Em live nesta quarta-feira (24), Carlos Clemente e Maria Maeno analisaram o cenário da falta de segurança e responsabilização no ambiente de trabalho; coletiva com mídias independentes prepara para o Ato e Canto pela Vida, agendado para o dia 27
Mesmo com subnotificação, os dados assustadores sobre acidentes e mortes de trabalhadores e trabalhadoras no Brasil parecem não sensibilizar o poder público. Somente entre 2013 e 2023, segundo dados da Previdência Social, foram registrados 6,8 milhões de acidentes do trabalho no País, gerando 1,5 milhão de afastamentos e causando mais de 27 mil mortes – ou seja, cerca de uma morte a cada três horas e meia.
A esse cenário, soma-se a deterioração da saúde mental e a dura realidade dos trabalhadores do chamado capitalismo de plataforma, como os trabalhadores “uberizados”. “Quando há um acidente aéreo, gera grande comoção e investiga-se até as últimas possibilidades. Por que o mesmo não ocorre com acidentes de trabalho? Pois socialmente é como se essas vidas valessem menos”, afirma Maria Maeno.
Médica e pesquisadora da Fundação Jorge Duprat Figueiredo de Segurança e Medicina do Trabalho (Fundacentro), ligada ao Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), Maeno esteve ao lado de Carlos Clemente, sindicalista e coordenador do Espaço da Cidadania, nesta quarta-feira (23), em entrevista coletiva às mídias alternativas.
Organizado pelo Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé, o encontro entre Maeno e Clemente municiou CartaCapital, Fórum, Brasil 247, TVT, Viomundo e Jornal GGN, além, claro, de toda a audiência da transmissão ao vivo, de informações e reflexões valisoas sobre o grave problema em questão.
“Quase metade dos acidentes que matam trabalhadores no Brasil matam por quedas, choques. Todo o sistema foi terceirizado e as pessoas estão morrendo como animais em acidentes evitáveis”, ressalta Clemente. Para piorar, “a grande maioria dos trabalhadores e trabalhadoras que morrem no Brasil são jovens na faixa dos 35 anos e boa parte dos casos sequer chega ao Ministério do Trabalho”.
Segundo o sindicalista, referência na luta por saúde e segurança do trabalhador, é frustrante que não haja ação concreta do Estado para proteger a classe trabalhadora: “É como se não houvesse a quem recorrer quando há caso das mortes por acidentes no Brasil. É mais fácil achar agulha no palheiro que ações que estruturem o setor para não apenas conceder benefícios, mas apontar responsabilidades pelos acidentes e mortes no trabalho”.
De acodo com Maeno, o caminho para mitigar o cenário dramático passa fundamentalmente pela criação de um Sistema Nacional da Saúde dos Trabalhadores, contemplando inclusive todos os “pejotizados” e terceirizados. “Que seja uma questão central em âmbito federal, estadual e municipal, além, claro, do campo sindical”, pontua.
A médica também avalia que resolver o problema passa por aprimorar os instrumentos de aferição dos números reais de casos. “É muito alta a subnotificação dos acidentes com trabalhadores no país. O primeiro passo é estabelecermos um caminho rígido para produzirmos números reais. Com subnotificação, já é alto. Por que os acidentes continuam crescendo?”, questiona.
O alto índice de subnotificação, porém, não é mero acaso. Segundo Maeno, os acidentes e mortes de trabalhadores no Brasil ocorrem muito mais por negligência das empresas do que dos trabalhadores. “As empresas negligenciam as condições ideais de trabalho por vários fatores, que vão da pressa por resultados à falta de democracia nas relações de trabalho”.
Em relação à discussão candente sobre saúde mental no ambiente de trabalho, Maeno é categórica: “Hoje prevalece a ideia de que basta criar um ‘ofurô corporativo’ que o problema está resolvido. As empresas promove Yoga, entre outras práticas, que são válidas, mas não são garantidoras de saúde mental no trabalho. Os problemas são crescentes com ou sem essas práticas”.
Assista na íntegra:
Ato e Canto pela Vida
A entrevista coletiva foi parte das ações de divulgação do “Ato e Canto pela Vida”, evento musical e gastronômico que acontece no dia 27 de abril, na praça Vladimir Herzog, em São Paulo. O tema central do encontro será a discussão de caminhos para reverter o trágico quadro envolvendo os acidentes e as mortes de trabalhadores no país.
O evento conta com a adesão de mais de 70 organizações e celebra a data dedicada ao tema (oficialmente 28 de abril). O local escolhido já é consagrado como espaço público voltado aos direitos humanos e à democracia. O objetivo, além de mobilizar a militância do mundo do trabalho e da saúde e segurança, é sensibilizar a sociedade para a necessidade urgente de parar a engrenagem que fere, adoece e mata trabalhadores em proporções assustadoras.