8 de outubro de 2024

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Venício Lima, Requião e Luciana Santos debatem mídia e ‘cultura do silêncio’

No dia 3 de agosto, Venício Lima visita a sede do Barão de Itararé (Rua Rego Freitas, 454, conjunto 83 – República), em São Paulo, para lançar seu novo livro, Cultura do silêncio e democracia no Brasil: Ensaios em defesa da liberdade de expressão (1980-2015) (Ed. UnB). Em debate sobre ‘a mídia e a cultura do silêncio’, o estudioso terá a companhia do senador Roberto Requião (PMDB-PR) e da deputada Luciana Santos (PCdoB-PE). A atividade, marcada para as 19h, é aberta ao público.

A comunicação e a defesa da liberdade de expressão são temas recorrentes na extensa obra de Venício Lima. Composto de 20 ensaios, Cultura do silêncio e democracia no Brasil traz uma reflexão profunda sobre o tema, sempre sob a ótica da democracia, princípio historicamente ausente quando se trata da mídia no Brasil.

Emiliano José e Tereza Cruvinel escreveram suas impressões sobre a obra. Confira, a seguir, as duas resenhas:

A mídia e a cultura do silêncio, por Emiliano José

Venício Lima é desses intelectuais raros. Não só pela erudição, como e principalmente, pelo seu compromisso com as classes trabalhadoras, com a democracia, com a liberdade. Com propriedade, pode ser qualificado, à Gramsci, de intelectual orgânico. Seu mais recente livro – Cultura do silêncio e democracia no Brasil: ensaios em defesa da liberdade de expressão [1980-2015] – é uma expressão disso. Ao selecionar textos básicos de sua produção entre 1980 e 2015, evidencia o quanto seu pensamento contribuiu para a luta democrática no Brasil e o quanto suas formulações têm lado.

Cientista social, mestre, doutor, pós-doutor em mais de uma ocasião, especialista em História do Cristianismo Antigo, professor titular de Ciência Política e Comunicação da Universidade de Brasília (aposentado), foi pesquisador visitante I do CNPq no Departamento de Ciência Política da Universidade Federal de Minas Gerais, professor visitante nas universidades de Illinois e Miami-Ohio, EUA e La Habana, Cuba, e coordenador de Pós-Graduação da Universidade Estadual do Rio Grande do Sul, além de fundador e primeiro coordenador do Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política da UNB. É também jornalista profissional.

Seus ensaios têm matrizes claras. Primeiro, não conseguem esconder, e nem pretendem, o acento marxista. Tal matriz evidencia-se no método de análise, na clareza de que a história está fundada na luta de classes e que nunca deve fugir da noção de totalidade, inclusive e principalmente quando se analisa os meios de comunicação, que nunca podem ser vistos isoladamente, à parte da sociedade, da economia, da cultura e da política. Segundo, seus textos guardam um compromisso profundo com a democracia em seu sentido mais substantivo. A democracia nele sempre cobra participação popular, cidadania ativa, defesa dos conselhos, autonomia do povo. E deve ser erigida sob um Estado de Direito capaz de promover simultaneamente a igualdade e a diferença, características essenciais da política, se transformadora.

Terceiro, essa concepção de democracia provavelmente decorre de outra matriz – a gramsciana. Indaga-se se esta é decorrente de Marx, ou quem sabe, ela própria é que o tenha levado a Marx. Sem aparecer constante e explicitamente nesses textos, Gramsci está sempre a insinuar-se em suas concepções democráticas e no próprio entendimento do processo de transformação da sociedade, mais próximo da ideia de conquistas obtidas trincheira por trincheira do que da concepção do assalto ao Palácio de Inverno.

De Gramsci, é possível especular, pode ter se apropriado da noção de casamatas, fortalezas protetoras das classes dominantes, especificamente ao tratar da mídia, principal preocupação de sua trajetória intelectual e desse conjunto de ensaios. O jornalismo como partido político funda-se em análise de Gramsci lá pelos anos 20 do século passado. Esta noção guarda impressionante atualidade, e seguramente está presente nos textos de Venício Lima, sempre com os cuidados acadêmicos devidos, nunca desprezados, jamais canonizados. Ele não escreve como se estivesse sob os pórticos sagrados da Academia, mas como ator político envolvido com as lutas de seu tempo.

Não creio em acaso na atitude de Venício de trazer à luz no segundo capítulo um autor como Stuart Hall, nitidamente gramsciano, intérprete, entre tantos, do notável conceito de hegemonia do dirigente comunista italiano. E o recupera para o Brasil, se a palavra couber, no âmbito de estudos jornalísticos. Ou Raymond Williams, que também trabalhou o conceito de hegemonia, e acrescentou o de contra-hegemonia.

Não é equivocado acentuar também matriz fundada em Paulo Freire, merecedor do primeiro capítulo e mais dois ensaios, sobre quem o autor produziu uma tese, na University of Illinois, em 1979, qualificada pelo próprio Freire como “um trabalho original, arguto, sério e profundo”, em correspondência de próprio punho enviada pelo autor da Pedagogia do Oprimido a Venício. O trabalho acadêmico foi transformado em livro sob o título “Comunicação e Cultura: as ideias de Paulo Freire”. Resgata-se o conceito da cultura do silêncio, de Freire, que tem origem remota no padre Vieira e se consolida no quadro teórico da “teoria da dependência”, em voga no início da segunda metade do século passado, como acentua Lima.

A cultura do silêncio caracteriza a sociedade a que se nega a comunicação e o diálogo, onde se respira o ambiente do tolhimento da voz, da incomunicabilidade. Tudo a ver com as circunstâncias atuais, quando um barulho ensurdecedor sobre alguns assuntos escolhidos a dedo pela mídia hegemônica encobre outros tantos, condenados ao silêncio, para além de sua óbvia noticiabilidade. Também é em Freire que Venício busca inspiração para o desenvolvimento do conceito do direito à comunicação, fundado na formulação freireana da comunicação dialógica. Na defesa de Freire, insurge-se contra uma visão idealizada do pensador-educador, como se fosse um ser simplesmente amoroso, incapaz de compreender a violência como resposta dos dominados, “afirmação do ser que já não teme a liberdade e que sabe que esta não é um presente, mas uma conquista”, nas palavras de Freire, citadas por Venício.

O maior volume de ensaios gira em torno das políticas públicas de comunicação, de mídia e política, e de liberdade de expressão, da terceira à quinta Parte do livro. Quanto ao primeiro ponto, o autor transita pelo que foi a batalha da comunicação da Constituinte, pelo conflito entre o interesse privado e público, pelo princípio da complementaridade, conselhos de comunicação social, pela dificuldade em avançar na democratização da comunicação no País, pelas legislações da Argentina, Inglaterra e União Europeia e pela discussão em torno do monopólio. Com relação a tais temas Venício Lima é o mais arguto e denso crítico de nossa trajetória elitista em relação aos meios de comunicação, de nossas barreiras para construir um novo marco regulatório e da falta de iniciativa do Estado brasileiro em romper o oligopólio que controla a mídia desde sempre, além de fazer o cotejamento com as experiências internacionais de regulação, o que só reforça a sua crítica.

O autor prefere, aqui junto com Juarez Guimarães, pensar o desafio de constituir um campo de pensamento no qual política e comunicação estão umbilicalmente vinculados, não podendo ser vistas de modo isolado. Assim, tal pensamento gira em torno da ideia de que há uma relação fundante e incontornável entre política e comunicação, o que naturalmente conflita com muitas escolas teóricas, que preferem examinar política de um lado, comunicação de outro, como se isso fosse possível em tempos de idade-mídia. Na Parte sobre Mídia e Política, recupera o seu instigante conceito de Cenários de Representação da Política, fundado no conceito gramsciano de hegemonia, incluindo contra-hegemonia, voltado a esquadrinhar situações e eleições onde há o predomínio da televisão. No mesmo capítulo, trata do coronelismo eletrônico de novo tipo, evidenciando o quanto as rádios comunitárias, no período analisado por ele, 1999-2005, estavam controladas por políticos.

Na última Parte, cinco ensaios debruçam-se sobre o tema da liberdade de expressão. Desmontam a ideia de que a imprensa – jornais, revistas, emissoras de rádio e televisão – possa ser mediadora dos debates de interesses coletivos, possa garantir a formação de uma opinião pública independente capaz de tomar as melhores decisões para toda a sociedade e possa ser ainda expressão da realidade, da verdade. Até porque essa imprensa, essa mídia é dominada por oligopólios nada propensos à pluralidade de ideias, à liberdade para a sociedade, todos eles voltados para seus próprios interesses e para assegurar a hegemonia das classes dominantes. Constitui sempre o partido-mídia, tem lado, e é o dos dominantes, invariavelmente.

Relativamente ao Brasil, o autor considera que, mantendo-se hegemônicos, os oligopólios da comunicação têm conseguido interditar o debate público amplo e integral sobre a democratização da mídia, “condição necessária para a autodeterminação coletiva e razão última da liberdade individual de expressão”. Na verdade, argumenta, tais meios restringem a liberdade de expressão de pessoas e grupos, impedidos de trazer ao debate público sua opinião e a diversidade de sua cultura. Por tudo, defende deva o Brasil caminhar para o reconhecimento de um direito à comunicação, democrático e republicano, tão fundamental quanto os direitos à saúde, à educação, a quaisquer outros direitos essenciais.

Único lamento, no livro, é a edição descuidada. Um autor como Venício não merecia tal tratamento. Erros grosseiros de edição, que chegaram a obrigar a publicar em separado o brilhante prefácio de Juarez Guimarães. Imagino, espero que a Editora da Universidade de Brasília o premie com nova edição, acompanhada com mais esmero na sua preparação. Por tudo, ele merece esse prêmio.

Essa espécie de síntese de sua obra, presente neste livro, carrega o simbolismo da chegada aos 70 anos, completados recentemente. Uma trajetória rica, de um intelectual que soube sempre encarnar o espírito de seu tempo, mudar com ele, sem perder de vista as raízes teóricas fundantes de seu pensamento. Gramsci, em carta ao irmão Carlo, da prisão, em 1927, definiu-se:

“Alguns me consideram um demônio, outros quase um santo. Não quero ser mártir, nem herói. Acredito ser simplesmente um homem médio, que tem suas convicções profundas e não as troca por nada deste mundo.”

É Venício.

*Emiliano José é jornalista e doutor em Comunicação e professor da UFBA (aposentado).

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Cultura do silêncio e democracia no Brasil, por Tereza Cruvinel

Se há um debate que o andar de cima brasileiro esconjura é o da estrutura e regulação dos meios de comunicação no país. Os que têm poder sobre a circulação das ideias e a construção do senso comum fizeram predominar uma figura invertida, em que a liberdade “da” imprensa, vale dizer, das empresas de comunicação, é defendida com ardor como se se tratasse da liberdade de expressão da sociedade como um todo. Esta é uma formulação de Venício A. de Lima, que neste campo árido tem sido, nas últimas décadas, o mais profícuo, arguto e persistente pensador da relação entre mídia, poder, liberdade e democracia.

Ele está lançando nesta quarta-feira, 10 de Junho, pela Editora UnB, o livro “Cultura do silêncio e democracia no Brasil – ensaios em defesa da liberdade de expressão”: a partir das 18 horas na Livraria Universidade, CLN 406, bloco A, loja 42.

O livro é composto por 19 ensaios escritos e publicados entre 1980 e 2015, período em que grandes transformações tecnológicas aconteceram no setor, alguns países tiveram que fazer ajustes regulatórios, ainda que tímidos, mas no Brasil praticamente nada mudou. Em 1984 fui aluna de Venício no mestrado em Comunicação da UnB, e ele já era antenado com a agenda internacional nesta matéria. Naquele tempo a resolução da Unesco sobre uma Nova Ordem Internacional da Comunicação e da Informação, a Nomic, alimentava a expectativa de que os estados nacionais chegassem a algum pacto regulatório. Os acordos globais, entretanto, acabaram arquivando a resolução. No Brasil, veio a Constituição de 1988 e Venício assessorou tanto Cristina Tavares como Arthur da Távola, relatores que, embora derrotados pelo bloco conservador em suas proposições mais avançadas, são responsáveis pelos avanços que puderam ser inseridos no capítulo das Comunicações. Resumem-se praticamente aos artigos 221 (que define a natureza da programação das emissoras de radiodifusão, prevendo a regionalização da produção e incentivo à produção independente) e 223 (que ao prever a complementaridade entre sistemas privado, público e estatal permitiu a criação da EBC). Como nunca foram regulamentados, não produziram os efeitos desejados.

Os 19 ensaios de Venício abordam diferentes aspectos da questão das comunicações mas todos são perpassados pela tese-guia que dá título ao livro: a cultura do silêncio e a democracia. Este é um país ruidoso, sempre agitado por uma algaravia de vozes e mensagens. Entretanto, quem fala é uma minoria, que controla o poder, o debate público e os meios através dos quais os “comunicados” chegam às massa silenciosa.

A liberdade de imprensa que, ainda esta semana, foi defendida lá de Moscou pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha, contra “qualquer ameaça”, Venício reduz a “liberdade da imprensa”, que não se confunde com o direito à “liberdade de expressão” enquanto fundamento democrático. Mas aqui seguimos, com qualquer referência à regulação levantando protestos contra “tentativas de censura e controle”.

O conceito de “cultura do silêncio” busc primeiramente em Paulo Freire, que o recuperou do Padre Antonio Vieira, numa curiosa passagem histórica narrada no ensaio “Da cultura do silêncio ao direito à comunicação”. Ao saudar o novo vice-rei de Portugal no Brasil, o marquês de Monte Alvão, logo que a dinastia dos Bragança pôs fim aos 60 anos de sujeição portuguesa à Espanha, em 1640, Vieira começa seu sermão associando o evento ao calendário litúrgico que, naquele dia, evocava a Visitação de Nossa Senhora a sua prima Isabel, ambas grávidas, de Jesus e João Batista, respectivamente. Diz uma frase em latim que refere aos “infants” que carregavam nos ventres, e traduz a palavra, que significa: aquele que não fala. Construiu assim o pretexto para uma estocada no colonizador, dizendo que o Brasil também esteve sempre neste estado, calado, sem poder falar. “O pior acidente que teve o Brasil em sua enfermidade foi o tolher-se-lhe a fala: muitas vezes se quis queixar justamente, muitas vezes quis pedir o remédio de seus males mas sempre lhe afogou a palavra na garganta, ou o respeito, ou a violência; e se alguma vez chegou algum gemido aos ouvidos de quem o devera remediar, chegaram também as vozes do poder, e venceram os clamores da razão”. Tão preciso diagnóstico em tão bela metáfora.

Mais tarde, em seus escritos e em sua militância pela educação como libertação, Paulo Freire deu contornos mais nítidos à ideia do pais-povo que não fala. “Entendemos por mutismo brasileiro a posição meramente expectante do nosso homem diante do processo histórico”. Mutismo que ele associa à inexperiência democrática e às sociedades que “negam a comunicação e o diálogo” e, “em seu lugar oferecem comunicados”: verticais, unilaterais, emanados do que têm os “autofalantes”.

E daí salta Venício para o antídoto, o conceito de “direito à comunicação”, que tem sua primeira expressão oficial no Relatório McBride, de 1980, resumindo uma série de conclusões da comissão multilateral criada em 1977 para discutir o fluxo internacional das comunicações em sentido único.

O relatório enfrentou resistências dos países que dão as cartas mas desde então a ideia do direito à comunicação vem sendo apropriada por estudiosos e grupos sociais envolvidos com o debate sobre a democratização das comunicações em diferentes países, inclusive no Brasil. Trata-se do direito, individual e coletivo, a não apenas ter acesso às comunicações e receber informações mas também do direito de exercer a liberdade de expressão. O direito de todos à fala e à voz audível na esfera pública.

Mas como garantir tal direito, tão pouco conhecido ou assimilado, sem políticas públicas de comunicação? Como garantir que ele prevaleça em sistemas que têm apenas a vertente empresarial da mídia, monopólica ou oligopólica? Como assegurar que “todas as vozes” possam ser ouvidas senão com a existência complementar de meios públicos aos meios privados? Esta é a questão em que ainda engatinhamos.

De muito mais tratam os ensaios de Venício. Detive-me no tema título porque ele me mobiliza pessoalmente e relaciona-se com minha experiência no esforço desenvolvido, entre 2017 e 2011, para dotar o Brasil de um sistema público de comunicação, como previsto pela Constituição. Muito mais há porém, no livro, para ler e refletir sobre os tempos que vivemos, aqui e alhures, ainda marcados pela “inexperiência democrática” e pela “cultura do silêncio” que cai como um véu pesado sobre as maiorias silentes.

*Tereza Cruvinel implantou a Empresa Brasil de Comunicação – EBC – e seu principal canal público, a TV Brasil, presidindo-a no período de 2007 a 2011. Atualmente é comentarista da RedeTV e colunista associada ao Brasil 247