Por Elizângela Araújo, no FNDC
A formação de cadeias e de redes conglomeradas a partir de emissoras afiliadas e associadas é hoje um dos principais mecanismos de concentração da propriedade dos meios de comunicação no Brasil. Apesar de proibidas pelo Decreto-Lei 236/67 (Art. 12), grandes redes de mídia vêm se beneficiando dessa prática para controlar o mercado da comunicação. O exemplo mais conhecido é das Organizações Globo, que apesar de ter apenas cinco emissoras registradas sob seu CNPJ, possui 117 emissoras afiliadas e controla 70% do mercado nacional.
A situação foi ressaltada pela secretária de Comunicação do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC) e coordenadora-geral do Coletivo Intervozes, a jornalista Bia Barbosa, na audiência pública que debateu limites à concentração econômica dos meios de comunicação pela Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTCI) da Câmara dos Deputados. Realizada na manhã desta quinta (11/6), a reunião foi requerida pela deputada Luiza Erundina (PSB-SP) após o deputado Paulo Abi-Ackel (PSDB-MG), relator dos projetos de lei 4.026/04 e 6667/09, ter emitido parecer contrário à sua aprovação.
Como “cabeça” do sistema, Globo, Record, SBT e outras emissoras têm poder absoluto para decidir que programação deve ser transmitida simultaneamente por todas as afiliadas. “O poder das “cabeças” é tão grade que elas decidem, inclusive, a programação que suas afiliadas e associadas devem exibir durante a “janela” de programação local, que equivale a cerca de 15% da programação total”, observou Bia. “Apesar do Decreto-Lei 236/67 proibir a formação dessas cadeias, o Ministério das Comunicações (MiniCom), pelo que temos acompanhado, não tem atuado para cumpri-lo”, denunciou.
Bia citou dados levantados pela própria CCTCI, referentes ao ano de 2013, que já mostravam, naquela época, que a Rede Globo tinha 79 emissoras afiliadas, enquanto sua maior concorrente, a Record, tinha 25. “Nos últimos anos a situação só evoluiu. Isso mostra que mesmo defasada e limitada a legislação existente cumpriria um papel mínimo se fosse respeitada, mas não vem considerada nem para fins de renovação dessas outorgas nem para fins de atuação do Cade [Conselho Administrativo de Defesa Econômica]. Então, se não enfrentarmos, no debate sobre regulação econômica dos meios de comunicação no Brasil, a questão de limites à formação de redes e cadeias associadas, a gente vai enxugar gelo”, ponderou.
Propriedade cruzada e limites à audiência
A concentração do mercado de comunicação também se dá por meio da propriedade cruzada e da falta de mecanismos que imponham limites à audiência de uma emissora, das quais trata o Projeto de Lei 6667/09, de autoria do deputado Ivan Valente (PSol-SP). Nos Estados Unidos, por exemplo, a regulação do setor trata dessas questões desde 1943. “Estamos pelo menos 70 anos atrasados”, observou Bia. Alemanha, França e Reino Unido também contêm mecanismos que limitam tanto a audiência como impedem a propriedade cruzada.
A representante do FNDC afirmou que os grupos empresariais que controlam o mercado de mídia no Brasil não querem se submeter a nenhuma regra e, por isso, distorcem o significado da regulação. Ela ressaltou que não é preciso que uma empresa ou um grupo empresarial controle 100% de um setor econômico para que o monopólio seja caracterizado. “Nosso cenário é de uma única empresa controlando 70% do capital do setor. As principais concorrentes da Globo não obtêm sequer o equivalente a 10% do seu lucro. Isso é monopólio!”, reafirmou Bia.
Outro parâmetro de concentração é o controle que a Globo e suas emissoras detêm sobre a verba publicitária nacional. Em 2009, segundo Bia, a média de audiência dos veículos das Organizações Globo não chegava a 45%, mas ela já concentrava mais de 70% das verbas publicitárias do mercado. “Então, tanto do ponto de vista da formação de redes e da concentração da propriedade quanto do ponto de vista da captação de receita por meio de verbas publicitárias a gente tem um quadro de brutal concentração que, por sua vez, caracteriza monopólio”.
Propostas devem ser postas em votação
O FNDC defendeu, ainda, a aprovação dos projetos de lei 4.026/04 e 6667/09 pela CCTCI, apesar do parecer contrário do relator. A recolocação das propostas na pauta da comissão é uma prerrogativa do presidente, deputado Fábio Sousa (PSDB-GO), que não participou da audiência pública. Por telefone, a secretaria da CCTCI informou que pelo menos na pauta da próxima reunião não foi incluída a apreciação das propostas.
Nova lei geral
Bia Barbosa afirmou que o FNDC luta por uma nova lei geral que regule o setor de comunicação há mais de 20 anos e que é preciso que o Brasil atualize o Código Brasileiro de Telecomunicações (Lei 4.117/62). “Estamos ansiosos para que o MiniCom lance esse debate com a sociedade civil brasileira. Agora, não é porque esse debate não avançou que essa Casa não pode avançar fazendo a regulamentação dos artigos da Constituição Federal pertinentes ao tema. Os projetos em debate aqui regulamentam pelo menos um deles, que é o Art. 220, por isso fica nosso apelo para que sejam aprovados”.
A jornalista ressaltou que a sociedade civil quer fazer esse debate e tem propostas para isso. “Temos um projeto de lei de iniciativa popular desde 2013, para o qual diversas entidades vêm coletando assinaturas em todo o país. Nosso projeto também prevê o combate da concentração de propriedade por meio da limitação à formação de redes e à propriedade cruzada, mas é importante que o Ministério das Comunicações também entre nesse debate com um projeto de lei que possa ser debatido publicamente para que possamos avançar nesse tema”.
A audiência pública também teve a participação de Octávio Pieranti, do Ministério das Comunicações; Ana Carolina Lopes de Carvalho, assessora da presidência do Cade; e Murilo César Ramos, coordenador do Laboratório de Políticas de Comunicação (LapCom) da Universidade de Brasília (UnB). A reunião foi presidida pelo deputado Jorge Tadeu Mudalen (DEM-SP).