22 de abril de 2025

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Como o Brasil deve reagir ao terrorismo econômico de Trump?

Os países do mundo todo pararam no último 4 de abril para acompanhar o anúncio da política tarifária de Donald Trump sobre os produtos importados pelos Estados Unidos. O aumento, justificado com a bravata de que os países estavam roubando a potência econômica, provocou um terremoto no mercado global de ações, obrigando o bilionário a recuar. 

Tatiana Carlotti

As cobranças foram suspensas por 90 dias (até julho) e as taxas unificadas em um teto de 10% para todos os países, exceto a China, contra quem as tarifas escalaram para 145%, após a retaliação do gigante asiático com uma cobrança – e um giro de Xi Jinping pelo Sudeste asiático – de 125% sobre os produtos estadunidenses.

Frente à turbulência internacional, para pensar como o Brasil deve reagir ao terrorismo econômico de Trump, o Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé reuniu a economista Leda Paulani (USP), o economista Luiz Gonzaga Belluzzo (Unicamp) e o geógrafo Elias Jabbour (UERJ) na última quarta-feira (16/04).

Com mediação do jornalista Janelson Ferreira (Barão de Itararé), eles discutiram a China, a crise do neoliberalismo, a escalada autoritária nos Estados Unidos e os desafios postos à soberania das nações neste contexto turbulento das relações internacionais. 

Das três falas, a orientação foi precisa: o Brasil deve fortalecer os laços com a China. 

´Foi um erro sair da Rota da Seda´

“O mundo está entrando em uma era profunda de incerteza”, afirmou o geógrafo Elias Jabbou, ao apontar que os índices de incerteza, de uma semana atrás, superavam o registrado no auge da pandemia, “quando ninguém sabia ainda se as cadeias produtivas voltariam a funcionar”.

Segundo o professor de Relações Internacionais e Ciências Econômicas da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), “a incerteza gera uma paralisação dos investimentos e uma retração do comércio internacional, cujo passo seguinte pode ser uma recessão e uma crise financeira”.

Defensor de um “projeto nacional de desenvolvimento que leve adiante o processo de reindustrialização”, Jabbour destacou que, neste processo, a China é crucial. “O futuro do país passa por uma integração produtiva com a China, o que não significa apenas a sinergia entre dois projetos nacionais, mas um casamento com a admissão do Brasil na nova Rota da Seda (Belt and Road)”, defendeu.

Ele considerou um “erro” a não entrada do Brasil nesse projeto. “Fechou as portas para uma série de possibilidades”. A China, avaliou, precisa ser vista como uma possibilidade, “uma janela externa para o nosso processo de reindustrialização”.

Entraves no governo Lula

Em relação aos entraves internos do país, Jabbour apontou a necessidade de termos um BNDES que opere conforme os interesses nacionais e uma descriminalização das políticas fiscais. 

Ele lembrou que vivemos um cenário inverso ao de 2009, quando havia o BNDES, a Petrobras e a Eletrobras impulsionando o desenvolvimento e os investimentos no país, em conjunto com uma política de valorização do salário-mínimo, com forte relevância na consolidação do mercado interno naquele momento. 

“Hoje, não dispomos mais desses instrumentos. O BNDES opera com a taxa de juros do mercado, a Petrobras não tem mais o papel de indutora do desenvolvimento econômico, agora ela é uma empresa altamente financeirizada”, avaliou.

Jabbour também mencionou os entraves para o governo Lula. Criticou a meta de inflação de 3% e o fato dela ser anualizada: “uma meta que caiu de 4,5% para 3% no governo Lula [tornando] a utilização das taxas de juros quase ´uma lei econômica´”. 

Em sua avaliação, “as metas de inflação anuais são um cheque em branco para que se institucionalize um consenso de ´estabilidade´ como pano de fundo de um consenso em prol do rentismo no Brasil”.  

Que futuro queremos?

Ele destacou também o impacto da criação do teto de gastos e da independência formal do Banco Central, durante os governos Temer e Bolsonaro. “Temos um Banco Central com mandato único de combater a inflação e não de garantir o emprego. Isso dá carta branca para o BC operar na utilização da taxa de juros como uma forma de combater qualquer aumento de preço isolado”, exemplificou. 

O desafio, avalia, “passa pela formação de uma convicção em torno da superação das inovações institucionais inauguradas nas décadas de 1990, que tiveram seu fecho com o teto de gastos e a independência formal do Banco Central no governo Bolsonaro”. A grande questão é se “temos força política para isso”.

Neste sentido, Jabbour chamou a atenção para o rebaixamento do debate estratégico para o país, um pensamento nacional ancorado em categorias de totalidade que foram, em sua avaliação, retiradas do debate público. 

“Não existe mais aquele debate sobre o futuro de país que era feito 10, 20, 30, 40 anos atrás. Eram debates que embalavam a heterodoxia econômica. Isso desapareceu”, pontuou. 

Esticando a corda: China ou EUA?

Na sequência, a economista Leda Paulani trouxe uma análise de Donald Trump à luz de Sherman McCoy, o protagonista do clássico de Tom Wolfe, A Fogueira das Vaidades. O romance traz um retrato dos “yuppies de Wall Street” nos anos 80, apelidados pelo escritor de “os senhores do universo”. 

Assim como eles, “Donald Trump se acha o dono do mundo” e ele está enganado, apontou a professora da faculdade de Economia e Administração (FEA) da USP, ao diagnosticar o anacronismo de Trump que “reproduz um papel e uma centralidade que os Estados Unidos tinham na economia e geopoliticamente [nos anos 80], mas que o país não tem mais”. 

A questão, destaca, é que Trump quer que os países da América Latina digam de qual lado pretendem ficar, se o lado da China ou dos Estados Unidos. “Ele realmente está esticando a corda e não só para cima da China, mas também dos países latino-americanos”. 

“Com os BRICS, o Banco dos BRICS junto com Dilma [Rousseff] e tudo mais, como é que o Brasil vai dizer ´então está bom China, tchau, até amanhã! Agora eu vou ficar do lado do meu parceiro de sempre, os Estados Unidos?”, complementou. 

 “Dado que o Brasil tem uma importância fundamental dentro dos BRICS, para mim, a resposta à questão [de como reagir] está dada”, ressaltou. 

Neoliberalismo em crise

Paulani avaliou, na sequência, as evidências da forte crise do neoliberalismo que se expressa nas atitudes de Trump, e em sua própria eleição em novembro de 2024. 

“Trump evidentemente está jogando a OMC [Organização Mundial do Comércio] na lata do lixo”, avalia, ao contar que o organismo multilateral conta com uma série de regras, restrições e protocolos que precisam ser seguidos pelos países caso queiram alterar a sua política comercial, inclusive com punições. “Trump simplesmente chuta o balde fala: ´isso aqui é um trambolho que está no meio do meu caminho´ e faz o tarifaço”, sintetiza. 

Segundo a economista, a própria ascensão do Donald Trump é uma evidência da crise do neoliberalismo. Ela conta que desde a crise de 2008, houve um recrudescimento do neoliberalismo do ponto de vista da política econômica, frente uma afirmação ainda maior da necessidade de controlar as contas públicas.

Com isso, “o neoliberalismo foi perdendo a sua aderência social de alguma forma e permitindo os espaços para a ascensão dos grupos de extrema direita no mundo. Trump faz parte disso”, apontou.

Uma nova ordem?

Partindo da hipótese, defendida por economistas dentro e fora do país, de que uma nova ordem socioeconômica geopolítica mundial está nascendo, Paulani trouxe a frase de Gramsci, resgatada pela filósofa Nancy Fraser: “o velho está morrendo, mas o novo ainda não pode nascer”. 

“É uma situação de absoluta anomia, de uma crise muito profunda nas estruturas e fundamentos mesmo da organização social”, apontou. Em meio a isso, Trump acena como o personagem mais importante desta transição, produzindo sozinho uma nova crise com o seu tarifaço. 

“É uma crise produzida”, destacou Paulani. “Não é uma crise como foi a de 2008” ou como durante a pandemia, que foram crises dentro da lógica do sistema. A de agora, destacou, é “uma crise absolutamente provocada por um único personagem, um sujeito que após eleito se senta cadeira principal dos Estados Unidos e provoca essa confusão toda”. 

“Será que a história muda assim? Eu acho que não”, apontou.

Oportunidades

Em meio à turbulência internacional, Paulani reiterou que as oportunidades estão no reforço da relação do país com os BRICS, com a China, a Índia e as economias emergentes que não fazem parte do G7.

Ela também destacou, do ponto de vista macroeconômico, que Trump pretende desvalorizar o dólar. Emissores do dinheiro global, os Estados Unidos conseguem essa desvalorização fazendo com que outras moedas se valorizem. “Eles conseguiram fazer isso em 1985 com o Japão, derrubando a economia japonesa por décadas”, mas com a China isso não é possível. 

“Esse que é o problema. O Japão era um país pequeno, sem poder bélico e muito na dependência dos Estados Unidos. A China, pelo contrário, é um gigante e tem toda uma tradição milenar por trás”, destacou, ao citar as palavras de um alto funcionário chinês.

Frente à observação de uma jornalista dos Estados Unidos que afirmou “vocês vão perder 15% do seu mercado”, ele respondeu: “não importa, nós vivemos 5.000 anos e na maior parte desse tempo não existiam os Estados Unidos. Nós continuaremos a viver sem eles”.

“Não é um episódio único na história do capitalismo”

Em sua apresentação, o economista Luíz Gonzaga Beluzzo, professor emérito da Unicamp, trouxe um resgate de uma marca registrada dos Estados Unidos, o “destino manifesto” que é “a prerrogativa [usada pelo país] de transformar a América Latina no seu quintal”. 

O que estamos vendo “não é um episódio único na história do capitalismo”, afirmou Belluzzo, ao trazer exemplo da perda de hegemonia pela Inglaterra, no início da Primeira Guerra Mundial, pela concorrência dos Estados Unidos e da Alemanha, “economias que nasceram do próprio movimento liberal da economia inglesa”.

O que se seguiu àquele contexto “foi uma caminhada para desestruturação de um sistema que estava sob o controle da Inglaterra”. Agora, aponta, “nós estamos assistindo a mesma coisa, o mesmo fenômeno, mas de maneira diferente. Os protagonistas são outros”.

Após o choque do petróleo, em 1979, Belluzzo participou de uma reunião do Fundo Monetário Internacional, onde ouviu do então presidente da instituição, Paul Volcker, algo muito próximo do que Trump está dizendo hoje: “ninguém vai contestar o poder do dólar”. Volcker se referia, em um contexto de alta inflacionária nos Estados Unidos (chegou a 13% ao ano), à tentativa europeia de substituir a moeda estadunidense por um conjunto de moedas. 

“Isso foi um sinal, frente à valorização importante do dólar naquele momento, para o deslocamento de muitas empresas americanas para a China”, apontou, ao considerar que “a estratégia chinesa foi sábia e interessante porque eles foram acolhendo essas empresas e ao mesmo tempo tomando informações a respeito de como eles deveriam montar o seu sistema monetário financeiro industrial”. 

Tentativa de Trump não será bem-sucedida

Hoje, destacou Belluzzo, a participação da indústria na China é de 30% a 35%, enquanto a dos Estados Unidos é de 12%. “Isso esclarece muito a revolta do Trump, a pretensão dele é reindustrializar os Estados Unidos, mas em sua ação concreta, o que ele está fazendo é atemorizar os empresários americanos”, avaliou.

 “Se houver uma interrupção do abastecimento de peças, componentes e outros insumos, os preços vão subir e a economia americana vai apontar para aquilo que é o contrário do que Trump está dizendo, vai apontar para um avanço da desindustrialização americana”, observou.

Belluzzo também chamou atenção para a concatenação entre a economia chinesa e americana que “é muito mais profunda e ampla do que as pessoas podem imaginar”. Neste sentido, “a tentativa do Trump não vai ser bem-sucedida, nem mesmo do ponto de vista dos industriais americanos ou dos produtores americanos”, complementou.

Em sua visão, Trump “está tomando decisões que vão causar um dano para a economia americana”. 

“Brasil está adotando uma postura correta”

Belluzzo avalia que “o Brasil está adotando uma postura muito correta em não responder agressivamente [aos Estados Unidos] e em se aproximar da China”, até porque, “esse momento inspira uma mudança importante nas relações internacionais em que a China será uma protagonista central”.

Segundo o economista, “nós estamos assistindo a uma forma de crise que já se repetiu várias vezes na história do capitalismo. É um movimento do sistema internacional, do movimento de capitais, de investimento direto e de concorrência entre outros países”. 

O Brasil tem que avançar nas suas relações com a China, “é inevitável”, aponta ao citar a taxação “decisiva” pelos chineses das commodities dos Estados Unidos abrindo um espaço para o Brasil. “Resta saber se nós teremos uma estratégia para recuperar a indústria brasileira”, alertou.

Ele também resgatou o início do nosso processo de desindustrialização, que começa nos anos 90. Apesar de acabar com a inflação no país, o Plano Real operou até 1999 com taxas de juros absurdas – uma Selic real em 27,5% –, e com a valorização cambial. Foi uma política “muito competente para acabar com a inflação, mas na execução, nós demos o primeiro passo para a desindustrialização”, lembrou.

Os números atestam o retrocesso: em 1980, a participação da indústria no PIB era próxima de 30%, hoje é 9%. “Temos de olhar isso do ponto de vista sistêmico”, recomendou, ao destacar a conexão entre essa queda da indústria no Brasil e o avanço chinês, “porque o investimento direto estrangeiro foi todo para a China, em detrimento do Brasil, que no período de Juscelino, foi o país mais beneficiado pelo investimento direto estrangeiro”. 

Neoliberalismo ameaçado

Belluzzo concorda que o neoliberalismo está visivelmente ameaçado em seus princípios por Donald Trump, que age como “o Rei dos Estados Unidos”, o que avalia como uma coisa muito pessoal.

Trump, porém, tem base social e seus eleitores, os red necks, são justamente os que perderam os seus empregos, em particular no Centro-Oeste, porque as indústrias foram embora do país. “Trump representa a angústia da perda da hegemonia americana e de regressão industrial”, frisou. 

A solução encontrada pelo bilionário, porém, “não tem nada a ver com os princípios neoliberais. Na verdade, ele viola esses princípios”.

Já sobre a questão se o neoliberalismo terminou ou se pode sobreviver, ele apontou não ser adequada porque o processo ainda está em curso, mas concorda que “o neoliberalismo está muito ameaçado do ponto de vista da visão da economia e da sociedade”.

E reiterou: “a crise atual é uma reprodução do que já aconteceu no passado, pela lógica de funcionamento da própria economia capitalista que leva a isso”.

O debate contou com a transmissão ao vivo no Canal do YouTube do Barão e de seus parceiros a TVT, a Tutaméia, a TV GGN e o Viomundo. 

Confira a íntegra em https://www.youtube.com/live/UtjViXT29xY?si=qc0v8GtC-2oeD6x2

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