8 de novembro de 2024

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Cineclube dos Jornalistas de SP exibe ‘Muito além do Cidadão Kane’

Fonte: Sindicato dos Jornalistas Profissionais de São Paulo

O Cineclube Vladimir Herzog do Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo (SJSP) exibe no próximo dia 26 de abril (terça-feira), às 19h30, o documentário “Muito além do Cidadão Kane”, seguido de um debate sobre a necessidade urgente de democratização da mídia e sobre o poder crescente dos jornalistas e blogueiros livres. O jornalista Laurindo Lalo Leal Filho já confirmou presença, assim como blogueiros, Jornalistas Livres e ativistas do Centro de Estudo da Mídia Barão do Itararé. A entrada é gratuita.

Conheça o documentário

“Muito além do cidadão Kane” é um documentário produzido e distribuído pelo canal privado Channel Four em 1993 e dirigido por Simon Hartog, que enfoca as relações entre a grande mídia e o poder no Brasil e detalha a posição monopolista da rede Globo que cresceu à sombra do regime militar. Analisa a figura do proprietário Roberto Marinho, suas relações políticas com o Estado (aproximando-o do personagem Charles Foster Kane, personagem criado por Orson Welles para o filme Cidadão Kane de 1941) e o poder da emissora em formar e manipular a opinião pública.

A ideia da produção do documentário surgiu quando Hartog visitou o Brasil nos anos 80 e ficou impressionado com o império midiático da Globo, Roberto Marinho e o seu pragmatismo político. Hartog fazia parte de um grupo de cineastas de esquerda da London Coop. Antes de produzir “Muito além do cidadão Kane”, ele já havia realizado Brazil: Cinema, Sex and the Generals (1985) sobre o papel político das pornochanchadas na época do regime militar. Para os amigos, Hartog confidenciava a surpresa pelos brasileiros até então nunca terem feito um documentário sobre o poder da Globo.

“Muito além do cidadão Kane” ficou famoso nos meios universitários e acadêmicos pelas denúncias de manipulação das notícias (o desprezo pelas “Diretas Já”, a manipulação da edição do debate entre Collor e Lula em 1989 etc.) e por descrever didaticamente as relações simbióticas entre os interesses econômicos da Rede Globo e os políticos da ditadura militar (1964-1985).

Sem falar as batalhas judiciais que envolveram o documentário, começando no Reino Unido que fizeram adiar em um ano o seu lançamento: a Rede Globo contestou a produção do Channel Four devido ao uso de fragmentos da programação da emissora. E o banimento no Brasil com apreensões de cópias no MAM/RJ e no Museu da Imagem e do Som de São Paulo em 1994.

Revisitando Além do Cidadão Kane percebemos que Simon Hartog quis dizer muito mais: seu olhar de um estrangeiro originário do Reino Unido onde a maior emissora (a BBC) possui controle público revela o espanto ao ver um país onde a maior emissora é privada e que não só cresceu fora do controle do Estado como também interferiu em momentos cruciais da história política nacional.

Os fatores determinantes políticos (o acobertamento pelos militares das origens ilegais da emissora com o acordo Globo/Time-Life em 1967 e a liberalidade com que foi tratado os negócios da Globo durante o regime militar), econômicos (a concentração do mercado publicitário na TV) e pessoais (a origem familiar de Roberto Marinho estava no jornalismo) apenas explicam parcialmente o sucesso de uma emissora que entrou na adolescência do mercado televisivo brasileiro e deu-lhe um novo rumo.

Tudo isso seria insuficiente se a grade de programação da emissora (que o documentário dá destaque à grade dominical), a sua linguagem e o chamado “padrão Globo de Qualidade”, não tivessem penetrado tão profundamente no psiquismo do brasileiro. A grade formada pelo trinômio Telejornalismo/Novelas/Futebol e a linguagem televisiva que praticamente recriou a língua portuguesa (“do português ao globês”, como fala o publicitário Washington Olivetto a certa altura no documentário) foram as verdadeiras bases imaginárias que ajudaram a consolidar um inédito sistema de comunicação em rede via satélite.

O que caiu como uma luva no projeto do regime militar de integração nacional através da unificação cultural e a construção de um ideal de modernidade onde a televisão colorida teria um papel-chave.

O documentário de Hartog inicia mostrando os números do monopólio da Rede Globo: números de emissoras afiliadas, alcance no território nacional e concentração das verbas publicitárias. Colocados esses números o documentário inicia a investigação do por que desses números impressionantes.

Globo tenta esconder seus porões

E não é por acaso que dá destaque ao conteúdo da programação dominical com as “olimpíadas bobocas” do Faustão e o “carro-chefe” do Fantástico em um “domingo típico com uma estranha combinação de elementos” – o mix de notícias policiais sobre estupradores, musicais, Disneyworld e matérias sobre as próprias telenovelas da Globo. Ao mesmo tempo mostra como “a Publicidade era melhor que o País” ao oferecer nos intervalos publicitários produtos e serviços que a maioria dos brasileiros não podiam consumir.

Simon Hartog toca no ponto nevrálgico do sucesso da integração nacional por meio da construção gigantesca rede de televisão: em pleno regime de exceção, AI-5 e censura, a popularização da TV dava às pessoas uma impressão de igualdade, uma aparente socialização integral, sem barreiras e liberdade em pleno espaço privado da sala de jantar. E o domingo com o show de variedades numa “estranha combinação” reforçava essa impressão de variedade e liberdade de oferta de conteúdos.

A TV cumpria a importante função de cimento ideológico do domingo que preparava o espírito para enfrentar a semana que se iniciava – como até hoje. E a oferta publicitária de bens e serviços caros só reforçava a ideologia meritocrática que as telenovelas exibiam em horário nobre (como fala a psicanalista Maria Rita Kehl no documentário “a repetição do mito do self made man do princípio do capitalismo”). Os produtos se oferecem para você na tela da TV. Basta você vencer na vida para comprá-los. Ideologia meritocrática que ocuparia papel central na mentalidade da nova classe média que surgiria com o chamado “Milagre Econômico” do início da década de 1970.

Mas essa ilusão de participação através da TV enfrentava duas grandes dificuldades: uma de natureza técnica e outra cultural.

O efeito comportamental do “plim-plim”

Como o documentário destaca, em 1969 a Embratel acabara de inaugurar o sistema de microondas que permitiria à Globo emitir sinais simultâneos para Rio de Janeiro, São Paulo, Porto Alegre e Curitiba. Eram as condições técnicas que permitiram a Globo lançar o Jornal Nacional, o primeiro telejornal brasileiro em rede. Mas, ao longo do tempo, a emissora enfrentou o problema técnico de sincronização das afiliadas: todas deveriam sair simultaneamente dos intervalos publicitários para a exibição do sinal emitido da matriz no Rio de Janeiro.