Por Raphael Coraccini
Fotos: Douglas Mansur
A luta pela democratização dos meios de comunicação no México extrapola as fronteiras do direito à comunicação e há anos tem se tornado uma questão de segurança pública. Desde 2005, 103 jornalistas foram mortos. Nos últimos quatro anos, 15 morreram só no problemático estado de Vera Cruz. Os números colocam o México como o pais mais perigoso da América Latina para se exercer a profissão de jornalista.
No Seminário Internacional Mídia e democracia nas Américas, o editor do jornal La Jornada, Luis Hernández Navarro, explicou a situação das comunicações no México. “A história de que a imprensa é o quarto poder é real, em especial no México. Os jornalistas cobram para divulgar ou para esconder notícias e os empresários e políticos não têm problemas em pagar por isso”, aponta o palestrante mexicano.
Navarro denuncia que, na primeira metade dos anos 2000, com a eleição de um governo progressista, a imprensa iniciou um processo de guerra ideológica, sendo que até então, os meios hegemônicos costumavam ser muito simpáticos ao governo.
No México, a concentração da comunicação vai além do campo da imprensa, se estendendo para a cultura, com a concentração dos cinemas, teatros, empresas de produção de conteúdo e até redes comunitárias na mão do monopólio midiático. Há também a concentração dos serviços de telefonia e internet, que pertencem quase integralmente ao conglomerado empresarial de Carlos Slim, o segundo homem mais rico do mundo.
Os monopólios de mídia detêm 96% de todos os veículos no México, comenta Navarro. E todo esse aparato foi usado, segundo o jornalista, “para construir uma verdadeira telenovela para que a direita pudesse eleger seu presidente, um candidato cinza, sem força e que se transformou em um líder carismático graças, principalmente, ao apelo televisivo”. Assim se elegeu Enrique Peña Nieto em 2012.
Desde o início do governo Peña Nieto, uma enorme movimentação juvenil ganhou força no país a fim de contestar o poder da mídia. A movimentação surgiu dentro das universidades privadas e teve centenas de jovens presos em manifestações na frente das principais emissoras de televisão mexicana.
Impelido por essas manifestações, o México começou a desenvolver uma proposta de reforma dos meios, que conseguiu colocar no papel algo que Navarro chama de “muito bom e bem acabado”, mas que não foi aplicado de fato. As medidas de democratização ficaram limitadas a diluir a participação das televisões no monopólio, abrindo espaço para mais duas redes, somando quatro televisões abertas.
Nos últimos anos, o que se vê no México é o que o jornalista chama de “peleja entre elefantes”: grandes atores econômicos que querem ter o controle da convergência dos meios na era da internet. Essa briga entre gigantes tem envolvido as redes tradicionais de televisão, como a Televisa, e o conglomerado do multimilionário Carlos Slim. “A Televisa não tem o poder econômico de Slim, mas sua influência política é profunda”, conclui o mexicano.
Cuba e suas barreiras tecnológicas
Blogueiro cubano e colaborador no portal Cuba Debate, Iroel Sánchez aponta que o setor de comunicação da ilha precisa de uma transformação que tenha como foco o potencial que a internet tem a oferecer na produção e divulgação de notícias.
Apesar da carência tecnológica em Cuba, ele aponta que a disseminação das informações por meio de blogs tem crescido substantivamente. “Temos grande problemas de infraestrutura, mas em muitos lugares já contamos com redes Wi-Fi e internet pública. É preciso fazer agora com que isso chegue às casas das pessoas”, afirma.
Sánchez destaca que a democratização da comunicação cubana passa necessariamente pelos altos índices de escolaridade que o país possui e a capacidade de disseminação de conhecimento entre as pessoas. “Em Cuba, todo mundo tem uma educação de no mínimo nove anos de estudo e há mais de um milhão de pessoas com formação universitária. O que forma uma população de comunicadores em potencial”.
A crença na informação mais autoral e com menos intermediários interferindo na produção e distribuição tem feito o governo cubano investir em uma plataforma de blogs para que o noticiário cubano possa chegar com mais facilidade aos diferentes cantos da ilha e também do mundo. A ideia é que Cuba passe a produzir o noticiário sobre ela mesma e disseminá-la, concorrendo assim como a hegemonia americana em relação ao que se é produzido de notícia sobre Cuba e divulgado para o mundo.
A produção de notícias para os habitantes da ilha caribenha é feita por meio da televisão estatal, da ainda incipiente rede de internet disponível, por meio de filmes, nacionais e estrangeiros e da circulação informal, ou seja, o ‘boca a boca’. O noticiário local é feito pelos centros televisivos de cada região e pelas televisões comunitárias, que permitem uma diversificação do noticiário de uma região a outra da ilha, mas que são ainda insuficientes na tarefa de democratizar a mídia.
Sánchez explica que a comunicação em Cuba ainda está substancialmente sob a tutela do estado, mas que blogueiros dissidentes gozam de liberdade para trabalhar e, inclusive, receber bolsas dos Estados Unidos e da União Europeia para exercerem seus trabalhos dentro da ilha. “Em Cuba, blogueiros oposicionistas trabalham e não há um caso sequer de jornalista morto, ao contrário da situação dramática de países como o México”, compara o profissional.
Chile e Brasil, irmãos ‘gêmeos ‘
Estudos de diferentes fontes apontam que o índice de concentração de meios de comunicação está entre 75% a 90% no Chile. Os números alarmantes despertaram até a atenção do Departamento de Estados dos EUA, que denunciou o histórico favorecimento aos donos dos oligopólios em políticas públicas e medidas econômicas.
No país dos Andes, 80% das circulações dos jornais estão concentradas em dois grupos empresariais, o El Mercurio, de Augusto Eastman, e o La Tercera, de Álvaro Saieh, donos de alguns dos veículos mais tradicionais do país. “Cada vez as pessoas leem menos papel, mas o jornal continua a ser fundamental na função de pautar o que é assunto em outras mídias”, alerta Javiera Olivares, presidenta do Colegio de Periodistas de Chile, entidade que luta pelos direitos dos jornalistas e por um marco regulatório das comunicações no país.
Os espectros de rádio no Chile são integralmente usados por empresas privadas, sendo que 45% das rádios pertencem a um conglomerado espanhol. No âmbito das televisões, a única rede estatal é a Televisão Nacional do Chile e as outras duas tevês que eram públicas, pertencentes às universidades Católica e de Chile, foram vendidas ao capital estrangeiro em governos anteriores. Mesmo sem grande participação pública, as televisões continuam a receber enormes verbas estatais por causa da publicidade governamental, principal anunciante dos canais de TV.
O oligopólio traz instabilidades políticas muitos semelhantes às enfrentadas pelo Brasil, com a massificação da opinião pública contra projetos progressistas, democráticos e populares. “Conglomerados de mídia têm a hegemonia da cabeça das pessoas. Isso faz com que elas lutem por pautas absurdas, como pagar a educação em vez de apoiar a melhora do ensino público. Outro exemplo, o trabalhador que luta contra o estabelecimento de folgas, mantendo a lei que existe e que não garante esse direito”, aponta Olivares.
Segundo a jornalista, nenhuma reforma estrutural, que realmente mude a sociedade chilena pode ser feita antes da democratização da mídia. “Temos leis de mídia que são do tempo do Pinochet, não temos agências reguladoras e a administração das empresas de jornalismo são liberais e não atendem às demandas sociais. Os órgãos de imprensa vão seguir incitando o povo contra reformas públicas importantes, contra a participação sindical e a promoção de assembleias, enquanto o setor não for democratizado. Há absurdos como afirmações contra a presidenta relacionadas a alcoolismo e incapacidade mental que mancham a sua imagem e que passam impunes”, denuncia.
Um dos feitos mais significativos do governo Bachelet no sentido de combater a concentração midiática, conforme aponta a jornalista, foi a derrubada das concessões para canais de televisão sem prazo para vencer. Há um ano e meio, o Chile não tinha qualquer menção em sua Constituição à obrigatoriedade das redes de televisão desocuparem o espectro, legalizando uma espécie de ‘concessão eterna’.
Javiera aponta que o governo de Bachelet prometeu acabar com a publicidade estatal nos veículos monopolistas, mas ainda não cumpriu. Além disso, a discussão sobre uma nova Constituição, que mudaria não só a comunicação, mas outros setores monopolizados pelo capital no país, também está só no papel. O Colegio de Periodistas de Chile vê como fundamental estabelecer o Ministério da Defesa da Audiência Pública por meio da nova Constituição, além de derrubar os monopólios, redistribuir os veículos tendo em vista o interesse público e fomentar a comunicação comunitária.