2 de novembro de 2024

Search
Close this search box.

Eleição na Argentina define rumo da lei de meios e de avanços sociais

Por Felipe Bianchi

No dia 25 de outubro, a Argentina vai às urnas para eleger seu novo presidente. Mais que contrapor a candidatura de Daniel Scioli (Frente Para a Vitória) às de Mauricio Macri (Cambiemos) e do dissidente Sergio Massa (Unidos Por Uma Nova Argentina), o pleito deve definir se o país dará continuidade ao projeto nacional e popular iniciado no governo de Néstor Kirchner, em 2003, ou se retomará a cartilha neoliberal.

Cristina Kirchner ao lado de Scioli. Foto: Prensa del Gobierno de Buenos AiresAs pesquisas mais recentes apontam razoável favoritismo do candidato oficialista, atual governador da província de Buenos Aires. Segundo as estatísticas, Scioli conta com pelo menos 40% das intenções de voto – de acordo com a legislação argentina, o presidenciável necessita somar 45% dos votos para ser eleito; caso a distância para o segundo colocado seja de pelo menos 10 pontos percentuais, o número necessário cai para 40%. Principal oponente de Scioli, o prefeito de Buenos Aires, Mauricio Macri, conta com aproximadamente 30% da preferência do eleitorado, enquanto Sergio Massa, outrora deputado kirchnerista, detém 20%.

Apesar do cenário incerto, já que em caso de segundo turno a tendência é de que a oposição se unifique em torno de Macri, o jornalista Max Altman considera bastante realista que o triunfo definitivo de Scioli ocorra já no domingo. “A tendência é que cresça o voto no candidato de Cristina Kirchner, principalmente, nas províncias do norte e do sul, que concentram a população mais dependente dos programas do governo”, aponta.

Segundo Altman, a eleição do candidato da Frente Para a Vitória garante fôlego aos processos de transformação em curso no continente, já que a região vive um momento de ofensiva do conservadorismo. “A força da candidatura endossada por Cristina reflete a resistência e, principalmente, a resiliência dos setores progressistas”, comenta o colunista do Opera Mundi. “A vitória de Scioli é um soco no estômago da direita latino-americana”, diz. “É importante ressaltar que a importância política da Argentina supera a sua importância econômica”.

Lei de meios e avanços sociais em risco?

Os programas sociais levados a cabo por Néstor e Cristina Kirchner ajudaram o país a reduzir a desigualdade de forma significativa: o índice de 47% da população atingida pela pobreza caiu para aproximadamente 25%. Há divergência entre institutos de pesquisa, que mostram oscilações no percentual dos últimos quatro anos. A ‘guerra’ dos números se deve, principalmente, à turbulência econômica. A crise argentina foi agravada por fatores como o declínio da balança comercial e a instabilidade do câmbio. Há, inclusive, denúncias de sabotagens praticadas por setores comerciais, com fins de desestabilizar a economia e, consequentemente, a política.

Há duas semanas da eleição, Macri inaugurou estátua de Péron; Para Dario Pignotti, 'é como se Agripino Maia (DEM) louvasse a Vargas e Lula'. Foto: InfobaeAprofundar avanços em cenários adversos é sempre algo “ambicioso”, conforme avalia Dario Pignotti, correspondente do jornal argentino Página 12 no Brasil. “Mantê-los”, entretanto, “é um compromisso de Scioli”. Segundo o jornalista, o discurso da oposição quanto ao tema assemelha-se ao de Aécio Neves, em 2014: “Assim como o tucano fez em relação ao Bolsa Família, Macri também promete manter alguns programas mais emergenciais”. Em contrapartida, ele explica o caráter da candidatura oposicionista: “Macri é uma espécie de udenista argentino”.

Os avanços sociais não são a única conquista sob ameaça no caso de um revés – ainda que improvável – do oficialismo. A Ley de Servícios de Comunicación Audiovisual, popularmente chamada Ley de Medios, também pode ter seu rumo determinado pelo pleito, conforme alerta o presidente do Fórum Argentino de Radiodifusão Comunitária (Farco), Nestor Busso.

Aprovada em 2008 após ampla mobilização da sociedade, a lei é um importante passo para democratizar o sistema de comunicação do país, já que tornou ilegal o histórico monopólio do grupo Clarín ao definir regras democráticas para a ocupação do espectro radioelétrico [espaço no qual se propagam as ondas do rádio e da televisão], determinada por concessões públicas de radiodifusão.

Os constantes processos de judicialização da lei – a Suprema Corte levou quatro anos só para decidir que ela não é inconstitucional, como acusavam os barões da mídia – têm dificultado a sua implementação. “Houve muitos avanços no campo da comunicação pública e alguns avanços no campo comunitário, mas ainda há um longo caminho a percorrer”, avalia Busso.

Quando o assunto é a disputa eleitoral, no entanto, Busso é taxativo: “Se ganha Macri, a lei corre sério risco”. Ele explica que, apesar de ser difícil derrubá-la, já que o oposicionista não teria maioria no Congresso, o atual prefeito de Buenos Aires trabalharia intensamente para frear a aplicação da lei. “Macri representa o poder econômico, o neoliberalismo, ou seja, os interesses do Clarín”, salienta Busso, argumentando que, “por isso, tem forte apoio da grande mídia, assim como qualquer candidato que faça oposição ao governo”.

Com Scioli, pondera Pignotti, é provável que ocorra um arrefecimento das hostilidades entre governo e Clarín – em seu segundo mandato, Cristina Kirchner chegou a romper relações com o grupo. Apesar do presidenciável ter um perfil mais propenso ao diálogo, “o fato é que o Clarín fará uma grande festa caso Macri vença”, opina o correspondente da Página 12.

Um dos principais obstáculos para a Ley de Medios tornar-se realidade concreta, de acordo com Busso, é o “atrelamento entre o Poder Judiciário e o poder econômico”, que mina as mudanças previstas na lei através de arrastados processos judiciais. Apesar da “generosidade da Justiça com o Clarín”, o professor da Universidade de Buenos Aires e da Universidade Nacional de Quilmes, Martín Becerra, avalia que “não se muda nada apenas aprovando leis se não há políticas públicas que se somem a elas”. Segundo Becerra, “trata-se de uma estrutura muito arraigada, difícil de alterar”, exigindo um processo de “maturação política” – o que só deve ocorrer caso não haja festa no Clarin.