O Centro de Análise da Sociedade Brasileira (CASB) divulgou recentemente a pesquisa “As classes trabalhadoras e a democracia”, um estudo abrangente que oferece um panorama detalhado e, por vezes, controverso, da realidade atual da classe trabalhadora no Brasil.
Por Joanne Mota, para o Barão de Itararé*
Baseada em mais de 4 mil entrevistas e diversos grupos focais realizados entre 2023 e 2024, a pesquisa ilumina o sentimento que pulsa nas veias desses brasileiros e brasileiras, revelando dados cruciais para a compreensão de seus desafios, demandas e potencial de mobilização.
Precarização, insegurança financeira e a busca urgente por proteção social
Um dos achados mais significativos da pesquisa é a sensação generalizada de insegurança financeira e a crescente precarização das relações de trabalho. A renda surge como a principal preocupação para seis em cada dez trabalhadores(as). A percepção de exploração está fortemente ligada aos baixos salários para quase metade dos que se sentem explorados, e a necessidade de complementar a renda leva três em cada dez trabalhadores(as) a acumular múltiplas atividades.
A precarização também deixa marcas profundas na saúde mental: 40% dos entrevistados(as) já utilizaram ou sentem a necessidade de recorrer a medicamentos psiquiátricos. O temor da incapacidade física e da consequente perda de renda é uma realidade para 64% dos trabalhadores(as) por conta própria. Além disso, o acesso à seguridade social revela uma profunda desigualdade: entre os mais pobres, apenas 24% conseguiram contar com algum tipo de proteção após sofrerem acidentes de trabalho, e esse cenário é ainda mais desolador para as mulheres, em especial as mulheres negras.
De saída, esses números reforçam a demanda urgente por maior proteção social, garantia de direitos trabalhistas e um papel mais ativo do Estado como motor de garantias de bem-estar e proteção da vida.
A complexa autoidentificação: trabalhadores que se veem como classe média?
Surpreendentemente, embora 67% dos entrevistados(as) se reconheçam como trabalhadores(as), uma parcela ainda maior, 71%, se percebe como pertencente à classe média. Essa aparente contradição expõe a complexidade das percepções sociais no Brasil. Muitos indivíduos conseguiram sair da pobreza extrema, mas ainda não atingiram uma estabilidade econômica sólida. A identificação como classe média parece derivar mais de um contraste com a pobreza do que de uma segurança material efetiva.
Paralelamente, a cultura do empreendedorismo, tão incentivada nos últimos anos por setores conservadores a serviço do capital (financeiro e afins), parece dar sinais de esgotamento. Durante as entrevistas, apenas 4% se identificam como empreendedores. O estudo aponta para um cenário no qual a tão falada “solução individual”, no “se virar sozinho”, começa a ceder espaço para uma nova perspectiva que valoriza o coletivo e a necessidade de proteção social.
Potencial de mobilização coletiva: um horizonte a ser explorado
Apesar da baixa taxa de sindicalização formal no país (apenas 8%, segundo dados do IBGE), a pesquisa do CASB revela um potencial significativo para a mobilização coletiva. Vinte e sete por cento (27%) dos entrevistados(as) já são sindicalizados ou manifestam o desejo de sê-lo. Além disso, 24% demonstram interesse em outras formas de organização coletiva, indicando uma abertura para novas abordagens de luta coletiva.
Um sentimento de invisibilidade perante o governo é compartilhado por mais da metade da classe trabalhadora. No entanto, 55% afirmam que participariam de consultas públicas e votariam em representantes de sua própria categoria. Esses dados sugerem que existe um espaço considerável para revitalizar a representação coletiva, contanto que ela consiga dialogar diretamente com a linguagem, os anseios e os desafios concretos enfrentados pela classe trabalhadora, dentro do seu cenário.
A disputa de valores: um campo aberto para a justiça social
No contexto de um Brasil polarizado, a pesquisa indica que propostas de caráter popular encontram ressonância mesmo entre eleitores de espectros políticos opostos. A taxação de bilionários, por exemplo, conta com o apoio de 53% dos entrevistados(as), incluindo 40% dos eleitores de Bolsonaro. A maioria também se mostra favorável à reforma agrária e à destinação de imóveis com dívidas de IPTU para moradia popular.
Tais dados revelam que a toada de que votou no Bolsonaro é golpista não deve ser reforçada, estamos diante de uma jornada de disputa de corações e mentes e nossa arma deverá ser um projeto galvanizado a partir da realidade de cada setor do mundo do trabalho. Receitas prontas e universais não dão mais conta da atual realidade vivida.
Dito de outra forma, isso demonstra que a disputa política e ideológica está longe de uma definição e que a classe trabalhadora permanece receptiva a um projeto focado em justiça social, desde que este consiga se comunicar de forma eficaz com sua realidade cotidiana.
Implicações para o movimento sindical: um chamado à ação
Nossa avaliação é que os dados apontados pela pesquisa do CASB funcionam como um alerta e, simultaneamente, como uma janela de oportunidade para o movimento sindical. Ela evidencia uma demanda latente por organização, participação e garantia de direitos. Contudo, também expõe a distância entre os instrumentos tradicionais de representação e a maioria da classe trabalhadora atual. Torna-se imperativo inovar, ouvir ativamente, aproximar-se da base e lutar de maneira mais enraizada na realidade dos trabalhadores e das trabalhadoras.
Os dados, ainda que indiquem cenário de dificuldades, revelam que o movimento sindical classista, com sua reconhecida trajetória de luta, tem a possibilidade de assumir um papel de protagonismo neste novo cenário. Levar essa agenda para as ruas, para os locais de trabalho e para as plataformas digitais é um passo crucial para reconstruir um sindicalismo que seja, ao mesmo tempo, forte, popular e presente na vida dos trabalhadores e das trabalhadoras.
A Coluna do Barão é um espaço dedicado à publicação de análises e reflexões sobre a comunicação e questões como a política, a economia, a cultura e sociedade brasileira em geral. A coluna traz textos exclusivos de autores e autoras diversos, em sua ampla maioria, membros a Coordenação Executiva ou do Conselho Consultivo do Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé. O conteúdo dos artigos não expressam, necessariamente, a visão da organização.