20 de novembro de 2025

Eleições no Chile: Jeanette Jara tem tarefa árdua de atingir despolitizados e “direita democrática”

 

(Foto de RODRIGO ARANGUA / AFP)

A vitória de Jeannette Jara no primeiro turno eleitoral do Chile tem um sabor agridoce para a esquerda. A candidata comunista ganhou com 26,83% dos votos contra o ultradireitista José Antonio Kast, que obteve 23,96%. Ambos disputarão o segundo turno em 14 de dezembro. Em um surpreendente terceiro lugar ficou o populista de direita Franco Parisi com 19,61%, fora das previsões das pesquisas, e deslocando o libertário ultradireitista Johannes Kaiser, que obteve 13,93%.“Não deixem que o medo congele seus corações. Não acreditem em soluções imaginárias, cabeças que se escondem atrás de um vidro blindado. Nosso futuro está em nossas meninas e meninos”, disse Jara a seus simpatizantes reunidos do lado de fora do bunker, perto do Palácio de La Moneda, no centro da capital. A candidata de uma aliança composta por partidos de esquerda e centro-esquerda reivindicou as políticas do governo de Gabriel Boric, entre elas, a redução da jornada de trabalho para 40 horas semanais, o aumento das pensões e do salário mínimo.Por: Mercedes López San Miguel/ Página 12
Tradução: IA/ Diálogos do Sul Global No caminho, ficou interrompida a promessa de Boric de mudar a Constituição herdada do ditador Augusto Pinochet (1973–1990), após o estopim social de 2019.“Dois projetos de país”“Quase a metade dos chilenos e chilenas não votaram nem por mim nem por Kast”, disse Jara. “A eles nós vamos escutar. Que saibam que existem dois projetos de país e duas lideranças distintas”, afirmou a ex-ministra do Trabalho, ao mesmo tempo que antecipou que vai incorporar propostas de outros partidos fora de sua coalizão.Os resultados, nos quais a união das forças de direita tem maioria, coincidem com o cenário mostrado pelas pesquisas. Embora Jara tenha ficado em primeiro lugar, os votos de Kast, Kaiser e Matthei, referência da direita tradicional que obteve 12,53% dos sufrágios, somam 51%. Matthei e Kaiser já anunciaram seu apoio ao ultradireitista. Os chilenos também votaram para renovar a Câmara dos Deputados e metade do Senado.O sociólogo e professor da Universidade do Chile, Manuel Antonio Garretón, afirma ao Página/12 que o que se comprovou com esta eleição é que “os setores de direita democrática são minoritários e a direita chilena definiu claramente seu caráter autoritário, somando as candidaturas de Kast e Kaiser. Matthei, por sua vez, já havia se comprometido a apoiar os setores que são estritamente os representantes de Pinochet na terra e já o fez”.Para Garretón, o desafio para a esquerda de olho no segundo turno é falar ao eleitorado de Matthei e Parisi. “A tarefa principal hoje para os setores de esquerda é captar um eleitorado que não está representado pelas cúpulas dos setores de direita, e é a esse eleitorado que é preciso falar, é preciso falar às pessoas que votaram em Matthei e em Parisi, além de, claro, manter o discurso a partir de uma posição de esquerda”.Parisi, o fator surpresaCristian Leporati, professor de Comunicação Política da Universidade Diego Portales, havia antecipado ao Página/12 que Parisi cresceria em votos por ser esta eleição presidencial a primeira com voto obrigatório. “O eleitorado de Parisi é o que se conhece como ‘cidadão de shopping’, que vive se endividando, que no fundo é um aspiracional de classe média, filho do neoliberalismo, consumista e profundamente exposto às oscilações econômicas.”Garretón vislumbra um cenário aberto. “A votação de Parisi expressa um voto de descontentamento de um eleitor que não gosta da política, que prefere algo novo e que, sobretudo, não tem uma ideologia coerente, o medo da incerteza, as demandas individuais e a necessidade de uma certa ordem”.Parisi não representa uma direita populista?, pergunta-se ao especialista. “Sim, claro, mas isso não é ideológico. Há algo menos ideológico do que a direita populista? Prometer qualquer coisa a qualquer preço. O caso parece um pouco mais complicado porque Parisi é economista, foi inclusive decano de Economia da Universidade do Chile. Aí o populismo é mais complicado”.“Agradeço a Deus”Como orador final da noite, Kast falou a seus seguidores desde Barrio Alto, no setor mais opulento de Santiago. “Agradeço a Deus”, disse exultante. O candidato do Partido Republicano é ultracatólico, negacionista e ultraliberal em suas propostas. “A oposição derrotou um governo fracassado. A vitória real será quando fecharmos as fronteiras à imigração ilegal. Uma salva de palmas aos nossos carabineiros, agentes penitenciários e forças armadas”, disse, sob aplausos.Antes, Kast havia aparecido com Matthei e, separadamente, com Kaiser. “A unidade é fundamental e temos um mês para continuar trabalhando”, antecipou.Apesar de ser um dos países mais seguros do continente, o aumento do crime nos últimos anos impulsionou a extrema-direita e seu plano de deportações em massa e combate frontal à delinquência. Os homicídios aumentaram 140% na última década, passando de uma taxa de 2,5 para 6 por cada 100 mil habitantes, segundo o governo.Copiar o “estilo Bukele”Kast direcionou sua campanha de mão dura contra os 337 mil migrantes em condição irregular, em sua maioria venezuelanos, a quem responsabiliza pelo aumento da insegurança. Ao estilo Bukele em El Salvador, o líder do Partido Republicano promete deportações em massa e um “escudo fronteiriço” para impedir o ingresso de estrangeiros sem documentos, incluindo cercas metálicas e valas. “A maioria das pessoas vai dizer que tem medo”, afirmou após votar neste domingo.A população migrante dobrou em sete anos e alcançou 8,8% do total em 2024 neste país de 20 milhões de habitantes, segundo dados oficiais. Neste domingo (16), a candidata governista criticou seus rivais por “exacerbar o temor”. Isso não “serve para governar um país (…) é preciso ter capacidade de acordo, ter capacidade de diálogo”, afirmou Jara após votar em Conchalí, o bairro popular onde cresceu.A ex-ministra do Trabalho antecipou em campanha que não terá “nenhum complexo em matéria de segurança”, mas que também garantirá que os chilenos tenham “a segurança de chegar ao fim do mês”. Um de seus planos contra o crime organizado é o levantamento do sigilo bancário para atacar suas finanças.A 35 anos do fim da ditadura, os chilenos decidirão no segundo turno eleitoral se o país continuará na trilha progressista ou se, ao contrário, optará por uma ultradireita recarregada.