3 de dezembro de 2024

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Cinco lições do golpe na Bolívia

A tragédia boliviana ensina com eloquência varias lições que nossos povos e as forças sociais e políticas populares devem aprender e gravar em suas consciências para sempre. Aqui, uma breve enumeração e prelúdio de um tratamento mais detalhado no futuro.

Primeiro: por mais que se administre de modo exemplar a economia como fez o governo de Evo, com crescimento, redistribuição, fluxo de investimentos e melhora de todos os indicadores macro e microeconômicos, a direita e o imperialismo jamais vão aceitar um governo que não se coloque a serviço de seus interesses.

Por Atilio Boron* / Traduzido por Gabriel Brito (Correio da Cidadania)

Segundo, há que estudar os manuais publicados por diversas agências dos Estados Unidos e seus porta-vozes disfarçados de acadêmicos ou jornalistas para poder perceber a tempo os sinais da ofensiva. Estes escritos invariavelmente ressaltam a necessidade de destroçar a reputação do líder popular, o que no jargão especializado se chama assassinato de reputação, qualificando-o de ladrão, corrupto, ditador ou ignorante.

Essa é a tarefa confiada a comunicadores sociais, autoproclamados “jornalistas independentes”, que do alto de seu controle quase monopólico dos meios de comunicação entorpecem o cérebro da população com tais difamações, acompanhadas, como no caso que nos ocupa, por mensagens de ódio dirigidas contra os povos originários e os pobres em geral.

Terceiro, cumprido o anterior, chega a hora da dirigência política e as elites econômicas pedirem uma “mudança”, “fim da ditadura” de Evo que, como escrevera há poucos dias o imprestável Vargas Llosa, é um “demagogo que quer se eternizar no poder”. Suponho que está brindando com champanhe em Madrid ao ver as imagens de hordas fascistas saqueando, incendiando, prendendo jornalistas em poste, rapando uma mulher prefeita e pintando-a, destruindo atas da última eleição para cumprir com a ordem de don Mario e liberar a Bolívia de um maligno demagogo. Menciono esta figura porque foi e é imoral porta-bandeiras deste ataque vil, esta traição sem limites, que crucifica lideranças populares, destrói a democracia e instala o reinado do terror a cargo dos bandos criminosos contratados para massacrar um povo digno que teve a ousadia de querer ser livre.

Quarto: entram em cena as “forças de segurança”. Neste caso estamos falando de instituições controladas por numerosas agências, militares e civis, do governo dos Estados Unidos. Essas treinam, armam, fazem exercícios conjuntos e as educam politicamente. Comprovei isso quando, por convite de Evo, inaugurei um curso sobre “Anti-imperialismo” para oficiais superiores das três armas. Nesta oportunidade fiquei impressionado com o grau de penetração das mais reacionárias consignas norte-americanas herdadas da época da Guerra Fria e pela indisfarçada irritação pelo fato de um indígena ser presidente do país.

O que fizeram essas “forças de segurança” foi sair de cena e deixar o campo livre para a descontrolada atuação das hordas fascistas – como as que atuam na Ucrânia, na Líbia, no Iraque, na Síria – para derrubar líderes incômodos ao império, e assim intimidar a população, a militância e as próprias figuras do governo. Ou seja, uma nova figura sociopolítica: golpismo militar “por omissão”, para bandos reacionários, recrutados e financiados pela direita, imporem sua lei. Uma vez que reina o terror e diante da incapacidade de se defender do governo, o desfecho era inevitável.

Quinto: a segurança e a ordem pública não deveriam jamais ter sido confiadas à polícia e ao exército na Bolívia, colonizadas pelo imperialismo e seus lacaios da direita local. Quando se lançou a ofensiva contra Evo optou-se por uma politica de apaziguamento e de não responder provocações dos fascistas.

Isso serviu para encorajá-los e acrescentar apostas: primeiro, exigiram recontagem; depois, denunciaram fraudes e pediram novas eleições; adiante, queriam fazê-las sem Evo; finalmente, ante sua relutância em aceitar a chantagem, semearam terror com a cumplicidade policial e militar e forçaram Evo a renunciar. De manual, tudo de manual. Aprenderemos as lições?

Atilio Boron é sociólogo argentino.