8 de novembro de 2024

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Esquerda precisa agir, e não apenas reagir contra Bolsonaro, diz linguista

O segundo dia de discussões do 7º BlogProg, em Maricá (RJ), neste sábado (23) começou com um tema que, atualmente, configura um grande desafio para a esquerda na luta pela democracia e contra o fascismo representado por Jair Bolsonaro: “Como enfrentar a guerra suja da campanha eleitoral”. A principal provocação dos ativistas é que não basta apenas resistir ao governo Bolsonaro. É preciso que os partidos de esquerda e setores progressistas da sociedade passem para a ofensiva na conquista dos corações e mentes da população.

“Nós precisamos agir, e não reagir”, afirmou a jornalista e linguista Letícia Sallorenzo, autora do livro Gramática da manipulação (Ed. Quintal). “Nós estamos apenas reproduzindo o lado de lá e reagindo. Vou citar (cantor e compositor) Geraldo Vandré. ‘Quem sabe faz a hora e não espera acontecer’. Nós temos que fazer. Temos que ter uma pauta nossa. Cadê a nossa pauta?”, afirmou a especialista.

Ela “puxou a orelha” inclusive dos veículos e blogs da imprensa progressista – ou “mídia alternativa”, como são mais comumente conhecidos. Para ela, falta uma pessoa, ou grupo de pessoas, que estabeleça o “caminho discursivo” a ser trilhado por esse campo. “Todos os blogs progressistas reagem ao que sai na grande mídia. Está todo mundo esperando uma orientação, e não vem. E essa orientação tem que vir de cima”, disse Letícia.

Para ela, não existe “debate racional” com a direita, menos ainda com os bolsonaristas. Para conquistá-los, é preciso um discurso com apelo “emocional”. “Sabe quem entendeu isso? O (ex-presidente) Lula. Ele pega todo mundo pelo coração”, exemplificou. Além disso, segundo ela, é preciso cada vez mais identificar a esquerda com os valores da civilização. “Se toda a sociedade foi empurrada para a direita. Está na hora da esquerda puxar de volta”, afirmou.

Importunar a “esquerda hegemônica”

A influenciadora digital e drag queen Rita von Hunty, nome artístico do ator e professor Guilherme Pereira, afirmou que o bolsonarismo representa a “ruptura”, bandeira anteriormente defendida pela própria esquerda. Nesse sentido, destacou as habilidades do bolsonarismo capturar o debate público. Foi o que ocorreu, segundo ele, com a reunião de Bolsonaro com os embaixadores. O episódio serviu para encobrir o debate anterior, que girava em torno do crime de ódio do bolsonarista Jorge Garanho, que assassinou o petista Marcelo Arruda durante a sua festa de aniversário, aos gritos de “aqui é Bolsonaro”.

“O lado de lá pesa o debate falando ‘no meu governo não vai ter um centímetro de terra para povos indígenas’. Se o lado de cá não disser ‘no meu governo não vai ter um centímetro de terra para o agronegócio monopolista’, a esquerda virou de direita no Brasil”, provocou Rita.

Ela foi além. Indignou-se com a defesa que setores progressistas passaram a fazer do Supremo Tribunal Federal (STF), o mesmo que em 2016 avalizou o golpe do impeachment contra a ex-presidenta Dilma Rousseff. E criticou até mesmo o ex-governador Geraldo Alckmin, pelo histórico de violência e truculência da polícia de São Paulo contra estudantes e professores. “Antes a gente chamava de fascista, agora é o nosso vice. Sem fazer esse debate, a gente não vai fazer debate nenhum”. Para ela, é necessário “importunar” o que chamou de “esquerda hegemônica”, que se aproxima de práticas da direita, segundo ela.

Esquerda ampla

Rita foi contraditada pelo presidente Associação Brasileira de Imprensa (ABI), Octávio Costa. “Confesso que fico muito preocupado quando vejo críticas à esquerda pela esquerda. Faz lembrar que o governo Jango era muito criticado por partidos da esquerda”. Para ele, as energias devem se concentrar no desafio de eleger Lula. Depois, participar do governo, promovendo as mudanças estruturais necessárias. Do mesmo modo, Letícia também discordou das críticas a Alckmin. Disse que a aliança com o ex-governador se dá em nome da “civilização”, no momento em que as instituições democráticas encontram-se ameaçadas pelo bolsonarismo.

Instituições de joelhos

Para a presidente da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), Maria José Braga, a “guerra suja” bolsonarista se divide em duas categorias: a institucional e a comunicacional. No primeiro aspecto, ela destacou que Bolsonaro promoveu o “aparelhamento” das estruturas do Estado, em prol do seu projeto “regressivo”.

O presidente controla o Legislativo, através do “orçamento secreto“. Da mesma forma, “submeteu” a Procuradoria-Geral da República. Até mesmo o Judiciário tem setores “omissos” aos instintos autoritários do presidente. “(O ministro do STF) Edson Fachin, timidamente, dá cinco dias para ele responder se está querendo um golpe ou não. Parece piada”. Soma-se a isso, as Forças Armadas, que estão “entranhadas no governo”, e apoiam Bolsonaro.

Na esfera “guerra comunicacional” da disputa, a jornalista destacou que Bolsonaro e seu grupo político são apoiados pelo “capital monopolista”. “Estamos lutando contra de fato quem tem o poder, que é quem tem o dinheiro”. E afirmou que a imprensa tradicional não cumpre adequadamente com a sua função social, agindo de maneira complacente com Bolsonaro. “Felizmente, temos as chamadas mídias alternativas. Mas não devemos deixar a mídia hegemônica de lado. Devemos importuná-la”, frisou.

Além disso, ela afirmou que é preciso deixar de lado a “crença ingênua” no funcionamento das instituições. Do mesmo modo, o campo progressista também não deve apostar unicamente no processo eleitoral como solução. A saída, segundo ela, para lutar contra o “retrocesso civilizacional” é a mobilização popular. “Devemos nos preparar, todos. Sociedade civil, sindicalistas, movimentos populares. E enfrentar nas ruas. Se não ocuparmos as ruas, não faremos a resistência necessária. Isso também significa voltar ao trabalho de base, de formação política e de organização de base. Estamos literalmente andando para trás”, alertou.