21 de novembro de 2024

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A mídia empresarial e a subserviência aos Estados Unidos

Uma antiga e amarga tirada diz que o universo pode ser finito mas a estupidez humana não. Talvez também se possa comparar o universo – igualmente de modo desfavorável para o cosmos – com o tamanho da disposição dos miquinhos amestrados da mídia empresarial de bailar ao som da melodia emanada de Washington. Qualquer dissonância merece o patíbulo. Lula é a vítima mais recente.

Por Ayrton Centeno I Brasil de Fato

Seu crime foi proclamar o óbvio sobre a invasão da Ucrânia. Condenou Putin mas apontou a responsabilidade do Zelensky, marionete de Joe Biden, Anthony Blinken e da Otan, que o enfiaram numa tacanha e demencial guerra por procuração. Aquela em que os Estados Unidos lutarão “até o último ucraniano”…

A blindagem mental da maioria dos colunistas e editorialistas nunca deixa de espantar. Tampouco a convicção dos dotes mefistofélicos do líder russo e das tenebrosas conspirações contra a humanidade em curso em Moscou.

É o antiquado roteiro do filme-padrão de Hollywood: os definitivamente bons contra os irremediavelmente maus. A matriz tem sempre razão. Teve razão ao invadir o Iraque – à cata de ficcionais armas de destruição maciça – e o Afeganistão, além de meter-se em guerras na Síria, Líbia, Bósnia, Kosovo, Sérvia, Croácia para ficarmos apenas neste século.

A vassalagem a tudo que flui do Norte hegemônico evoca o personagem Gunga Din, mesmo nome de uma produção de 1939. Na Índia colonial, Gunga Din é um carregador de água cujo maior sonho da vida é ser soldado da rainha da Inglaterra. Agir, pensar e ser igual ao opressor.

Integrado a um destacamento britânico, é enviado para uma região remota. Humilhado pelos ingleses que combatem rebeldes locais pintados como demônios, Gunga Din, no desfecho da trama, embora ferido, arrasta-se e faz soar uma corneta alertando e salvando as forças do império que se aproximam, ajudando-as a derrotar o inimigo.

É o que poderíamos chamar de Síndrome de Gunga Din. Nossas panzer divisions midiáticas também gostam de tocar suas cornetas para salvar o Ocidente dos bárbaros.

Nossos Gunga Dins têm alergia a relações diplomáticas sem subserviência, ao exercício da soberania nacional e ao pensamento independente. Sentem-se honrados com a prática da submissão. Por isso, Lula incomodou.

Sentem-se enaltecidos com a entrega da Base de Alcântara e as privatizações selvagens. Festejam a venda de portos e aeroportos. Brindam a demolição do parque industrial. Anseiam pela venda da Petrobras.

Um dos grandes momentos performáticos da sabujice nacional, para sermos justos, não coube aos jornalistas. Aconteceu em 1946 e seu protagonista foi um senador da república, o baiano Otávio Mangabeira, da UDN, partido que acolhia então a fina flor da direita golpista.

Mangabeira espantou os presentes na recepção ao general Dwight Eisenhower, que comandara as tropas norte-americanas na II Guerra. Em vez de cumprimentá-lo, ajoelhou-se e beijou-lhe a mão estendida. Foi seu momento Gunga Din.

Acho que Mangabeira reúne todas as condições para, ainda que de modo póstumo, seja declarado patrono da mídia empresarial e de seus cronistas. Ou Gunga Din se seus corações voltados para a metrópole baterem mais forte ao ouvirem seu nome.

*Ayrton Centeno é jornalista, trabalhou, entre outros, em veículos como Estadão, Veja, Jornal da Tarde e Agência Estado. Documentarista da questão da terra, autor de livros, entre os quais “Os Vencedores” (Geração Editorial, 2014) e “O Pais da Suruba” (Libretos, 2017). Leia outras colunas.

**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Felipe Mendes