Por Luiz Carlos Azenha, no Viomundo
Saiu mais um relatório sobre a economia brasileira, este da Moody’s. Sim, aquela agência de classificação que dava nota AAA+ para títulos que se desfizeram na crise de 2008. Sobre agências como a Moody’s, o Viomundo já publicou um texto essencial (trecho abaixo):
As agências Moody’s, Standard and Poor’s e Fitch se concentram principalmente em ações e títulos emitidos por corporações, estados e municípios. Fazem dinheiro duas vezes na mesma transação quando cidades e estados equilibram seus orçamentos transformando patrimônio público em entidades privadas, que emitem novos títulos e ações. Esse incentivo empresarial cria nas agências de análise uma antipatia por governos que se financiam na base do “pague de acordo com a necessidade” (o que Adam Smith apoiava), aumentando impostos sobre imóveis e outros bens, ao invés de tomar emprestado para cobrir os gastos. O efeito dessa parcialidade hereditária é dar opiniões baseadas não no que é melhor, economicamente falando, para o governo local — e sim no que produz mais lucros para elas, agências. Governos locais são pressionados quando o nível de endividamento sobe e provoca uma situação financeira severa. Os bancos cortam suas linhas de crédito e exortam as cidades e estados a pagar suas dívidas vendendo seu patrimônio público mais viável. Oferecer opiniões a respeito destas práticas se tornou um grande negócio para as agências de análise. Então, é compreensível porque seus modelos de negócios se opõem a políticas – e a candidatos políticos – que apoiam a ideia de basear o financiamento público na cobrança de impostos — e não no endividamento. Esse interesse próprio influencia suas “opiniões”.
Obviamente que a mídia conservadora pinçou do mais recente relatório da Moody’s o que pudesse soar mais negativo ao governo Dilma, em plena campanha eleitoral.
Do Estadão, via Veja:
Crescimento via consumo se esgotou no Brasil, diz Moody’s
Em relatório, agência de classificação de risco fala em queda da concessão de crédito, taxas de juros elevadas e aumento do endividamento das famílias
O crescimento econômico conduzido pelo consumo alcançou um ponto de exaustão no Brasil, avaliou a Moody’s em relatório divulgado nesta terça-feira. Neste cenário, a agência de classificação de risco prevê uma baixa da concessão de crédito, taxas de juros elevadas e aumento do endividamento das famílias. A redução das perspectivas de crescimento econômico e a deterioração da situação fiscal do país impactaram diretamente no ambiente operacional de Estados e municípios, disse a agência.
A Moody’s também detalhou no relatório o desempenho de outras economias da América Latina, como Argentina, Chile, Peru, México e Colômbia, e apontou que o crescimento econômico da região está desacelerando, afetado negativamente tanto por consumo como por investimento. “Isso se segue a uma década de crescimento econômico forte, salários em elevação e aumento dos gastos com consumo, que impulsionaram mais latino-americanos para a classe média do que em qualquer época anterior”.
A projeção da agência é de que a expansão em Argentina, Brasil, Chile e Peru fique abaixo da taxa média de crescimento registrada durante o período de 2004 a 2013. O México será o único país a apresentar evolução superior à sua média histórica.
Leia mais: Moody’s muda perspectiva de nota brasileira para “negativa” Investimento recua 11,2% no 2º trimestre e pesa sobre PIB PIB do 2º trimestre faz Brasil voltar para lanterna dos BricsA Moody’s destaca ainda que o sentimento entre os consumidores e investidores piorou significativamente nos últimos três anos, embora a perspectiva de longo prazo para a classe média brasileira permaneça positiva. Na América Latina, a agência aponta que os setores mais vulneráveis são o de construção civil, siderurgia, automotivo e fabricantes de eletrodomésticos.
A agência ainda diz que investimentos e gastos governamentais, e não gastos dos consumidores, devem conduzir a uma “recuperação moderada” em grande parte da região no ano que vem.
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Como jornalista, eu, Azenha, aprendi a ler o que as notícias escondem.
Destaco uma frase literal do relatório: “Isso se segue a uma década de crescimento econômico forte, salários em elevação e aumento dos gastos com consumo, que impulsionaram mais latino-americanos para a classe média do que em qualquer época anterior”.
No mundo da Veja, do Estadão e da Moody’s, há uma desconexão entre economia e política.
Ou seja, a década “de crescimento econômico forte, salários em elevação e aumento dos gastos com consumo” foi obra divina. Caiu do céu. Não foi resultado de uma política econômica praticamente regional, calcada em tentativas mais ou menos fortes de distribuição da renda obtida com exportações e/ou indústrias locais. A Moody’s é “apolítica” e “neutra”, assim como se consideram alguns jornalistas de Veja eEstadão.
O crescimento da América Latina, portanto, está desconectado da existência das políticas dos governos Lula, Chávez, Morales, Kirchner, Correa e companhia.
A direita repete o mesmo mantra: o apetite da China por importações decresceu e, com isso, “o crescimento via consumo se esgotou” no Brasil, como titula a Veja. O fato (queda do crescimento chinês), não implica necessariamente no segundo se as políticas de distribuição de renda forem aprofundadas, como nota a Moody’s, “à base de investimentos e gastos governamentais”. Isso aponta na direção oposta às propostas econômicas conservadoras, que resumindo grosseiramente consistem em desmilinguir o Estado e libertar o “espírito selvagem” dos empresários.
Há um excitante debate econômico na esquerda que, infelizmente, não encontra eco na mídia conservadora, a não ser que sirva circunstancialmente a objetivos eleitorais — derrotar o trabalhismo.
O sempre arguto Vladimir Safatle, em entrevista, colocou com clareza qual é o impasse que enfrentamos:
Você tem sustentado a tese de que o modelo de desenvolvimento dos governos Lula e Dilma esgotou-se e, ao mesmo tempo, tem insistido na necessidade de haver um “segundo ciclo de políticas contra a desigualdade baseadas na universalização de serviços públicos de qualidade”. O que isso significa, do ponto de vista da estratégia política?
Acho que significa compreender que não há mais avanços na sociedade brasileira sem uma politização forte a respeito, entre outras coisas, da estrutura tributária do Brasil. Eu sei que esse é ponto sensível do jogo político brasileiro, porque isso significa colocar contra a parede setores hegemônicos, como os interesses do setor financeiro, como os interesses da elite que paga um imposto de renda absolutamente irrelevante e irrisório, e exige uma recomposição da estrutura tributária brasileira, retirando os impostos sobre consumo e direcionando para os impostos sobre renda. Eu tenho consciência de que isso significa um acirramento do conflito. Mas eu diria que o acirramento é inevitável, vai ocorrer de uma maneira ou de outra. Porque o processo de ascensão social permitido pelo lulismo é um processo que de fato, a meu ver, se esgotou. Ele teve sua importância, não é uma questão de desqualificá-lo, mas se esgotou pelas suas próprias contradições internas. Os processos históricos são assim, funcionam durante certo momento, mas pelas suas próprias contradições, eles também se esgotam. Chegou nesse ponto. Em princípio não seria nada desesperador, se houvesse um outro processo em gestação. O que eu acho desesperador é perceber que não há um outro processo em gestação.
Eu acrescento que, num quadro de crise econômica internacional — de crescimento negativo ou baixíssimo pelos próximos dez, quinze anos — de fato o acirramento é inevitável. A equação ganha-ganha de Lula (ganham banqueiros e assalariados) tornou-se politicamente inviável. As ruas de 2013 pediram mais, não menos serviços públicos: escolas, hospitais, creches…
A pergunta é: exportando menos por causa da crise externa, quem vai ganhar e quem vai perder?
Finalmente, teremos uma eleição em que dois projetos claríssimos vão se enfrentar — menos na mídia conservadora, que trata a disputa como uma corrida de cavalos:
1. Libertamos os empresários brasileiros das “amarras” do Estado, permitimos que eles compitam abertamente com a China e outros países exportadores, entregamos o controle da política monetária a um Banco Central “independente” (de quem, dos eleitores?) e a política fiscal a um Conselho de Responsabilidade Fiscal não-eleito (para o economista André Biancarelli, um exotismo), reduzimos salários e direitos sociais para aumentar a competividade exportadora da economia, atraímos maquiladoras, fortalecemos o setor financeiro e entregamos o mercado interno que nos salvou em 2008?
2. Apostamos no Estado indutor da economia, que proteja os setores mais frágeis da economia e da população, que utilize a renda do pré-sal para desenvolver cadeias produtivas, que preserve o mercado consumidor interno com a manutenção de direitos trabalhistas?
Na verdade, é minha crença que a resposta a isso só teremos, mesmo, depois da eleição de 2014. Se a inflexão à esquerda de Dilma e do PT, à qual assistimos nas últimas semanas, for mais uma vez apenas para consumo eleitoral, quando chegar a hora de a onça beber água — de decidir quem vai pagar a conta –, viveremos o aprofundamento da crise política da qual as manifestações de 2013 foram sintoma.
Lulismo em vias de extinção, será a hora de mostrar a que veio o dilmismo — se a presidente for reeleita.
Alguém vai ter de perder…