3 de setembro de 2025

1° EJUV: Como construir a soberania digital através do software livre e dos bens

Foto: Thompson Griffo

A primeira edição do Encontro Nacional de Comunicadores, Ativistas Digitais e Juventudes (1°EJUV), organizado pelo Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé, aconteceu entre os dias 23 e 24 de agosto no Armazém do Campo, na capital paulista.

Cerca de 160 jovens participaram do evento que contou com apoio do Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br), através do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI), e patrocínio do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae).

Por Tatiana Carlotti, para o Barão de Itararé 

O EJUV debateu vários temas do eixo comunicação, ativismo digital e juventude. Foram sete mesas de debate, oficinas, atos, atividades culturais e a inédita possibilidade de jovens comunicadores de 11 regiões brasileiras se conhecerem. 

Começando os trabalhos na manhã de domingo (24/08), a quinta mesa redonda do evento debateu como construir a soberania digital através do software livre e dos bens.

Com mediação de Tawan Antunes, militante da União da Juventude Socialista (UJS) e multiartista do ABC Paulista, o debate contou com a participação de Lucas Chen, da Juventude Pátria Livre e do Chinacast, Laura Rodrigues da UJS Hacker, Isabela Rocha do Fórum para Tecnologia e Estratégia dos Brics, Matheus Pontes da UJC, Caio Carrara do Fediverso, Lívia Ascava do Hacklab e Rafael Camargo do Núcleo de Tecnologia do MTST.

Acompanhe o debate:

‘Soberania digital precisa ser popular’

O analista de dados Rafael Camargo defendeu que a soberania digital deve ser construída a partir da organização popular e da classe trabalhadora. Militante do núcleo de tecnologia do MTST há cinco anos, ele também atua na Frente de Ação e Inovação (FAI) das cozinhas solidárias e nos projetos de conectividade do movimento.

“A verdadeira soberania digital não pode ser apenas estatal ou corporativa, antes de tudo, ela precisa ser popular”, afirmou. Segundo ele, o debate não se resume a “trocar um servidor que está em outro país por um servidor dentro do Brasil”, mas a compreender “quem controla, quem define e para quem serve a tecnologia. A soberania digital passa pela capacidade da classe trabalhadora de usar, compreender, modificar e criar suas próprias tecnologias”.

Em sua visão, a tecnologia deve ser vista como ferramenta de luta e não como um fim em si. “Ela não pode ser vista como algo mágico e distante; precisa ser apropriada de forma crítica”, disse, ao citar a experiência do Núcleo de Tecnologia do MTST em atividades de capacitação popular, como os cursos oferecidos nas ocupações e escolas públicas de São Paulo e no movimento das cozinhas solidárias, durante a pandemia, que levou ao desenvolvendo de projetos de conectividade nos territórios. 

“Logo ficou claro que o acesso não bastava. Era preciso trabalhar o letramento digital, para que o uso fosse ativo e consciente, não apenas passivo”, afirmou. Neste sentido, ele citou a iniciativa do Ocupalab, que está sendo construído na ocupação Lélia Gonzales, no ABC. O espaço será um laboratório hacker popular, com computadores, reparo de equipamentos, ensino de programação e debates sobre vigilância e privacidade. 

Rafael também trouxe os limites dessas experiências e cobrou investimentos públicos do Estado. “É possível plantar sementes da soberania, mas elas precisam de um terreno fértil para crescer e é aí que entra o papel incontornável do Estado”. 

“Não somos contra o Estado, somos contra um Estado ausente para a maioria da população e que serve apenas aos interesses do mercado. Defendemos um Estado que sirva à maioria, que reconheça as diferenças humanas, mas garanta igualdade social”, afirmou.

“É necessário fomento estatal para que tecnologias sociais e comunitárias existam, não apenas startups movidas pelo lucro”, destacou. Ele também cobrou políticas públicas “que deem escala nacional a boas iniciativas locais, porque vivemos em um país continental”.

Por fim, Rafael frisou que soberania digital não se conquista apenas com regulação ou barreiras comerciais, mas a partir da organização popular em torno de liberdade, luta e autonomia. “Só com a classe trabalhadora organizada poderemos criar nossas próprias tecnologias”.

A lição chinesa

O coordenador nacional da juventude Pátria Livre, Lucas Chen, afirmou que a defesa da soberania não se resume à esfera digital, mas envolve também dimensões políticas, econômicas e ambientais. “A soberania não pode ser tratada isoladamente. Ela está no centro da disputa que devemos travar no conjunto da sociedade”, afirmou Shen ao destacar a atual “e inédita agressividade do imperialismo estadunidense desde a ditadura”.

Em sua avaliação, estamos vendo nascer uma “nova era, marcada pelo multilateralismo, pela cooperação entre os povos e pela busca de alternativas às relações impostas pelo imperialismo. Esse movimento de cooperação mundial é o que define o nosso tempo. E, ao mesmo tempo, enfrentamos o avanço do fascismo, do obscurantismo e do negacionismo”.

Chen destacou o papel da tecnologia nesse processo. “No campo digital, o que temos é a utilização dos dados e das plataformas como instrumentos de controle social. No Brasil, isso se expressa no bolsonarismo, articulado por estratégias digitais de Steve Bannon, o mesmo que atuou nas campanhas de Trump e Le Pen”, disse.

Coordenador do Chinacast, um podcast que busca compreender a experiência chinesa e o socialismo chinês, Shen deu exemplos do país asiático, comparando a cobertura de 5G: “enquanto a China já tem 100% do território conectado, no Brasil a previsão é chegar a 84% apenas em 2030.” 

Em termos de combate à pobreza, ele ressaltou o impacto social da tecnologia na China: “foram 800 milhões de pessoas tiradas da extrema miséria, com o uso do e-commerce para elevar a renda das famílias. Isso nunca foi visto antes na história da humanidade.”

Em sua avaliação, a soberania digital só será possível com um Estado nacional popular. Assim como em outras áreas, destacou, ela “precisa ser defendida com participação popular, mas também com um Estado forte que resista ao imperialismo e defenda os interesses do povo. Esse é o primeiro passo para a construção de um projeto de futuro”. 

Dominação estrangeira 

Bacharel em Tecnologia da Informação pela UNIVESP e militante da UJC e do PCB, Matheus Pontes apontou a necessidade da regulamentação das big techs e da recuperação da soberania digital no país. Desenvolvedor e entusiasta do software livre, ele lembrou que entre os anos 1990 e 2000, a internet era sinônimo de liberdade; mas agora ela se transformou em um ambiente dominado por plataformas estrangeiras. 

“Estamos permanentemente conectados e dependentes das big techs”, afirmou, ao destacar uma plataformização da cultura da curiosidade e da criação e do movimento do software livre. “Hoje, mais pessoas sabem usar o Canva do que o GIMP. Ficamos reféns de produtos como os da Adobe, e isso é também uma forma de dominação estrangeira”, alertou. 

Ele lembrou o episódio de 2019, quando a Adobe cancelou contratos na Venezuela devido a sanções, paralisando empresas locais; e do bloqueio do Apple Pay na Rússia, que paralisou metrôs no país. “Da noite para o dia, muitos ficaram sem acesso a ferramentas básicas. Esse é o poder que as big techs exercem sobre nações inteiras.”

Mateus também criticou a crescente entrega da infraestrutura digital brasileira a empresas estrangeiras, especialmente após 2016. “Durante o governo Lula, houve incentivo ao software livre como política prioritária. Lembro de ter participado de Campus Party em 2006 e 2008, onde a atmosfera era vibrante, cheia de gente criando, modificando e sonhando com um futuro digital independente”, mencionou.

No governo de Michel Temer, salientou, isso foi destruído. O país firmou contratos milionários com as big techs e, desde então, universidades e instituições públicas ficaram dependentes do Google e da Microsoft. “Essa lógica de oferecer serviços gratuitos e depois cobrar consolida a dependência e retira do país a capacidade de desenvolver soluções próprias”, destacou.

Mateus também reforçou a necessidade de regulamentar e transformar a relação com a tecnologia. “Precisamos recuperar o direito de escolher, o direito de estar offline, o direito de construir alternativas próprias. É urgente regulamentar as big techs para que elas se adequem às necessidades do nosso país, e não o contrário. Só assim a tecnologia voltará a servir ao povo e não apenas aos interesses das grandes corporações”, declarou.

Guerra cognitiva

A pesquisadora Isabela Rocha, mestre e doutoranda em Ciência Política na Universidade de Brasília (UnB) e integrante do Fórum para a Tecnologia Estratégica dos BRICS, abortou a guerra cognitiva. “A guerra hoje não é só travada de forma cinética, mas também — e principalmente — com dados, com algoritmos e, mais importante, com inteligência artificial”, afirmou. 

Ela destacou que o Brasil é cliente das big techs norte-americanas cujos CEOs de empresas como Palantir, Anduril, Meta, Microsoft e OpenAI foram nomeados como tenentes-coronéis para coordenar a modernização das Forças Armadas dos Estados Unidos. “Guerra é um negócio extremamente lucrativo e hoje ela é híbrida”, destacou Isabela.

“É econômica, com sanções unilaterais e tarifaços contra países que se recusam a seguir as ordens de Washington; é legal, como vimos no impeachment de Dilma e agora com ataques ao Supremo Tribunal Federal; é cinética, com patentes de armamentos e genocídios como ensaio, a exemplo do que ocorre na Palestina; e é cognitiva, através dos algoritmos, plataformas e feeds que consumimos diariamente.”, detalhou.

Segundo a pesquisadora, os conflitos internacionais, em especial na Palestina, servem de campo de testes para novas tecnologias bélicas. “As empresas de tecnologia já assinaram contratos bilionários com Israel, como o Projeto Nimbus, para testar e desenvolver novas formas de matar”, ou o uso de sistemas de inteligência artificial, como o Lavender, que identificam e executam alvos de forma automática, com margem de erros que significam a morte de civis. 

Ela também destacou que a dimensão cognitiva está em disputa. “As mesmas empresas que desenvolvem tecnologias de assassinato são donas do Instagram, do WhatsApp, do Twitter e dos nossos computadores Microsoft. Nós precisamos delas, mas mais do que isso, elas precisam dos nossos dados. O que conversamos no WhatsApp, o que compartilhamos, o tempo que gastamos rolando no feed — tudo isso é usado para aprender o que amamos, do que temos medo, e como nos manipular”, alertou. 

Esse processo, destaca, resulta em polarização e radicalização social. “A polarização política do Brasil não aconteceu por acaso. Foi resultado de operações psicológicas, de guerra cognitiva, em que o ataque não é apenas ao corpo, mas também à mente. Nós já estamos em guerra, mesmo que muitos não percebam”.

Ela destacou que o Brasil gastou R$ 23 bilhões em contratos com as big techs na última década, R$ 10 bilhões somente em 2023. “Com esses recursos, poderíamos ter construído dezenas de data centers nacionais e financiado bolsas de mestrado e doutorado para todos os pós-graduandos do país; em vez disso, alimentamos empresas que radicalizam nosso povo”.

Em sua avaliação, não há soberania sem soberania tecnológica. “Nossa missão também é moral. O Brasil demorou muito a entrar na Segunda Guerra para combater o fascismo. Nesta Terceira Guerra, que já acontece, devemos nos emancipar das big techs e desenvolver soluções próprias de comunicação e mobilização popular para construir plataformas soberanas, nossas, e sermos protagonistas na luta contra a extrema-direita e o fascismo que ameaçam o nosso povo.”

‘Precisamos criar nossas próprias redes sociais’

O engenheiro de software Caio Carrara, do projeto Fé Diverso e integrante do grupo de trabalho sobre o Fediverso da Associação Cultural Alquimídia, destacou a urgência de repensar a forma como o Brasil encara tecnologia e soberania digital. Com mais de 15 anos de experiência em empresas nacionais e internacionais, ele ressaltou que é preciso ir além de soluções superficiais para enfrentar os desafios impostos pelas grandes corporações do setor.

Ele apontou que tudo que está em voga vira alvo do mercado. “O software livre, baseado em quatro liberdades, rapidamente foi cooptado e transformado em ‘open source’. Hoje, o código aberto é usado tanto para mobilização social, como neste Hacklab, quanto para criar miras automáticas de armas e sistemas de inteligência artificial voltados para vigilância. Ou seja: é necessário, mas não suficiente”.

“Se você entrar nos sites da AWS, Google, Red Hat ou IBM, vai encontrar a oferta de uma suposta nuvem soberana. Mas soberania digital não se compra, se constrói”, afirmou. Para fundamentar o debate, Carrara citou o trabalho do pesquisador Sérgio Amadeu, que define a soberania digital em quatro pilares: dados, infraestrutura, governança e capacidade.

Ele explicou que a questão dos dados envolve não apenas a localização do armazenamento, mas principalmente a propriedade. “Uma empresa brasileira que opere nos Estados Unidos está submetida ao Cloud Act. Isso significa que, se o governo norte-americano solicitar, terá acesso a qualquer dado, independentemente de onde esteja hospedado”, destacou. 

Sobre infraestrutura, exemplificou com o caso do Pix, considerado popular e eficiente, mas que roda em servidores da IBM, desenvolvido com consultoria da Red Hat, o que mostra a dependência estrangeira.

Em relação à governança, Carrara ressaltou a importância de legislar internamente e também participar de fóruns internacionais de definição de padrões. “Hoje, o Brasil tem apenas uma organização com assento no W3C, entre mais de 300. Isso mostra como o desenvolvimento da tecnologia ainda é comandado pelo Norte Global”, disse. 

Já o quarto pilar, a capacidade, depende da formação de profissionais aptos a desenvolver tecnologias e protocolos abertos e de condições para que permaneçam atuando no país.

Em sua avaliação, somente a regulação não é suficiente. A alternativa está no desenvolvimento de tecnologias abertas, protocolos livres e soluções descentralizadas. 

“O Fediverso é essa camada de protocolo que permite que diversas micro ou minirredes sociais se comuniquem entre si. Não podemos aceitar ser apenas uma coluna em um jornal de grande circulação, subjugados ao algoritmo de um editor. Precisamos criar nossos próprios jornais, nossa própria infraestrutura e nossas próprias redes sociais”, concluiu.

Inquilinos em uma casa que não é nossa

A arquiteta de sistemas e desenvolvedora web Laura Rodrigues, coordenadora da Frente de Tecnologia da UJS Brasil e uma das organizadoras do Hacklab, defendeu uma ação prática para construir soberania digital no Brasil. “Apenas o diagnóstico não basta: é preciso desenvolver soluções próprias”.

“Nós vivemos como inquilinos em uma casa que não é nossa, utilizando ferramentas que não fomos nós que desenvolvemos. A nossa vida se desenrola ali: nossos dados, nossos cotidianos, tudo o que fazemos sendo usado, nossos comportamentos, nossas reações. Muitas vezes não nos questionamos como isso funciona e como é utilizado”, afirmou. 

Laura estruturou sua fala em três verbos: reapropriar, articular e multiplicar. No primeiro, defendeu que soberania não significa apenas usar as redes já existentes para colocar contrapontos, mas criar tecnologias próprias. “É construir tecnologias nossas, ocupar a internet, montar softwares que nasçam da nossa vivência, da nossa comunidade”.

“Fazemos soberania quando criamos softwares que ajudam em CAPS, conectam Pontos de Cultura no Brasil inteiro, constroem ecossistemas alternativos de sites, blogs e redes sociais”, disse. Ela também ressaltou a importância de ressignificar o termo hacker. “Usamos o termo hacker com orgulho, para afirmar que existe uma cultura de software livre que entende a ferramenta e a coloca a serviço de objetivos coletivos”, pontuou.

Em relação à articulação, ela avalia que a juventude já desempenha um papel central: “não há mistério: conhecemos as plataformas, nascemos nelas. Temos potencial para reapropriar com força e energia. Em um dia montamos um grupo de WhatsApp que conecta um desenvolvedor do Espírito Santo a um Hacklab em São Paulo, junto com gente de Guarulhos, todos reunidos para construir software livre”, exemplificou.

O terceiro verbo, multiplicar, reflete o contraste entre a lógica das big techs e a prática das redes populares. “Enquanto eles acumulam capital e conhecimento, guardando numa caixinha para fazer o que quiserem com a nossa população, nós compartilhamos. Vemos isso no TikTok: alguém aprende algo num dia, ensina no outro, outro comenta, dá uma dica, remixa o vídeo. Todos aprendem juntos. Essa forma de comunicar é software livre”, afirmou.

Encerrando sua fala, ela fez um chamado à organização coletiva. “A soberania digital é o maior projeto colaborativo da nossa história recente. Organizem-se, desafiem-se, tenham coragem e trabalhem duro. Não deixem que a tecnologia seja apenas um produto. Construam conosco uma forma de autodeterminação do nosso povo no território mais disputado do século XXI: o território digital”.

Tecnologia é desenho de sociedade

Encerrando a mesa, a CEO da Hacklab, co-idealizadora do projeto Mulheres de Rede, Lívia Ascava, destacou a importância de compreender a tecnologia não apenas como ferramenta, mas como parte de um projeto de sociedade.

“Quando pensamos em tecnologia e desenhamos ferramentas, pensamos um projeto de sociedade. Não estamos falando apenas de ferramentas: elas moldam como nos relacionamos e como a sociedade se organiza, em várias camadas”, afirmou. 

“Se não tivermos claro qual projeto buscamos ao desenhar tecnologias, infraestruturas e processos de governança, podemos nos perder e replicar a lógica de uma big tech para concorrer com ela, sem disputar a sociedade, sem disputar as formas de viver, produzir e nos relacionar”, alertou.

Apontando que a palavra soberania já virou commodity, Lívia destacou que sozinha, a regulamentação, uma questão e justiça mínima, não constitui soberania. Ela recuperou o exemplo do Mapas Culturais, uma plataforma de gestão e mapeamento cultural desenvolvida no início da década passada.

Surgido em meio às disputas sobre georreferenciamento, quando comunidades periféricas e favelas ainda eram invisibilizadas nos mapas, o projeto propôs dar soberania tecnológica à gestão da cultura. O primeiro investimento surgiu de um aporte do Instituto TIM que, financiado pelo BNDES, tinha obrigação de destinar parte dos recursos a causas públicas. 

O Mapas foi lançado em 2013 e chegou em 2015 com presença em cerca de 150 a 170 secretarias de cultura pelo Brasil, tornando-se um sistema nacional de informação e indicadores da Cultura, com soberania de dados e de infraestrutura, e uma perspectiva de gestão que também redesenhava as relações entre gestores, agentes de cultura, pessoas e coletivos articulados em rede, promovendo economia cultural solidária e criativa. “Havia um horizonte não apenas de gestão, mas de tecer rede pelo país”, contou. 

A política foi desmantelada com o Golpe de 2015. Lívia contou que dados se perderam, servidores desapareceram. “Houve apagamento, e parte importante dos dados se perdeu. A falha determinante ali foi a ausência de institucionalidade para salvaguardar a política do Mapas Culturais em estados e municípios (…) Sem um arranjo institucional, o desmonte foi incisivo e violento”, destacou. 

Nesse período, Hacklab manteve a plataforma ativa e em condições mínimas. “Quando a fogueira apagou, seguimos revezando para que o fogo não morresse, mantendo a plataforma atualizada, otimizada, com alguns parceiros ainda utilizando, como a rede IberCultura Viva”, relatou. Na pandemia, com o auxílio emergencial da Cultura, estados e municípios retomaram investimentos e reativaram a ferramenta como instrumento de gestão. 

Para Lívia, isso só foi possível graças à existência de uma comunidade de empresas, coletivos, gestores e agentes que tratou o Mapas Culturais como um bem comum tecnológico da cultura. Recentemente, com a recriação do Ministério da Cultura, a plataforma recebeu novo aporte e institucionalidade.

Lívia destacou que investimentos em comunidades, governança, política e projeto não nascem de licitação, nem de ONGs, mas sim do Estado. “Precisamos do desejo de Estado para formar arranjos produtivos em torno da plataforma, consolidar conhecimento sobre a tecnologia e construir governança. Sozinhos, não damos conta. É esse arranjo mais amplo que permite falar em soberania de fato — e não numa ideia vazia ou rasa de soberania.

E complementou: “tecnologia é desenho de sociedade. Se queremos plataformas soberanas, precisamos nomear a sociedade que desejamos e estruturar, desde já, as garantias materiais que a sustentem”.