8 de outubro de 2024

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O que preocupa os jovens comunicadores

A Jornada Mundial da Juventude (JMJ) é um megaevento organizado periodicamente pela igreja católica em diferentes países. Mobiliza milhares de jovens e tem orçamento de muitos milhões de reais. Multidões, debaixo de chuva e frio, acompanharam a peregrinação do novo papa Francisco entre 23 a 28 de julho na JMJ do Rio de Janeiro.

A JMJ constitui o que se denomina media events, isto é, “parte espetáculos, parte festivais, parte textos, parte performances” em simbiose com uma maciça cobertura midiática e a consequente confirmação ritual de poderes estabelecidos, sendo exemplos clássicos as coroações, casamentos e funerais de monarcas ou líderes religiosos.

Enquanto a JMJ saturava a cobertura da grande mídia, cerca de seiscentos estudantes de jornalismo, publicidade, relações públicas e cinema, da maioria das unidades da federação e com idade entre 19 e 23 anos, enfrentavam a situação oposta: uma temperatura média acima de 30 graus centígrados e alojamentos improvisados em salas de aula para discutir “A qualidade de formação do comunicador social”, tema geral do 34º Encontro Nacional dos Estudantes de Comunicação Social, Enecom PI 2013, que ocorreu de 20 a 27 de julho, no campus da distante Universidade Federal do Piauí, em Teresina.

Aparentemente, nem mesmo a mídia local ofereceu cobertura ao Enecom – que não foi considerado “notícia” merecedora de inclusão na pauta. O evento, todavia, estava nas redes sociais e tinha seu próprio blog. Além disso, mantinha a tradição de ser “feito por e para estudantes, desde seu projeto político à busca estrutural e financeira de como realizá-lo”. Valedizer, com o mínimo possível de recursos financeiros e a total dedicação de seus organizadores.

Debate organizado

Participei do Enecom PI 2013, como convidado de uma mesa sobre “Democratização da Comunicação”, um dos quatro painéis realizados no evento.

Chamou minha atenção a “metodologia” utilizada. O painel é dividido em “perfis” a serem apresentados por diferentes expositores, não necessariamente professores. Sobre a “Democratização da Comunicação” foram quatro perfis: 1. Por que a democratização da comunicação tem tudo a ver com você?; 2. Novas leis para um novo tempo: marcos regulatórios pelo mundo; 3. Construindo outras vozes; e 4. Das redes às ruas: a internet e a mobilização social da juventude.

Feitas as exposições, os presentes (excluídos os expositores) se reúnem em suas respectivas “brigadas” (nas quais já estão agrupados todos os participantes do encontro) e debatem os temas levantados pelos expositores, ou não. Depois de 30 minutos, um ou mais representante de cada brigada coloca seus comentários para todos. Retorna-se, então, aos expositores (panelistas) para uma rodada final de observações.

Políticas públicas

Após as canônicas exposições iniciais dos convidados, a novidade foi que o debate nas brigadas revelou uma animadora autonomia não só frente às exposições, mas também “pés no chão” em relação à realidade brasileira do setor. Alguns pontos:

1. Diagnósticos e críticas não interessam mais. Precisamos discutir alternativas.

Como viabilizar a construção de alternativas locais de jornais populares? Quem teria mais credibilidade nos assuntos de interesse local, o Jornal Nacional da Globo ou um jornal produzido na comunidade? Quem os financiará? Quais parcerias coletivas são possíveis para viabilizar, por exemplo, a contratação “por serviço”, do maquinário ocioso de grandes jornais ou de gráficas?

2. A internet é importante, mas a maioria dos brasileiros ainda não tem acesso a ela. A banda larga é cara e de má qualidade. Precisamos criar alternativas complementares à internet.

A importância das rádios comunitárias é amplamente reconhecida. É necessário priorizar uma nova legislação que impeça a criminalização e o fechamento de rádios já existentes e amplie o seu alcance.

3. Não basta ser um canal de televisão público ou educativo para uma emissora se constituir em alternativa à mídia comercial dominante.

É preciso exigir dos órgãos fiscalizadores (Ministério das Comunicações) o cumprimento das obrigações dos canais não comerciais e transformá-los em espaços de veiculação de programação alternativa de qualidade.

4. A explicação midiática “pós-moderna” da total fragmentação de interesses e objetivos das manifestações de jovens não deve ser aceita sem discussão.

Por detrás da aparente fragmentação existem insatisfações comuns como, por exemplo, uma demanda por participação na construção de políticas públicas. Surge aqui a necessidade de se instalarem os conselhos de comunicação como espaço de interferência na destinação de recursos públicos nos planos estaduais de comunicação.

Com “os pés no chão”

O indispensável diálogo com os jovens é muitas vezes surpreendente. Os observadores de gabinete, analisamos movimentos de jovens sem conhecer o que de fato pensam esses sujeitos coletivos.

Mesmo levando-se em conta que boa parte de participantes dos Enecoms são jovens diferenciados porque envolvidos em militância estudantil, é gratificante observar que eles não estão – como em geral se acredita – “deslumbrados” com os falaciosos superpoderes das redes sociais virtuais. Na verdade, estão com “os pés no chão” e preocupados em encontrar formas factíveis de exercício profissional em suas respectivas áreas de formação, sem abrir mão de interferir politicamente nas transformações do país.

Ignorados pela grande mídia, no calor estorricado do Piauí, jovens futuros comunicadores sociais brasileiros “fazem” mais um Enecom e mostram saber muito bem o que querem.

Estão no caminho certo.

***

Venício A. de Lima é jornalista e sociólogo, professor titular de Ciência Política e Comunicação da UnB (aposentado), pesquisador do Centro de Estudos Republicanos Brasileiros (Cerbras) da UFMG e autor dePolítica de Comunicações: um Balanço dos Governos Lula (2003-2010), Editora Publisher Brasil, 2012, entre outros livros

Publicado originalmente no Observatório da Imprensa