
A primeira edição do Encontro Nacional de Comunicadores, Ativistas Digitais e Juventudes (1°EJUV), organizado pelo Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé, aconteceu entre os dias 23 e 24 de agosto no Armazém do Campo, na capital paulista.
160 jovens participaram do evento que contou com apoio do Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br), através do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI), e patrocínio do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae).
Por Tatiana Cartolli, para o Barão de Itararé
O EJUV debateu vários temas do eixo comunicação, ativismo digital e juventude. Foram sete mesas de debate, oficinas, atos, atividades culturais e a inédita possibilidade de jovens comunicadores de 11 regiões brasileiras se conhecerem.
Fechando os trabalhos da manhã de sábado (23/08), a terceira mesa redonda debateu o papel do jornalismo climático e do ativismo digital.
Com mediação do escritor e produtor cultural Ras Davi, participaram do debate: Gabriela Brasilie (JREDE), Cendy Domingues (Jovens Repórteres do Clima), Luiz Guilherme (Jovens Repórteres do Clima) e os ativistas climáticos Gabriela Feitosa, Paulo Galvão e Anderson Guarani.
Acompanhe aqui a íntegra dos debates:
‘A beira do ecocídio’
Ao abrir os trabalhos, Ras Davi lembrou que estamos vivendo “à beira de um ecocídio, matando o planeta; que vamos todos sofrer as mesmas dificuldades –falta de água, energia e estabilidade climática – e não temos leis que tratem disso”, citando o exemplo da inexistência de legislações capazes de acolher as vítimas dos desastres nos países da América Latina.
Em sua avalição, o jornalismo independente pode somar para fortalecer a informação que será a base frente aos adventos climáticos. “Existe um projeto que não começou agora” orientado por um racismo ambiental. “Entre 70% e 80% das pessoas que vão sofrerão os adventos climáticos, sem qualquer tipo de suporte ou apoio, são aquelas que já estão em situação de vulnerabilidade”, ressalta.
Ele citou o exemplo da especulação imobiliária em Santos, no litoral paulista. “Enquanto a cidade perde parte da praia e avança sobre as encostas e os bairros das populações mais vulneráveis, declarando que são áreas de risco, vemos o governador do Estado de São Paulo, que percorre o estado inteiro com a CDHU, retirando as casas das pessoas. Isso aconteceu aqui em São Paulo, no centro, na favela do Moinho e em São Sebastião, de onde venho e passamos por eventos climáticos”, denunciou.
“Isso acontece no Brasil inteiro, onde existem grandes empreendimentos, também existe uma violência sobre as pessoas que moram naquele ambiente. Primeiro, elas são obrigadas a trabalhar para construir esses empreendimentos. Depois, são expulsas de seus territórios. E acabam obrigadas a voltar para trabalhar em condições insalubres, morando em lugares ainda mais difíceis”, salientou.
Pauta ambiental precisa ser política
Na sequência, a produtora de conteúdo Gabriela Brasiliae que usa seu Instagram para levar a pauta climática adiante, destacou o alcance das redes sociais para o fortalecimento da pauta ambiental e a sua capacidade de mobilização quando a crise climática atinge diretamente uma comunidade.
Apesar dos pontos positivos, no entanto, ponderou, ela ressaltou o lado negativo das redes que “não são nossas, são corporações vendendo nosso tempo” e cuja “maioria lucra com a destruição ambiental”. Ela relatou que falar sobre política e clima nesses espaços “é muito fácil de ser boicotado”.
“O desafio é politizar a pauta ambiental nesses espaços. Nossa relação com o meio ambiente vem da colonização que é, justamente, o [nosso] afastamento do meio ambiente e a ideia de que é preciso “destruir e explorar até o fim nossos recursos” para desenvolver a sociedade.

Essa ideia tem reflexos nas redes. “O meio ambiente na Internet se resume, na maioria das vezes, a consumo, para você comprar aquela ‘ecobag’, aquele ‘canudo’, coisas e não a pauta política como deveria ser pautada”, afirmou.
Brasiliae contou as ações do Instituto Arayara, focado em transição energética, que realiza um trabalho de fortalecer as comunidades locais para que produzam seu próprio conteúdo. “A pauta ambiental precisa ser política também nas redes sociais”, defendeu Brasil, ao citar os exemplos de comunicadores como Laura Sabina, Bebel Ecologia, Bruno Pelo Clima.
Nós não temos “o negacionismo escancarado dos EUA, mas temos algo tão perigoso quanto: a superficialização e suavização da pauta”, salienta. Por isso, pediu, “acompanhem, apoiem, engajem, compartilhem conteúdos que tratem do meio ambiente de forma política. Isso vai nos fortalecer neste momento de preparação para a COP 30 e no cenário político do próximo ano”, alertou.
Jornalismo nas redes é possível
Na sequência, o estudante de jornalismo Luís Guilherme Lima, Jovens Repórteres do Clima, destacou a necessidade de o jornalismo ambiental ir além dos dados e transformar informações complexas em histórias compreensíveis. Ele citou o exemplo do avanço do mar em Santos. Segundo uma pesquisa das Nações Unidas, pode grande parte da cidade poderá ficar alagada até 2050, incluindo a Ponta da Praia, uma área nobre. “Mas isso quase não aparece na mídia local”, salienta.
“Como parte do jornalismo, temos que saber como transformar esses dados para destacar as comunidades que serão afetadas”. Lima contou que eles investigaram o tema, ouviram especialistas e tentaram traduzir os dados para mostrar os impactos.
“Se as áreas baixas alagarem, será que as pessoas da Ponta da Praia vão para os morros? O que acontece com quem já mora nos morros? É esse tipo de reflexão que precisamos provocar”, exemplificou. “O jornalismo ambiental deve ser humano, acessível e conectado ao território, às realidades locais e o ativismo digital pode potencializar essa missão”, complementou.
Lima também apontou o elo possível entre o jornalismo ambiental e o cultural na cobertura da COP 30, em Belém. “Nós podemos falar da cidade não apenas como sede de uma Conferência, mas como território cultural, com tradições e modos de vida que se relacionam com o meio ambiente. Isso torna a cobertura mais próxima das pessoas”.
Em sua avaliação, as mídias digitais “são ferramentas fundamentais para essa aproximação. Muita gente se informa pelo Instagram e cabe a nós desmistificar a ideia de que redes sociais não são jornalismo. Elas podem ser sim um espaço de jornalismo acessível e transformador”, apontou.
Formação e informação
A estudante de jornalismo Cendy Domingues, compartilhou sua trajetória e reflexões sobre o papel do jornalismo ambiental. “Desde criança eu queria ser jornalista, não apenas para informar: eu queria ser jornalista para denunciar”, afirmou, destacando como a vivência em uma região marcada por manguezais e biomas diversos despertou cedo a consciência sobre as questões socioambientais.
Ela contou sobre o projeto Albatroz em que trabalha, com a conscientização sobre aves oceânicas como albatrozes. Em sua avaliação, o desafio do jornalismo ambiental é “mostrar às pessoas algo que elas não conhecem, mas que precisam entender como essencial”.
Também destacou a necessidade de traduzir temas complexos de forma acessível. “Não adianta falar apenas em termos técnicos ou artigos de lei, porque a grande massa não entende”, afirmou, ao mencionar a importância da formação das crianças sobre as questões ambientais.
“O jornalismo ambiental precisa ser pedagógico, acessível e conectado com as pessoas. Só assim conseguiremos traduzir os problemas e ajudar a construir um futuro em que as próximas gerações não apenas recebam o mundo como está, mas possam transformá-lo”, disse.
Para isso, ela sugere “trazer o território e a memória das pessoas, de forma que elas se sintam pertencentes e responsáveis pela causa. Cendy também relatou sua experiência no projeto Jovens Embaixadores do Clima, onde criou um jogo de tabuleiro para explicar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), “mostrando como tudo se interliga: educação, bem-estar, clima, saúde”.
“Descobri que algo simples, como andar de bicicleta, pode melhorar a saúde, a disposição e até o senso de coletividade. Tudo faz parte de um ciclo, de um grande quebra-cabeça que se completa”, afirmou.
1 bilhão de crianças atingidas pela crise
O ativista climático e socioambiental Paulo Galvão, indígena do povo Tapuia da região do Baixo Tapajós (PA), chamou atenção para os efeitos da crise climática sobre a infância e a juventude brasileira, destacando a necessidade de aproximar ciência, jornalismo e comunidades.
Galvão atua atualmente no Instituto Alana, organização que trabalha com os direitos de crianças e adolescentes. Ele contou que “quarenta milhões de crianças e adolescentes no Brasil já sofrem com os efeitos da crise climática. Em escala global, o número chega a 1 bilhão de crianças”, afirmou.
Além disso, “quatro em cada dez escolas nas capitais brasileiras não têm área verde”, enquanto “34% dos brasileiros não sabem o que é mudança climática, 35% dos jovens de 15 a 29 anos não sabem em que bioma vivem” e “370 mil alunos estudam em escolas localizadas em áreas de risco.”
“As pessoas moram em regiões que podem ser alagadas nos próximos anos e não sabem disso. Vivem diariamente os efeitos da crise climática sem ter consciência.” Daí o papel da comunicação: “mais do que redes sociais, precisamos de jornalismo de base, capaz de traduzir informações complexas para a população”.
Galvão também mencionou a necessidade de aproximar a ciência da sociedade. “O Carlos Nobre lembrou que até dentro da comunidade científica há 2% de negacionistas. Isso mostra a frente de trabalho que temos para valorizar pesquisas sérias e levá-las ao conhecimento popular.”
Outro ponto abordado foi o papel da mídia. “A GloboNews tem feito grande cobertura da COP, mas esse conteúdo não aparece na TV aberta. Não interessa mostrar para a grande massa que podemos ficar sem água de coco ou sem açaí.” Para Galvão, a realização da COP30 no Brasil deve ser aproveitada como oportunidade de ampliar o debate público, inclusive nas eleições.
“Enquanto grandes veículos ficam poucos dias em Conferências, a mídia independente acompanha todo o processo, participa dos debates e articula dentro das salas de negociação. No meu território, o canal Tapajós de Fato cumpre esse papel, produzindo conteúdo e formando comunicadores”, salientou.
Ele defendeu uma comunicação conectada com as comunidades, com “informação acessível, formação de base e jornalismo comprometido, que una ciência, comunicação e território.”
Ouvir os povos indígenas
O jovem comunicador indígena Anderson Guarani, da Aldeia Sapukai e dos povos Guarani MBYA, destacou os efeitos da crise climática sobre os povos originários e ressaltou a importância da comunicação como ferramenta de luta. Ele integra a comunicação da própria aldeia e participa do Fórum de Comunidades Tradicionais do Rio de Janeiro.
“Nós, indígenas, estamos muito afetados pela mudança climática. Como vivemos da roça e do plantio, sentimos diretamente as alterações da terra e das colheitas”, afirmou. Ele participou com outros jovens Guarani de um documentário sobre as mudanças climáticas na sua aldeia, fazendo entrevistas com os mais velhos, as anciãs e com o pajé. “Eles disseram que o milho não está mais crescendo, que muitos frutos desapareceram” e “a terra não está mais firme para o plantio”. Com isso, “a gente vem fazendo documentários e [postando] a denúncia nas redes sociais por meio da página Mídia Guarani”.
“Temos um documentário que está sendo feito pelos jovens Guarani sobre a COP, porque queremos denunciar apenas a realidade que vivemos em nossos territórios. Isso é muito importante”, destacou.
“Sempre falo para os mais jovens da aldeia que a nossa geração pode buscar mais sobre a realidade que vivemos” e que eles “não devem usar a tecnologia para qualquer bobagem, mas para lutar pelo nosso povo. É o que estamos fazendo”.
Ele contou que os indígenas são muito criticados pelos não indígenas nas redes sociais e questionou: “como vamos viver da nossa cultura e das nossas roças quando olhamos em volta e a cidade está chegando perto?”
“Nossos pajés sempre dizem que as coisas estão piorando nas aldeias”, frisou. “Esse tempo é o último que podemos receber sabedoria. Depois que a cidade vem chegando nas nossas aldeias, vários jovens estão se perdendo, doenças invisíveis estão chegando e isso não era da nossa cultura”, denunciou.
Anderson também pediu união. “Aqui só tem dois indígenas e isso é muito importante, porque nós somos iguais. A nossa luta é pela melhoria do nosso planeta e isso é uma preocupação de todos”, frisou.
Como comunicar a COP 30?
A urbanista e cientista de dados Gabriela Feitosa, que atua no terceiro setor, destacou em sua fala a necessidade de tornar a comunicação sobre a crise climática mais próxima da população, evitando termos técnicos e discursos distantes da realidade cotidiana.
“Tenho me dedicado ao terceiro setor nesses últimos anos, comunicando o que produzimos sobre crise climática, transições justas e justiça climática. Como a gente faz essa ponte produzida e comunicando para o território”, relatou.
Ela citou como contra exemplo a novela Vale Tudo ao criticar a forma como a sustentabilidade muitas vezes é apresentada ao público. “O personagem Afonso deveria ser o mocinho, mas tem puxado a pauta da sustentabilidade de uma maneira péssima. É um exemplo de como não falar com a população, usando palavras que ninguém entende, como ESG, sustentabilidade…”, criticou.
Segundo ela, é preciso partir da experiência concreta da população. “O brasileiro pode não saber o que é mudança climática, mas todo brasileiro entende o que é um desastre ambiental. Todo brasileiro viveu ou conhece alguém que viveu um. Essa é a abertura para a gente falar com a população”, ponderou.
Em sua avaliação, o problema é que a comunicação ainda se limita a uma escala individual ou comunitária: “as pessoas entendem sustentabilidade como descarte de resíduos, saneamento básico”. No entanto, “quando falamos de legislação ambiental, tem uma grande resistência porque muitos não conseguem concretizar o que é isso”, apontou.
“A COP vai acontecer, mas o que isso significa na prática? Não pode ser visto apenas como multilateralismo distante. Precisamos mostrar o que ela vai representar para a agenda doméstica”, afirmou.
Ela também relacionou a transição energética à economia de muitas cidades dependentes de combustíveis fósseis. “Como comunicar para essas comunidades que elas vão sobreviver e terão outras oportunidades?”, questionou.
Em sua avaliação é preciso um olhar nacional no enfrentamento da crise ambiental. “Para além de falar do clima e o que é a crise climática, precisamos discutir o que podemos fazer para além da escala micro, individual e comunitária. O precisamos fazer enquanto país”, concluiu.