“King Kong, um macaco que, depois que vai para a cidade e fica famoso, pega uma loira. Quem ele acha que é? Jogador de futebol?” afirmou Danilo Gentili na TV. A um telespectador que contestou o caráter racista da frase respondeu pelo twiiter de forma a deixar ainda mais claro o seu preconceito: “quantas bananas você quer para deixar essa história prá lá?”
Por Laurindo Leal Filho, publicado originalmente na Revista do Brasil, edição de dezembro de 2013.
O moço é reincidente. Há algum tempo o alvo foi religioso. Sobre a polêmica da futura estação do metrô paulistano no bairro de Higienópolis, habitado por muitos judeus, disse: “entendo os velhos de Higienópolis temerem o metrô. A última vez que eles chegaram perto de um vagão foram parar em Auschwitz”. Desculpou-se depois mas o estrago já estava feito.
O que ele fez, e tantos outros na TV brasileira fazem, foi violar os Direitos Humanos, lembrados anualmente no dia 10 de dezembro, data que não é apenas comemorativa. É um momento importante para lembrar direitos ainda violados pelo mundo, entre eles o do respeito à dignidade humana e a não discriminação.
A TV que poderia ser um instrumento na defesa desses direitos tornou-se, no Brasil, o seu oposto. Basta assistir aos programas policialescos em rede nacional incentivando a violência ou àqueles regionais que, na hora do almoço, tripudiam sobre a desgraça alheia. Sem falar no desprezo com a dignidade da mulher, transformada em objeto nos auditórios, novelas e propagandas e as recorrentes piadas em torno da homossexualidade.
Correndo solta, sem qualquer regulação, a TV se vê livre para atacar os Direitos Humanos impunemente. Não existem, como na Europa, órgãos reguladores com poder para impor limites às emissoras. Não se trata de censura. Eles agem sempre a posteriori, a partir de demandas do público.
A pesquisadora Bia Barbosa realizou um importante trabalho sobre as violações de direitos humanos e a regulação de conteúdo da TV no Brasil, comparando com o que ocorre na França e no Reino Unido. Analisou casos de preconceito e ofensa contra grupos minoritários, violação dos direitos das mulheres, discriminação religiosa, banalização da violência e linguagem depreciativa. As conclusões, para nós, são desoladoras.
No Brasil, sem um órgão regulador, cabe ao governo de turno aplicar as poucas regras que existem, dispersas por vários ministérios e muitas vezes ultrapassadas historicamente, como é o caso do Código Brasileiro de Telecomunicações, de 1962. Mesmo assim as normas são pouco aplicadas, na medida em que os governos evitam, por interesses políticos, qualquer tipo de atrito com os proprietários das empresas de TV.
Na França e no Reino Unido é diferente, os mecanismos de regulação são ágeis e as violações punidas com rigor. As multas são calculadas em função do faturamento dos canais. No Reino Unido, há um teto de 250 mil libras ou 5% da receita do canal (o que for maior). Na França, podem chegar a 3% da renda de uma operadora, indo a 5% em casos de reincidência.
Bia Barbosa colheu exemplos interessantes: a Belive TV, um canal pago inglês dedicado a mostrar soluções de problemas financeiros e de saúde através da fé, com pastores receitando sabonetes milagrosos no video, foi multado em 25 mil libras e obrigado a parar com o charlatanismo. Em 2012, outro canal religioso recebeu multa de 75 mil libras por realizer uma campanha dizendo que em troca de doações de mil libras, oferecia um “presente especial” e uma oração que aumentaria a saúde, a prosperidade e o sucesso do doador.
Em meados deste ano, o canal inglês Channel Four exibiu uma série de programas onde a apresentadora Daisy Donovan percorre vários países do mundo revelando como é a televisão local. Um dos episódios tratou do Brasil. Daisy mostrou os programas Miss Bumbum, veiculado pelo MultiShow; Pânico, pela RedeTV!; e o policial Na Mira, da TV Aratu, filiada do SBT na Bahia. Depois de se surpreender com o concurso de beleza, ela perguntou: “se a TV brasileira é capaz de tratar uma mulher desta forma, haveria alguma barreira que ela não ultrapassaria?”
Sim, como a barreira dos Direitos Humanos que é ultrapassada todos os dias.