27 de agosto de 2025

1°EJUV: ‘‘Nossa comunicação é resistência, criação e prática política’

Foto: Thompson Griffo (@thompsongriffo|@thompsongriffofotos)

O Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé promoveu o 1º Encontro Nacional de Comunicadores, Ativistas Digitais e Juventudes (EJUV) neste fim de semana (23 e 24 de agosto de 2025) no Armazém do Campo, do MST, na capital paulista.

Por Tatiana Carlotti para o Barão de Itararé
Fotos: Thompson Griffo 

Mais de 300 jovens de diversas regiões brasileiras se reuniram para debater como fortalecer a comunicação popular, enfrentar a desinformação e construir uma mídia efetivamente democrática e soberana. Mais da metade dos participantes, 160 jovens de 11 estados, compareceu ao encontro.

O evento teve apoio do Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br), através do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br); e contou com patrocínio do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae).

Foram sete mesas de debate, cinco oficinas, atos, encontros, reuniões que culminaram na proposta de criação de uma rede Rede Nacional de Jovens Comunicadores e Ativistas Digitais.

“Eu nunca vi tanta inteligência junta apontando caminhos para renovar as formas de luta”, comemorou o deputado Orlando Silva (PCdoB – SP) durante o encerramento do evento, no último domingo (24/08). 

Um vislumbre da energia que permeou o encontro pode ser vista nas imagens do ato abaixo, publicada no Instagram do Barão:

O pesquisador Ergon Cugler, da Diretoria do Barão de Itararé, afirmou que o encontro é um passo importante na consolidação de “uma rede de jovens comunicadores em escala nacional”. 

Ele destacou as oficinas que aconteceram ao longo do evento, entre elas, uma organizada pela Hackathon, que cria soluções tecnológicas para a mobilização popular. Lucas Almeida entrevistou a autora da iniciativa, Laura Rodrigues, nas redes sociais do Barão:

Cugler também destacou a participação de 61 autores e coautores na Mostra Científica. Foram 42 trabalhos apresentados, 20 foram expostos durante o encontro e vão ser reunidos em e-book. 

Uma iniciativa que reforça “o caráter inovador do EJUV, que não só debateu os rumos da comunicação popular, como produziu conhecimento e abriu perspectivas para a juventude que atua no campo da mídia alternativa”, afirmou.

“Nós, juventudes, queremos que a internet seja um espaço democrático, que não fique refém de meia dúzia de donos de big techs decidindo o que pode ou não circular […] Esse debate é nosso, da democracia”, salientou. 

Ele salientou que as plataformas digitais têm se mostrado resistentes às iniciativas das autoridades brasileiras para conter atividades criminosas, como o Telegram que se recusou a colaborar com a Polícia Federal na investigação sobre um grupo neonazista que planejava atacar escolas no país. 

Em sua posse no Conselhão, Cugler cobrou o presidente Lula: “a gente precisa de uma regulação democrática das big techs”. E alertou: “não dá para ter nazista organizado em plataforma, não dá para ter malandro coagindo criança; e  as big techs não só são omissas como lucram em cima disso”.

Carta do Encontro

Na sequência, Héctor Batista leu Carta do 1º Encontro Nacional de Comunicadores, Ativistas Digitais e Juventudes, intitulada: ‘A juventude quer a regulação das Big Techs’ .

No documento (íntegra no final), os jovens ativistas e comunicadores defendem uma comunicação democrática e soberana, denunciam a concentração midiática e a hegemonia das big techs que, definitivamente, “não representam o povo brasileiro”. 

Eles explicam que “a lógica do lucro e da exploração de dados compromete a soberania informacional e nos submete “a mecanismos opacos de controle algorítmico”. E que “a desinformação, alimentada por esses mesmos sistemas, corrói a democracia, aprofunda desigualdades e ameaça direitos fundamentais”. 

Foto: Thompson Griffo (@thompsongriffo|@thompsongriffofotos)

Frente ao um cenário de ataques, os participantes do 1º. EJUV reafirmam que “a juventude não é apenas público-consumidor de informações, mas um sujeito ativo de transformação”. 

“Nossa comunicação é resistência. É criação. É prática política”, apresentam-se ao exigir políticas públicas que assegurem soberania digital e a regulação das grandes plataformas. Além do enfrentamento da desinformação. 

O texto ainda ressalta a importância de se colocar no centro da narrativa comunicacional a justiça climática, a diversidade e a interseccionalidade, destacando vozes de povos indígenas, negros, quilombolas, periféricos e comunidades LGBTIAPN+.

Dez compromissos coletivos foram firmados, entre eles consolidar uma Rede Nacional de Jovens Comunicadores e Ativistas Digitais, promover campanhas permanentes de educação midiática e de combate à desinformação”, capacitações técnicas e encontros online mensais. 

“Não haverá democracia sem democratização da comunicação. Não haverá soberania nacional sem soberania digital. Não haverá justiça social sem justiça informacional”, alertam.

“Somos a geração que se recusa a aceitar um futuro controlado por algoritmos de corporações estrangeiras. Somos a geração que ousa imaginar e construir uma comunicação soberana, democrática e popular”, afirmam.

E garantem: “seguiremos em rede, em movimento e em luta”.

Soberania nacional

Germana Amaral Menezes, do Centro de Estudos e Memória da Juventude (CEMJ), destacou a importância do fortalecimento da soberania nacional e do enfrentamento da concentração de poder pelas big techs. 

Ela relatou que o ano começou com as discussões eram sobre a necessidade de o governo, a partir de sua governabilidade, trazer a disputa da ideia de soberania nacional. Agora, no entanto, “Trump e o tarifaço mostraram que a soberania nacional precisa estar cada vez mais no centro do debate comunicacional”.

Foto: Thompson Griffo (@thompsongriffo|@thompsongriffofotos)

Germana chamou atenção para os impactos das redes sobre crianças e adolescentes. “O vídeo recém-lançado do Felca sobre a adultização coloca luz a como as crianças e adolescentes e a juventude brasileira têm sido vitimadas pelas big techs”.

As empresas, destacou, “pouco se responsabilizam pelo processo de sexualização, de adultização das nossas crianças”. Além disso despejam “conteúdos neoliberais e imperialistas” que “ameaça a esperança”.

Em sua avaliação, o encontro é prova da a capacidade da juventude de formular e pensar formas de superar e combater os que querem vender os interesses nacionais. “Nossos interesses são soberanos e essa juventude vai enfrentar de pé e defender a soberania nacional, a soberania das redes e a democratização da comunicação”, apontou.

Ela defendeu que o próximo encontro seja “ainda mais amplo e com maior presença dos estados”. Afinal, “só pela organização e por vias da coletividade, vamos conseguir superar aqueles que querem nos colocar sozinhos, sem esperança e, individualmente, pensando no próprio umbigo”.

Fazendo História

O deputado Orlando Silva (PCdoB – SP) considerou o 1º EJUV, um momento histórico. “Quando a gente faz história, nem sempre percebe que está fazendo história. Creiam, esse encontro que vocês estão fazendo aqui pode ser um daqueles encontros históricos, que viram a chave na luta que fazemos para construir dias melhores no nosso país”. 

Ele destacou que não existem fronteiras entre o ambiente digital e o real; e fez uma contundente defesa da democracia e contra a anistia dos golpistas de 8 de Janeiro. “Se tivesse tido golpe, nós não estaríamos reunidos aqui hoje; eles estariam no poder. Por isso, anistia nunca para essa gente que tentou impor um golpe no Brasil”, declarou. 

Foto: Thompson Griffo (@thompsongriffo|@thompsongriffofotos)

Orlando criticou a atuação das grandes plataformas digitais que exercem “censura privada” ao desativar contas de figuras públicas e intelectuais. “Você pode não gostar do Jones Manoel, mas não pode derrubar 1 milhão de seguidores da rede do Jones Manoel. Isso é autoritário. Você pode não gostar da Manuela D’Ávila, mas não pode derrubar a rede da Manuela. Isso é cerceamento político e não podemos tratar como normal”.

Sobre o documento do evento, o deputado comunista o classificou como “direto, objetivo, preciso e ousado” por cobrar posicionamentos mais firmes do governo Lula. Ele alertou para a necessidade de enfrentar a dependência tecnológica e questionou a política de instalação de data centers por multinacionais no país. 

“Eles vão consumir a nossa energia, a nossa água, ameaçar o meio ambiente e continuar controlando nossos dados. Isso não é soberania digital. Soberania digital é produzir tecnologia no Brasil, nas universidades, na indústria nacional, respeitando o meio ambiente e a autonomia dos nossos dados”, disse.

Ele também destacou que falar em soberania digital sem autonomia tecnológica é ilusão. “Precisamos investir em ciência, universidades e indústria nacional para construir um desenvolvimento soberano”. 

E se comprometeu a levar o documento ao Plenário do Congresso Nacional: “essa semana vou entrar feliz no Congresso, subir à tribuna, pegar a Carta que recebi aqui e ler para o Brasil inteiro. Parabéns pelo encontro. Eu saio convencido de que nós estamos fazendo história”.

Leia abaixo a íntegra da carta do 1º. EJUV:

A juventude quer a regulação das Big Techs: Carta do 1º Encontro Nacional de Comunicadores, Ativistas Digitais e Juventudes

Nós, jovens comunicadores, ativistas digitais, estudantes, militantes de movimentos sociais e culturais, reunidos no 1º Encontro Nacional de Comunicadores, Ativistas Digitais e Juventudes, realizado em São Paulo nos dias 23 e 24 de agosto de 2025, declaramos ao Brasil e ao mundo a urgência de uma comunicação verdadeiramente democrática, plural e comprometida com a justiça social.

Nossa geração cresceu em meio a ataques sistemáticos contra a democracia, como os promovidos pelo governo Bolsonaro, que desmontou políticas públicas de comunicação, fragilizou a mídia alternativa e estimulou a desinformação como método de disputa política. Esse contexto evidencia ainda mais a urgência de uma comunicação democrática e soberana.

Vivemos em um tempo marcado pela hegemonia das Big Techs e por uma concentração midiática que distorce a realidade, silencia vozes e fortalece interesses econômicos que não representam o povo brasileiro. Essa estrutura, sustentada pela lógica do lucro e pela exploração de dados, compromete a soberania informacional e submete a sociedade a mecanismos opacos de controle algorítmico. A desinformação, alimentada por esses mesmos sistemas, corrói a democracia, aprofunda desigualdades e ameaça direitos fundamentais.

Diante desse cenário, reafirmamos que a juventude não é apenas público consumidor de informações, mas sujeito ativo de transformação. Nossa comunicação é resistência, é criação e é prática política. Reunidos neste encontro, construímos coletivamente caminhos para uma nova ecologia midiática, sustentada nos valores de solidariedade, diversidade, acessibilidade e soberania popular.

Democratização da comunicação e soberania digital

Reivindicamos o fortalecimento das mídias alternativas, comunitárias e públicas como pilares de uma democracia real. Essas plataformas, muitas vezes invisibilizadas, são fundamentais para garantir que a pluralidade brasileira se expresse.

Entendemos, no entanto, que a disputa de narrativas precisa ir além dos espaços já conquistados. É urgente ocupar também os meios de massa com uma perspectiva crítica, popular e comprometida com os interesses da maioria, rompendo o monopólio discursivo que hoje favorece os grandes grupos econômicos. Mais do que apenas discutir a aplicação de recursos, é preciso debater como geramos esses recursos. Defendemos, portanto, a criação de um fundo público de apoio às mídias alternativas, que garanta sustentabilidade e independência frente às pressões do mercado.

Defendemos a soberania digital como condição de independência e liberdade. O Brasil e a América Latina não podem ser reféns das infraestruturas tecnológicas controladas por potências estrangeiras. A ameaça constante de bloqueios, sanções e manipulações por governos e corporações estrangeiras mostra que a dependência tecnológica é um risco geopolítico. Exigimos políticas públicas de Estado que invistam em ciência, tecnologia e inovação nacionais e de ecossistemas digitais descentralizados.

Enfrentamento à desinformação e regulação das Big Techs

Denunciamos que as grandes plataformas digitais não são neutras: são atores políticos que concentram poder, exploram nossos dados e lucram com a desinformação. A lógica da economia de cliques e da viralização de ódio precisa ser enfrentada com regulação séria, que responsabilize as Big Techs e proteja o interesse público.

As plataformas digitais têm lucrado de forma desproporcional durante os períodos eleitorais. Para reduzir a desigualdade no acesso à comunicação política e limitar o poder econômico sobre os processos democráticos, propomos o debate sobre um teto de custos para impulsionamentos de candidatos em redes sociais.

Defendemos políticas que assegurem a neutralidade da rede, o combate às práticas de zero rating e a garantia de acesso universal à internet de qualidade. Propomos o fortalecimento da educomunicação como ferramenta de formação crítica, capaz de empoderar comunidades frente à manipulação midiática.

Justiça climática, interseccionalidade e diversidade

Entendemos que a comunicação está no centro das lutas sociais. As vozes indígenas, negras, quilombolas, periféricas, LGBTIAPN+, feministas, anticapacitistas e populares precisam ser protagonistas da narrativa pública.

Reafirmamos que a justiça climática é indissociável da justiça social. A comunicação crítica e o ativismo digital devem ser instrumentos para enfrentar a crise ambiental, dando visibilidade às resistências dos povos originários e das juventudes que já vivem as consequências do colapso climático.

Juventude como sujeito de mudança

Este encontro demonstrou que as juventudes têm a potência de criar, inovar e transformar. Oficinas, mesas e hackathon revelaram a criatividade, a ousadia e a capacidade empreendedora dos jovens brasileiros. A economia criativa, quando aliada à economia circular e ao compromisso ético, pode se tornar uma força de transformação social, ampliando horizontes de trabalho, renda e cultura.

Reconhecemos ainda o papel fundamental das entidades estudantis, como UNE, UBES e ANPG, que historicamente organizam a juventude brasileira em defesa da democracia, da educação e da soberania nacional. A cooperação com essas entidades deve ser estruturada como parte de nossa estratégia coletiva.

Exigimos que políticas públicas de juventude incluam a democratização da comunicação e o acesso às tecnologias como eixos centrais. A luta por conectividade significativa deve caminhar lado a lado com o direito à educação, à cultura e à participação política.

Compromissos e próximas ações

A partir das discussões e experiências vividas neste 1º Encontro Nacional, assumimos os seguintes compromissos coletivos:

  1. Consolidar uma Rede Nacional de Jovens Comunicadores e Ativistas Digitais, que articule experiências locais e nacionais, fortaleça as mídias alternativas e construa estratégias conjuntas contra a hegemonia das Big Techs.
  2. Promover campanhas permanentes de educação midiática e combate à desinformação, envolvendo escolas, universidades, coletivos culturais e comunidades de base.
  3. Defender políticas públicas de comunicação e soberania digital, pautando o Congresso Nacional, os governos estaduais e municipais, e atuando junto a conselhos, fóruns e conferências.
  4. Construir pontes latino-americanas, articulando juventudes, comunicadores e movimentos sociais do continente, para enfrentar conjuntamente os desafios geopolíticos e tecnológicos.
  5. Garantir acessibilidade e inclusão digital em todas as iniciativas, assegurando que pessoas com deficiência, populações rurais e comunidades periféricas tenham voz ativa e protagonismo.
  6. Realizar hackathons em universidades, especialmente em universidades públicas e institutos federais, ampliando a criatividade tecnológica da juventude.
  7. Promover atividades voltadas ao debate sobre a pejotização e precarização do trabalho jornalístico, tanto em ações específicas e próximos eventos realizados quanto na programação do próximo EJUV.
  8. Ampliar as ações de educação midiática, incluindo a dimensão de educação e letramento digital, para fortalecer o manejo crítico das tecnologias por grupos vulnerabilizados.
  9. Implementar atividades periódicas de capacitação técnica, aprofundando os conteúdos e metodologias discutidos neste encontro, em formato online e com indicativo de realização mensal.
  10. Organizar atividades periódicas de discussão política, também online e com indicativo mensal, para alinhamento de lutas e construção conjunta de estratégias.

Este encontro é apenas o começo. Somos a geração que se recusa a aceitar um futuro controlado por algoritmos de corporações estrangeiras. Somos a geração que ousa imaginar e construir uma comunicação soberana, democrática e popular.

A partir de São Paulo, com o legado do Barão de Itararé e das lutas de nossa história, afirmamos: não haverá democracia sem democratização da comunicação. Não haverá soberania nacional sem soberania digital. E não haverá justiça social sem justiça informacional.

Seguiremos em rede, em movimento e em luta.

São Paulo, 24 de agosto de 2025.

Assista a parte 1 e a parte 2 do 1º Encontro Nacional de Comunicadores, Ativistas Digitais e Juventudes.