A partir da classificação de uma informação como falsa com base numa única fonte (site Vatican News) indicar que o Facebook puna e ameace de eliminação 3 sites jornalísticos não é algo muito acima do papel que deveria ter uma empresa de checagem?
Por Renato Rovai, na Fórum
A polêmica que se instalou a partir da busca pela “verdade” no episódio do terço entregue a Lula na prisão de Curitiba pelo advogado Juan Grabois, um dos assessores do Papa Francisco, atesta a nossa tragédia como país do ponto de vista do respeito aos princípios básicos que norteiam uma sociedade democrática.
O que está em jogo não é se o Papa gosta do Lula e enviou uma pessoa que goza de sua intimidade (o que o Google imagem pode demonstrar aos incrédulos que não confiarem na entrevista que este blogueiro fez com Pablo Gentili, da CLACSO. Para isso basta colocar na busca Juan Grabois + Papa Francisco) para conversar com ele.
O que importa é se isso era pauta para agências de checagem que se tornaram polícias da rede a partir do convênio que constituíram com o Facebook. E se ao pautarem uma checagem tão sem importância, do ponto de vista jornalístico e social como esta, eles poderiam, se comportando como censores, enviar ao Facebook indicação de punição a apenas 3 sites jornalísticos que realizaram essa mesma matéria que teve conteúdo semelhante divulgado em outras dezenas deles.
Essa é a questão de fundo que precisa ser debatida para que o pacto mínimo entre veículos de qualquer viés ideológico em defesa da liberdade de imprensa não seja jogado no lixo neste episódio.
Hoje, um professor do Insper, Fernando Schüller, rasga este pacto num artigo para a Folha de S.Paulo ao tratar o episódio como o que pode garantir maturidade às agências de checagem.
Ou ele desconhece o episódio e o analisou a partir de sua crença ideológica ou percebeu o movimento e quis se apresentar para ser o formulador de um novo modus operandi de censura que pode vir a atingir em breve a Folha de S. Paulo, onde publicou seu artigo.
O episódio deste terço do Papa tem inúmeros problemas e ameaças. Vou listá-los aqui tentando propor um debate acerca dessas questões com todos que fazem jornalismo no país, independente do veículo que atuam ou da sua visão de mundo.
1. Havia dúvida em relação ao fato de se o terço havia sido enviado ao ex-presidente Lula pelo Papa, checar essa informação poderia ser algo relevante. Atribuir o possível erro na apuração de qualquer veículo à produção de fake news se haviam indícios fortes de que isso poderia ser verdade é algo razoável?
2. A partir da classificação desta informação como falsa com base numa única fonte (site Vatican News) indicar que o Facebook puna e ameace de eliminação 3 sites jornalísticos não é algo muito acima do papel que deveria ter uma empresa de checagem?
3. Quando quase uma centena de veículos usaram a mesma fonte (o site Lula.com) para produzir a notícia de que o Papa havia enviado o terço a Lula porque só três desses veículos foram indicados para serem censurados pelo Facebook e ameaçados pelo mesmo?
4. A partir do momento que as empresas de checagem constituem parceira com o Facebook é razoável que mantenham parceria com veículos que disputam o mercado de notícias, como no caso da Lupa que é da Revista Piaui?
5. Quais são os poderes que essas empresas têm na classificação de sites jornalísticos no Facebook? Se elas têm o poder de censurar conteúdos e ameaçar com a eliminação de páginas têm também o de classificar o alcance dessas páginas?
Há muitas outras questões a serem debatidas. E em princípio é compreensível que o Facebook busque dificultar a circulação de mentiras que atentem contra os direitos humanos, que possam causar danos à sociedade e mesmo que difamem pessoas.
É esse o caso do terço do Papa? Faz sentido escolher essa como a primeira ação da parceira das empresas de checagem com o Facebook para punir veículos de informação que têm na sua direção jornalistas conhecidos e que empregam vários profissionais? Um deles, como no caso da Fórum, com 16 anos de existência?
O ataque a que esses veículos foram vítimas não pode ser tratado como algo do jogo, como sinal de maturidade, como um mero detalhe. É algo gravíssimo e diz respeito a todo o ecossistema informativo. Independente da profissão de fé de cada um deles.