Entre julho e outubro, o professor Manuel Domingos Neto, referências em estudos militares no Brasil, promove o curso Introdução ao Estudo do Militar Brasileiro – Como se formam e se expressam os humores no quarteis. São duals aulas por semana ao longo de quatro meses apresentando um panorama geral para balizar o processo de compreensão dos militares ao longo da história do Brasil. O curso é promovido pelo Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé e conta com apoio do Instituto Brasileiro de Estudos Políticos (IBEP), da Associação Brasileira de Estudos de Defesa (ABED), do Grupo de Estudos de Defesa e Segurança Internacional (GEDES-UNESP e da Revista “Tensões Mundiais”, do Observatório das Nacionalidades (UECE).
As informações sobre inscrições podem ser encontradas no rodapé desta página. A seguir, reproduzimos a apresentação, o programa e a ementa do curso.
As fileiras ainda não constituíram objeto de estudo sistemático e abrangente. Há respeitável literatura sobre processos políticos protagonizados pelos militares. Acumulam-se estudos sobre a Guerra do Paraguai, a Proclamação da República, o tenentismo, o Estado Novo e a Ditadura de 1964. Há bons livros sobre personalidades militares. Mas são rarefeitos os estudos sobre os liames entre o trajeto nacional e as estruturas orgânicas e funcionais das corporações.
Nas universidades, poucos pesquisadores se dedicam aos “assuntos da defesa” e aos “negócios militares”. A sociedade e o poder político pouco sabem acerca da aplicação de recursos públicos nas Forças Armadas e da capacidade brasileira de dissuadir eventuais agressores estrangeiros. Acordos internacionais envolvendo armas e equipamentos são analisados superficialmente. A cultura corporativa persiste como enigma para muitos. Como se formam e se exprimem os humores dos quartéis? O poder executivo, o parlamento e os partidos políticos não contam com assessorias especializadas em assuntos relativos ao poder militar.
Excetuados curtos períodos, desde a Proclamação da República são correntes os temores de golpes militares. As interpretações da intervenção militar na vida política desconsideram o que ocorre em quartéis e escolas militares. Corporações armadas são organismos complexos: indispensáveis ao Estado, alimentam desígnios próprios; impulsionam o conhecimento e as novidades, mas preservam antigos valores e costumes; mantidas pela sociedade, sempre buscam ditar-lhe os rumos.
Para a construção de um país democrático, desenvolvido e soberano é indispensável conhecer o militar brasileiro.
O estudo do militar requer perspectiva histórica alongada; pede a consideração de tendências mundiais e o exame das conexões com o processo sociopolítico nacional.
O curso utilizará amparos conceituais de múltiplas áreas do conhecimento. Não se pautará em abordagem histórica, apesar e respeitar certa ordem cronológica.
O professor apresentará o resultado de suas pesquisas e reflexões desenvolvidas desde os anos 1970. Discutirá seus trabalhos publicados e inéditos.
Através de entrevistas, palestras e mesas-redondas, os alunos terão oportunidade de ouvir e debater com especialistas reconhecidos e atores políticos que tiveram envolvimento com os assuntos da Defesa.
EMENTA
O curso oferecerá fundamentos teóricos e históricos para a compreensão da defesa nacional, das Forças Armadas e de seus integrantes. Buscará associar a vida orgânica e funcional das corporações às suas manifestações políticas. Apresentará a literatura disponível sobre as relações civis-militares e a atuação política dos quartéis. Ofertará elementos para a compreensão da mentalidade, costumes, aspirações e propensões políticas das fileiras. Concluirá elencando propostas de mudanças na política de Defesa e nas organizações militares em benefício da soberania nacional, da democracia e do desenvolvimento.
PROGRAMA
1. Guerra e civilização.
Guerra, instinto gregário e divisão do trabalho. A violência na história: defesa coletiva e origem do Estado. Construção da ordem internacional. Conflitos armados, desenvolvimento da ciência, economia e percepção dos direitos do homem.
2. Guerreiros e corporações militares
Religiosidade dos guerreiros. Honra e glória entre os combatentes. Importância da memória corporativa. Desenvolvimento das especialidades militares e modernização corporativa. O conceito “instituição total”. A socialização corporativa. “Partidos militares” e “partido fardado”.
3. O patriotismo castrense
Intercâmbios comerciais e ordem mundial. Colonialismo, genocídio e escravismo. Legitimação das corporações e construção das nacionalidades. Percepção militar da “pátria”.
4. Legado do colonialismo português
Instrumentos de força do Império Português. Papel do Exército e da Marinha na ordem escravocrata e na delimitação territorial. Mitologia de Guararapes.
5. Natureza miliciana do Exército imperial
Recrutamento da tropa, sistema disciplinar, regras de promoção hierárquica, distribuição dos efetivos e emprego da força. A engenharia militar. Características da Marinha Imperial: dependência externa e violência com a marujada.
6. Impactos da Guerra do Paraguai
Razões e significação do conflito. A mobilização nacional para a guerra. Despreparo da tropa e violência descabida. Custos financeiros do conflito. O desempenho dos militares brasileiros. A condição do militar após o conflito e a crise do regime monárquico.
7. O militar na instauração da República
Politização e quebra da hierarquia. Alcance do credo positivista. Conservadorismo dos governos militares. Contendas corporativas e disputas oligárquicas.
8. Guerra de Canudos
Razões do conflito. O brasileiro pobre como inimigo. Humilhação do Exército. Convivência das corporações com as oligarquias agroexportadoras.
9. Desenvolvimento da indústria de guerra
Avanços da química dos explosivos e da metalurgia. Surgimento dos encouraçados e da aviação. Disputas entre potências estrangeiras pela influência militar na América Latina. Repercussões da Primeira Guerra Mundial sobre o militar brasileiro.
10. Modernização do Exército
Os “jovens turcos” e a Missão Militar Francesa. Serviço militar obrigatório. Reformas no ensino militar e nas regras de promoção hierárquica. Meritocracia e práticas de recrutamento endógeno. Formação das grandes unidades operacionais.
11. A modernização da Marinha
O que sobrou da Marinha nas contendas da Proclamação da República. A reconstrução da Armada na época do encouraçados. Espírito escravista da Marinha. Dependência da indústria estrangeira.
12. Clivagens provocadas pela modernização
Os oficiais como “representantes das classes médias”. União entre “germanófilos” e “francófilos”. O tenentismo e a Coluna Prestes: busca da legenda heroica. Chegada dos modernizadores ao topo da hierarquia. A ruptura de 1930.
13. Efeitos da modernização corporativa
“Guerra paulista” (1932): o Exército se firma como detentor da força. Corporação militar moderna em país arcaico: o militar em busca de um país digno de sua corporação.
14. Militares e comunistas
Aversão das fileiras às reformas sociais. Reflexos da Revolução Russa. Disputa entre conservadores e reformistas pela bandeira patriótica. O golpismo da esquerda em 1935.
15. O Militar e os povos originários
Preservação da índole colonial. O papel de Rondon. Populações nativas como estorvo à expansão capitalista. Iniciativas de ocupação territorial da Amazônia.
16. Estado Novo
Vitória do autoritarismo castrense e da vontade modernizadora. Góes Monteiro: “a política do Exército”. A figura de Getúlio como atenuante da responsabilidade dos militares no exercício de poderes ditatoriais.
17. O Surgimento da Força Aérea
O avião como símbolo da modernidade guerreira. A disputa dos fabricantes de aviões pelo mercado sul-americano. Concorrência entre o Exército e a Marinha. O aprofundamento da dependência dos fabricantes estrangeiros.
18. O Brasil na Segunda Guerra Mundial
Derrota dos simpatizantes do Eixo. Formação e desempenho da FEB. Vitória dos Estados Unidos na conquista do mercado consumidor brasileiro em armas e equipamentos. Guerra Fria: a militarização do Estado. Corrida armamentista. Consequências da aliança Brasil-EUA.
19. “Nacionalistas” e “entreguistas” castrenses
Escola Superior de Guerra: a “segurança nacional” como projeto político. O Clube Militar: o debate entre correntes. Luta pelo petróleo e pelo domínio da tecnologia nuclear. Criação do CNPq, do BNDES e do BNB. O conservadorismo dos “nacionalistas”. Consolidação do patriotismo castrense.
20. Preparação do golpe de 1964
Estratégias do Pentágono para a América Latina. Dependência brasileira em armas e equipamentos. Agitações nos anos 1950. O papel singular de Lott. Repressão ideológica nas fileiras. A “Cruzada Democrática”. Mobilização da Igreja católica. Empresariado e Forças Armadas.
21. A Ditadura Militar de 1964-1985
Projetos de Brasil-Potência. Os militares e o empresariado. A busca da autonomia em material bélico. O Banco Mundial durante a ditadura. Noção castrense de “integração nacional”. Proposições militares para a Amazônia. A ditadura e os meios de comunicação.
22. A repressão política.
Os serviços de informação. Censura à imprensa. Repercussões da guerrilha do Araguaia. Estratégia de recuo de Geisel-Golbery. Preservação da unidade política no meio militar. Os limites da lei de anistia.
23. Democracia como consentimento castrense.
Militares na Constituinte de 1988. O Artigo 142: preservação da Lei e da Ordem. Preservação constitucional do poder de tutela. A defensiva dos setores democráticos relativamente aos militares.
24. Forças Armadas na redemocratização
Criação e condução do Ministério da Defesa. Impactos das mudanças sociais sobre as corporações. Reações à “pauta de costumes”. Despreparo do poder político para conduzir a defesa nacional. Inexistência de civis especializados em Defesa e assuntos militares.
25. Reflexos da quebra da bipolaridade.
Proposições estratégicas dos Estados Unidos: as “novas ameaças”. Presença militar estadunidense na América Latina. A “estratégia de resistência” do Exército brasileiro.
26. Forças Armadas e segurança pública.
Desenvolvimento econômico, crescimento urbano e agravamento dos problemas da segurança pública. Militarização da Segurança Pública. Operações de garantia da Lei e da Ordem. Intervenção no Rio de Janeiro durante o governo Temer.
27. “Missões de paz”
Motivações para o envio de missões de paz da ONU. Presença brasileira em missões. Reflexos das missões sobre a carreira militar e sobre o preparo para operações de manutenção da Lei e Ordem.
28. O planejamento estratégico da Defesa
A formulação da Estratégia Nacional de Defesa. Definição do entorno estratégico. Os militares e a integração sul-americana. O Conselho Sul-americano de Defesa. O caso da Venezuela.
29. Os “projetos estratégicos”
O Programa Espacial Brasileiro. A base de Alcântara. O preparo para a guerra cibernética. O programa de submarinos. A renovação da frota de aviões. A Base Industrial de Defesa. Os acordos de cooperação militar com os Estados Unidos.
30. Retorno do militar ao palco político
Neoconservadorismo no meio militar. Ativismo da extrema-direita militar. Encruzilhada geopolítica. Rejeição às mudanças sociais. Dificuldades de inserção da “família militar” na sociedade. O Brasil sob a “Guerra híbrida”. O militar no golpe de 2016. A opção Bolsonaro. Atuação política da reserva militar.
31. Militares no governo Bolsonaro
Opção geopolítica das Forças Armadas. Presença militar na administração pública. Benefícios corporativos. Desmonte da capacidade científica e industrial. Forças Armadas e controle da pandemia. Preservação da disciplina e da unidade entre os militares.
32. A reforma das instituições militares
Alteração do Artigo 142 da Constituição. Prioridade para a autonomia da produção em armas e equipamentos. Propostas de criação de Polícia de Fronteira, Guarda Costeira, Polícia Ambiental e Guarda Nacional.
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Professores e debatedores convidados
- Adriana Barreto de Souza, professora da UFRRJ
- Adriana Marques, professora da UFRJ
- Ana Penido, pesquisadora do GEDES-UNESP
- Antonio Jorge Ramalho da Rocha, professor da UNB
- Celso Castro, professor do CPDOC-FGV
- Celso Amorim, embaixador, ex-ministro da Defesa
- Eduardo Heleno, professor da UFF
- Eduardo Costa Pinto, professor da UFRJ
- Eduardo Munhoz Svartman, professor da UFRGS
- Eliézer Rizzo de Oliveira, professor da UNICAMP
- Ernesto Justo López, professor da Universidad Nacional de Lanús.
- Francisco Carlos Teixeira, professor da UFRJ
- Germán Soprano, professor da Universidad Nacional de la Plata
- Héctor Saint-Pierre, professor da UNESP
- Jacqueline de Oliveira Muniz, professora da UFF
- João Quartim de Moraes, professor da UNICAMP
- João Roberto Martins Filho, professor da USFCAR
- José Murilo de Carvalho, professor da UFRJ
- José Genoino, ex-deputado federal
- Luís Gustavo Guerreiro, doutorando da UECE
- Luiz Eduardo Soares, antropólogo e cientista político
- Marcelo Godoy, jornalista do Estadão
- Marcelo Pimentel Jorge de Sousa, coronel da reserva do Exército
- Maud Chirio, professora da Universidade de Paris (Est Marne-la-Vallé)
- Michel Misse, professor da UFRJ
- Mônica Dias Martins, professora da UECE
- Nelson Jobim, jurista, ex-ministro da Defesa
- Paulo Cunha, professor da UNESP
- Piero Leirner, professor da USFCAR
- Renato Lemos, professor da UFRJ
- Roberto Amaral, escritor, ex-ministro da Ciência e Tecnologia
- Samuel Alves Soares, professor da UNESP
- Sebastião André Alves de Lima, professor da UNILAB
- Sérgio Luiz Cruz Aguilar, professor da UNESP
- Suzeley Kalil, professora da UNESP
INFORMAÇÕES
Carga horária: 64 horas/aula.
Periodicidade: Duas aulas por semana.
Horário: Terças e quintas-feira, das 19,00hs às 21,00hs.
Início: 6 de julho
Conclusão: 28 de outubro
Valor da inscrição: R$ 800,00 (pode ser divido em quatro parcelas mensais)
Estudantes: R$ 400,00 (pode ser divido em quatro parcelas mensais)
Bolsas de Estudo: serão concedidas mediante demanda
Informação e inscrições: estudodomilitarbrasileiro@gmail.com
As aulas ficarão disponíveis aos inscritos.