavier de
Oliveira)
QUARTA- 01/11 – 19 h
7 Dias de Agonia (O encalhe)
DRAMA | 1982 | DIR. DENOY DE OLIVEIRA
QUINTA - 02/11 – 19 h
O Baiano Fantasma
DRAMA | 1984 | DIR. DENOY DE OLIVEIRA
SEXTA - 03/11 – 19 h
Pega Ladrão!
DOCUMENTÁRIO | 1994 | DIR. DENOY DE OLIVEIRA
Que Filme “tu vai” Fazer?
DOCUMENTÁRIO| 1991 |DIR. DENOY DE OLIVEIRA
SÁBADO - 04/11 – 19 h
A Grande Noitada
COMÉDIA | 1998 | DIR. DENOY DE OLIVEIRA
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Alimentar o corpo e a alma

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O futebol das mulheres ganha o planeta como nunca antes em sua história
Grande dia!
Grande dia de verdade e não o externado pelo boçal que ocupa desastradamente o posto mais alto do executivo brasileiro.
Hoje é um grande dia porque tem início a oitava edição da Copa do Mundo de Futebol Feminino! A anfitriã França abre a competição diante da Coréia do Sul a partir das 16h00 – horário de Brasília – e além da ansiedade pelo ponta pé deste jogo temos muito o que comemorar em termos de visibilidade.
Por Lu Castro, especial para o Barão de Itararé
Há pouco mais de dez anos, assumi uma responsabilidade pessoal: utilizar a tecnologia em favor da visibilidade das mulheres que faziam a bola rolar pelos campos da cidade. Minha primeira busca foi no Juventus, formador por excelência, e sua técnica Magali.
O material, publicado no antigo portal OléOlé, já se perdeu, mas, de lá para cá, perda deixou de ser sinônimo de mulher dentro e fora das quatro linhas.
Avançamos. E os contatos com os principais agentes da modalidade se intensificaram. E espaços alternativos começaram a surgir com mais força na busca pelo tratamento igualitário do futebol de mulheres e homens – ao menos no que diz respeito ao que se noticia, inicialmente.
Observando a movimentação da imprensa nacional, noto um grande cuidado ao tratar do assunto, diferente de muitos outros anos. Acredito que esteja diretamente relacionado ao número de mulheres presentes em redações esportivas, algo que apontei como imprescindível para a melhora na comunicação do futebol de mulheres em mídias tradicionais.
Avançamos. E avançamos noutros tantos aspectos do futebol, inclusive na gestão, onde o trabalho realizado pela ex capitã da seleção, Aline Pellegrino, como diretora de futebol feminino da Federação Paulista de Futebol, tem ampliado os espaços para trabalhar as categorias de base.
Avançamos. A seleção brasileira tem uma estrutura que nunca teve. A seleção brasileira conta com uniforme próprio e não sobra do uniforme masculino. A seleção tem seus jogos transmitidos de modo inédito em tevê aberta de alcance nacional. A seleção só não tem uma coisa: técnico.
E isso, car@s, é algo que me preocupa tanto quanto me alegra: o fato de termos a Copa do Mundo mais noticiada de todos os tempos.
Diante de uma seleção nacional que caiu no ranking FIFA nos últimos anos, sob o comando de alguém que não tem perfil para comandar o selecionado nacional em nenhuma circunstância – e já o demonstrou em outras ocasiões - que carrega para a França nove derrotas consecutivas, minha expectativa é de termos que reforçar nosso discurso e argumentar como nunca que o que eles (os espectadores desconhecedores da realidade do futebol feminino) estão vendo não é bem isso.
Num momento, em que os olhos do mundo estão voltados para a amarelinha tão conceituada um dia, mostrar um jogo baseado apenas na garras das nossas habilidosas e talentosas atletas, tem sido o protagonista dos meus pesadelos.
Tudo o que lutamos para construir – atletas, gestores, comissões técnicas sérias, jornalistas interessados no assunto – pode sofrer um revés de opinião pública se o coletivo não estiver bem arrumado. E nós sabemos que não está.
Há poucas horas da abertura do mundial mais importante de todos os tempos, vou da euforia e ansiedade que mal me deixou dormir a testa constantemente franzida de preocupação.
Avancemos pois, nossas atletas se entregarão e é muito provável que nos jogos do Brasil o que avance é o nível da gengibrinha pra dar conta da montanha russa de emoções.
- Detalhes
Uma mulher registra um boletim de ocorrência acusando um homem por estupro. Em depoimento, descreve que o parceiro teria ficado subitamente agressivo e usado da violência para praticar relação sexual sem seu consentimento. O laudo médico, anexado ao caso, apresenta sinais físicos de agressão e estresse pós-traumático. Em resposta, o homem acusado desmente a história publicamente, argumentando que o episódio não passou de “uma relação comum entre um homem e uma mulher”.
Por Mariana Pitasse, no Brasil de Fato
Esse poderia ser apenas mais um entre os cerca de 135 casos de estupro registrados por dia – que equivalem a cerca de 10% a 15% dos abusos que acontecem diariamente no Brasil, segundo levantamento do Atlas da Violência de 2018. Mas não é um episódio qualquer. O homem acusado é Neymar, um dos jogadores de futebol mais bem pagos do mundo. Por isso, o caso tomou as páginas dos jornais dentro e fora do Brasil nos últimos dias, com ampla repercussão nas redes sociais.
Após a denúncia registrada contra o jogador do Paris Saint-Germain na última sexta-feira (31), a acusadora foi exposta de diferentes formas – pela mídia comercial e pelo próprio Neymar. Para "sensibilizar" a opinião pública, o jogador postou um vídeo em suas contas do Instagram e do Facebook em que diz ser inocente. Ao tentar “comprovar” sua versão dos fatos, divulgou conversas que manteve com a mulher pelo Whatsapp, assim como fotos e vídeos íntimos da acusadora. A ação fez com que o jogador passasse a ser investigado também pelo vazamento de fotos íntimas.
A divulgação do conteúdo não foi um equívoco e, sim, uma escolha. Neymar preferiu cometer um crime virtual para tentar dialogar com pessoas que concordam com a ideia de que uma mulher que envia fotos íntimas pela internet é necessariamente "aproveitadora" e "interesseira".
O que está sendo ignorado nessa leitura rasa proposta pela defesa de Neymar é que a intimidade exposta para milhões de pessoas não diz nada sobre a acusação de estupro. Como lembra a antropóloga Débora Diniz, o que circula é a versão de um homem poderoso que se ancora em elementos do fascínio pelo sexo e na desqualificação fácil das mulheres vítimas de violência sexual. E essa é também a narrativa em que tem se amparado a cobertura da mídia comercial sobre o caso. Mesmo sem afirmar que estão assumindo uma posição, jornalistas passaram o recibo de que a acusadora está tentando se aproveitar do “menino” Neymar.
Entre as reportagens que tomaram conta do noticiário brasileiro nos últimos dias, a matéria Jornal Nacional – no dia seguinte à divulgação das conversas – foi a que mais repercutiu. Ela traz um panorama sobre o caso e ressalta o depoimento de um ex-advogado da mulher afirmando que o estupro não aconteceu. A reportagem também divulga o nome da nova advogada de defesa da mulher, ainda que ela não tenha dado autorização para isso, desrespeitando um princípio básico do jornalismo: a garantia de sigilo das fontes. Na mesma reportagem, sem mostrar as fotografias e vídeos do corpo da mulher, divulgados por Neymar, são expostas frases soltas da conversa em que o jogador aparece enredado em um jogo de sedução.
Em outra reportagem, desta vez publicada no Jornal de Brasília, a mulher tem a vida financeira e judicial revirada. O texto aponta que ela tem uma ação de despejo em seu nome, após três meses de aluguel atrasado, e que acumula dívidas. A reportagem também disponibiliza o nome completo da mulher e detalha suas contas a pagar.
A invasão de privacidade promovida por jornalistas com a justificativa de mostrar a “real versão dos fatos” não terminou por aí. Em reportagem publicada pelo jornal O Globo, a família da mulher é procurada e sua mãe é informada sobre o caso a partir da abordagem da repórter. Dias depois, uma matéria veiculada pelo portal UOL evidencia que o filho da mulher, de cinco anos, está sofrendo com chacotas na internet e na escola por conta da repercussão do caso.
Mais do que a intimidade revirada e exposta em fotos e vídeos íntimos e informações detalhadas sobre sua situação financeira, a mulher teve sua versão dos acontecimentos contestada a todo tempo, de forma pública, inclusive por seu ex-advogado. Mas isso não é levado em consideração, porque tudo parece legítimo quando a motivação é “dar o furo” de reportagem. Na lógica do jornalismo, é necessário apresentar respostas antes mesmo das investigações. Tudo isso com base na “isenção e na imparcialidade”, ainda que à serviço da versão do jogador milionário…
Neymar, por outro lado, segue a rotina de treinos, jogos e compromissos publicitários, blindado por seu estafe. A presença dele está confirmada no jogo amistoso do Brasil contra o Qatar nesta quarta-feira (5).
Paris Saint-Germain e Seleção Brasileira se esquivam de comentar o caso. Familiares e amigos se pronunciam publicamente garantindo que ele é inocente e vítima de uma armadilha. A preocupação maior parece vir dos patrocinadores: ao menos quatro das 10 marcas manifestaram incômodo com o caso, segundo levantamento da Folha.
Comprovada ou não a acusação, a sentença já está dada: a mulher é sempre a ponta vulnerável. Não à toa, segundo o Atlas da Violência, são cerca de 1300 estupros por dia no país – dos quais apenas 135 são notificados.
*Jornalista, editora do Brasil de Fato no Rio de Janeiro e doutoranda em Antropologia pela Universidade Federal Fluminense (UFF).
Edição: Daniel Giovanaz