20 de fevereiro de 2025

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“Milhares de colombianos como Juan David foram executados por ordem de Uribe”, denunciam pais

Maria e Luis sempre carregam junto a foto do filho Juan David (LWS/ComunicaSul)

Luis Fernando Castro e Maria Olga Villa comprovaram que o filho e a nora são mais dois trabalhadores de Medelin que foram vestidos de guerrilheiros pelo exército para serem abatidos, os chamados “falsos positivos”. Um dos mais ferrenhos opositores ao processo de paz, o ex-presidente Uribe (2002-2010) é denunciado como representante da política de terrorismo de Estado dos EUA

Leonardo Wexell Severo – Medelin, Colômbia/ ComunicaSul 

Já se passaram quase duas décadas, mas a dor da execução do filho Juan David, ao lado da esposa, Glória Jimenez, crivados de balas, continua lá, calando fundo. Mas agora, ainda maior do que o peso da mágoa, emergiu um espírito de solidariedade que une e mobiliza pais e mães por verdade e justiça, como neste sábado (15), no Museu Casa da Memória, em Medelin, na pintura do mural “Todos sabemos quem deu a ordem”.

Poucas horas após pincéis e rodos exclamarem em múltiplas cores “Las cuchas tenian razón” (As mães tinham razão), numa mobilização semelhante à das argentinas da Praça de Maio, sujeitos vestidos de preto cobriram a mensagem, vista como uma afronta ao ex-presidente Álvaro Uribe (2002-2010), representante da política de terrorismo de Estado dos EUA contra nossos países e povos. Uribe é um dos mais raivosos opositores ao processo de paz defendido pelo presidente Gustavo Petro.

No caso da “cidade da eterna primavera”, mais do que uma imensa concentração de entulho na Comuna 13 (favela), a Escombrera foi transformada em um gigantesco cemitério a céu aberto. Fossas comuns para execuções extrajudiciais, para o depósito anônimo de corpos como de jovens como Juan David e Glória.

“Após tanta luta e procura, conseguimos comprovar que meu menino foi desaparecido no dia 26 de janeiro de 2006, e já no dia 28 seu corpo apareceu crivado de balas, como subversivo, como guerrilheiro do Exército de Libertação Nacional (ELN)”, relatou a mãe, Maria Olga Villa.

“O levaram aqui de Medelin com a mentira de que iria trabalhar numa propriedade rural, mas na verdade foi mais um ‘falso positivo’ do Exército nacional”, acrescentou o pai, Luis Fernando Castro. Aproveitando a situação de vulnerabilidade dos trabalhadores informais, as redes de execução do exército fizeram a contratação a partir de um telefone público e então levados em ônibus para serem abatidos dois dias depois.

“CRIMES DE ESTADO GANHARAM FORÇA E SE MULTIPLICARAM NOS DOIS GOVERNOS DE URIBE”

“Isso de ‘falsos positivos’ é um eufemismo, uma mentira, são assassinatos, crimes de Estado, que ganharam força e se multiplicaram nos dois governos de Uribe, sob a lógica de que a guerra vai sendo ganha com litros de sangue do adversário”, explicou o professor e historiador equatoriano Renán Vega. Para vender a ideia de que o inimigo estava sendo derrotado, relatou o escritor, “muitos colombianos foram disfarçados de guerrilheiros, inclusive pessoas com doenças mentais e deficiências físicas, para serem massacradas”. “A cifra é inexata, a Jurisdição Especial para a Paz fala em 6.500 mortos, mas a realidade pode chegar a 15 mil. Os assassinatos se generalizaram para dizer que o Estado colombiano estava ganhando a guerra contra o movimento guerrilheiro”, apontou.

Luis Fernando Castro assegura que sua família é uma das tantas injustiçadas, civis inocentados que viraram um “positivo” nas cifras comemorativas do exército, sob incentivo dos Estados Unidos. “Nós temos provas concretas de que Juan David e a esposa foram falsos positivos porque membros do próprio exército me disseram os nomes dos militares que participaram do suposto ‘enfrentamento’. Eu tenho o nome deles. E esse mesmo batalhão me entregou o corpo do meu filho”, disse.

“Volto a repetir: Juan David foi para o trabalho no dia 26 e no dia 28 apareceu morto como guerrilheiro. Eu mesmo perguntei aos militares quando recebi o corpo, o que havia passado. Quanto tempo esteve na guerrilha? Dois dias, para serem abatidos os dois juntos? Foram massacrados”, protestou o pai.

Na avaliação de Luis, a ação das Cuchas está coberta de significado, unificando diferentes organizações contra o horror ocorrido, “num enfrentamento que o senhor Uribe participou dando a ordem”. “Foi identificado publicamente como o responsável, está gravado, ele declarou: ‘Eu dei a ordem!’”, sublinhou.

MÍDIA COLOMBIANA BUSCA ENCOBRIR A VERDADE”

“Em apoio a esta mortandade”, denunciou o pai, “os meios de comunicação colombianos atuaram na defesa de Uribe, com um negacionismo total, jamais dando espaço para que as vítimas fossem ouvidas, impedindo qualquer diálogo. Infelizmente, são meios pagos, privados, bancados por políticos que não buscam a verdade, mas encobrir o que se passou”, condenou Luis.

Em contraposição à cortina de fumaça, o pai valoriza o apoio obtido da Argentina, “onde aprovamos uma petição contra o senhor Uribe, e precisaríamos que outros países sul-americanos como Brasil, Equador e Peru, onde também ocorreram esses atropelos aos direitos humanos, se unissem em bloco nesta luta, como vítimas do terrorismo de Estado”.

Questionada sobre os próximos passos das Cuchas, Maria Olga Villa é incisiva: “Nosso interesse é fazer visível e reiterar que isso não é uma mentira, que o negacionismo com que a institucionalidade pretende nos revitimizar é inaceitável. Porque é verdade, esses fatos se passaram, ocorreram”.

A mãe conta que se passaram três anos até que se desse conta de ter sido uma execução extrajudicial, e “só a partir daí começou a nossa luta por verdade e justiça, a batermos em muitas portas a nível institucional”. “Felizmente, houve quem me apoiasse quando chegou na esfera jurídica, porque graças a Deus nem todos são corruptos. Uma procuradora abriu seu gabinete, inclusive me ajudou não só dando orientações, mas até mesmo garantindo o transporte, E então comecei a participar junto com organizações não-governamentais (Ongs) que contribuíam com advogados, assessores e psicólogos, que foram nos apoiando, até que tudo sobre a morte de Juan David finalmente viesse à luz”, relatou.

Maria Olga disse que matou a charada do ocorrido ao colher informações e checar números e datas. “Iniciei a procurar por jornais da data em que os jovens desapareceram e então me dei conta, tudo ficou claro. No dia 28 de janeiro havia ocorrido um suposto enfrentamento na comunidade São Pedro, que ninguém tinha ouvido falar, com subversivos do ELN. Eram dois mortos, dois anônimos. Passaram-se cinco anos desde sua execução, creio que era 2011, quando descobri como os mataram: se fazendo passar por guerrilheiros”, condenou.

“Inicialmente pensei que estava só, mas descobri que éramos muitas, e se conformou uma familiaridade, passamos a nos apoiar e consolar mutuamente. Há uma mãe que adoece todo janeiro, mês em que desapareceram sua filha, mas não esquece a tragédia que vive, pois tem que pagar o botijão de gás, que tem outros filhos e netos, e lutamos e nos damos amparo”, ressaltou Maria Olga Villa.

“REIVINDICO RESPEITO AO NOME DO MEU FILHO E QUE ME RECONHEÇAM COMO VÍTIMA”

“Meu filho foi assassinado e esta é uma luta por exigir dignidade. Para reivindicar respeito ao seu nome e que me reconheçam como vítima, a fim de que assumam o que fizeram. Não tinham nenhum direito de fazer isso, nem com eles, nem conosco. Meu coletivo se chama ‘Tecendo Memórias’ e todas caminhamos juntas sabendo que os nossos já se foram, mas há outros. Na minha família temos mais quatro filhos e também há netos que perguntam: avó, qual a razão desta luta? E seguimos em frente com a expectativa de que os nossos direitos sejam cumpridos, com a convicção de que, com pressão, a Justiça tarda mas não falha”, insistiu.

Cativante, a mãe me olha com serenidade e compromisso com o passado, o presente e o futuro da Colômbia, da nossa América e da Humanidade. Jovens vestem camisetas em solidariedade à Palestina, condenam o sionismo e o genocídio em Gaza, conversam sobre integração, democratização da comunicação e paz. Ao nosso lado a placa em homenagem às vítimas da desaparição forçada encerra o diálogo com a reflexão: “Eles são o silêncio do tempo porque ninguém os viu, eu os sigo esperando, enquanto no silêncio e o tempo a impunidade se esconde”.

Reportagem da Agência ComunicaSul de Comunicação Colaborativa com o apoio do jornal Hora do Povo, Diálogos do Sul Global,  Barão de Itararé, Vermelho, Correio da Cidadania e gabinete do vereador Gilmar Lima Martins (Alegrete-RS)