12 de setembro de 2025

Leonardo Severo denuncia conexão de Israel no genocídio dos povos guatemalteco e palestino

Autor brasileiro de “Latifúndio Midiota” e “A CIA contra a Guatemala” lança livro-reportagem em que comprova a participação do sionismo na limpeza étnica e nos mais horrendos crimes praticados pela ditadura militar guatemalteca nos anos 1970-80

Repórter internacional do jornal Hora do Povo – onde atua há mais de três décadas, membro da Agência ComunicaSul e do Sindicato dos Escritores do Estado de São Paulo, Leonardo Wexell Severo tem acompanhado as lutas da Palestina e da Guatemala, países onde é parceiro do movimento popular contra o imperialismo e o sionismo. Nesta entrevista exclusiva ao Pravda, o autor de “Latifúndio Midiota – Crimes, Crises e Trapaças” e “A CIA contra a Guatemala” aborda o lançamento do seu novo livro “Guatemala e Palestina sob o tacão genocida de Israel – Uma história silenciada pela mídia hegemônica” (Editora Papiro, 126 páginas). De forma enfática, com riqueza de fontes e depoimentos, o autor denuncia “o caráter manipulador dos grandes conglomerados de comunicação como serviçais dos Estados Unidos e de Israel, e a forma como falseiam escancaradamente a realidade e silenciam na tentativa de absolver os criminosos e transformar a vítimas em culpadas”.

Por Amyra El Khalili entrevista especial para o Jornal Pravda.Ru

 PRAVDA: De onde surgiu a ideia deste seu novo livro, tão oportuno para o momento atual?

Leonardo Wexell Severo: Eu estive na Palestina – em 2000 e 2015 – e na Guatemala – em 2013 e 2024 -, países que sempre tive muita proximidade, mas que passavam então por situações extremamente discrepantes. Enquanto a Guatemala vivia um processo de redemocratização com a eleição do presidente Bernardo Arévalo, tínhamos um recrudescimento do fascismo em Israel com Benjamin Netanyahu.

Na Guatemala fizemos várias entrevistas e reportagens na capital e no seu rico interior com vítimas e parentes dos mais bárbaros crimes. Denúncias horripilantes, desde a descrição de testemunhas que presenciaram bebês jogados vivos em brasas para morrer, de crianças que foram estupradas – e permaneceram vivas para dar o testemunho de seus traumas -, de mulheres pelas quais passaram  20 soldados, até meninos e meninas que, após serem sequestrados, foram transformados em escravos por anos a fio. Tudo resultado da “formação” nazi-israelense, de profissionais da morte.

Diante disso, acompanhei o julgamento do ex-chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, Benedicto Lucas Garcia, que após ser condenado a 2.860 anos de prisão pelo Tribunal de Alto Risco A, foi liberado de forma ridícula pelo Tribunal B, que invalidou todos os procedimentos do julgamento, evidenciando o jogo de cartas marcadas  no judiciário.

Vale dizer que atualmente com 92 anos, o general reformado é um dos comandantes carniceiros responsáveis pelo assassinato em massa cometidos ao lado do irmão, o presidente Fernando Romeo Lucas Garcia, que governou o país para os estrangeiros de 1º de julho de 1978 a 23 de março de 1982, e que morreu sem receber qualquer tipo de condenação. Importante ainda destacar que foi da escola sionista que Benedicto trouxe os termos “palestinização”, a prática de usurpação de territórios, da imposição de aldeias-modelo, campos de concentração e trabalhos forçados para os indígenas. Foi aí que a ideia do livro engatilhou e disparou. Espero que venha no alvo. E para ficar.


 
PRAVDA: De que forma os israelenses contribuíram tão decisivamente para a sustentação das ditaduras militares na Guatemala?

Leonardo Wexell Severo: Quando a opinião pública dos Estados Unidos pressionou o governo a retirar o seu apoio à carnificina, Israel caiu como uma luva. Os generais guatemaltecos também simpatizaram de imediato com a ideia. Afinal, os sionistas sempre estiveram por ali desde o começo dos anos 1970. Ao todo eram cerca de 300 assessores dos mais variados escalões e especialidades, desde a formação militar até a tecnológica, gente prática e racista.

Nas cidades, havendo uma residência onde o consumo de energia sofresse uma alteração muito significativa, isso era avaliado pelos israelenses como um abrigo de guerrilheiros e a casa imediatamente cercada. Uma vez confirmado o foco oposicionista, todas as pessoas eram executadas. Contra os habitantes da zona rural a relação era ainda pior, pois os sionistas sempre viram nos árabes seres inferiores, da mesma forma que a tropa de “elite” Kaibile, formada em 1974 por guatemaltecos extremamente preconceituosos que desprezavam os maias, os tratavam como lixo. Por isso matavam da forma mais perversa mulheres, idosos e crianças, com requintes de crueldade.

Há um capítulo onde denuncia que junto à fábrica de munições construída por Israel está o maior centro de extermínio da Guatemala. Conte um pouco sobre isso.

As organizações de direitos humanos receberam a informação de que próximo à fábrica de munições de Cobán, localizada no centro de detenção e execução clandestino em Alta Vera Paz, onde funcionava uma base militar, “havia possivelmente duas pessoas enterradas”. A partir daí, entre 2012 e 2015, feitas as exumações pela Fundação de Antropologia Forense de Guatemala (FAFG), foram encontradas 565 ossaturas em quatro fossas. Pessoas que após terem sido torturadas, haviam sido enterradas ali entre 1981 e 1988. Pelo menos 90 eram crianças e adolescentes. As provas estão ali, incontestáveis.

Entrevistamos o coordenador da Associação de Familiares de Detidos e Desaparecidos da Guatemala (Famdegua), Paulo Estrada, que acompanhou tudo de perto e é alguém de muita responsabilidade. Filho de Otto René e sobrinho de Julio Alberto Estrada, ambos “capturados e sumidos” pelo Estado guatemalteco em 1984, Paulo sobrevive sem residência fixa por questões de segurança e para manter acesas as denúncias dos crimes de lesa-humanidade, acompanhando os processos nos tribunais internacionais. Arqueólogo empenhado em lutar para fazer justiça às vítimas e a seus familiares, busca trazer à tona não apenas as provas dos crimes, mas seus financiadores, os que para entregar seu país às transnacionais se beneficiaram e continuam lucrando com a dor e o sangue alheios. É neste contexto que aparece num gigantesco e reluzente outdoor o nome do Estado terrorista de Israel.
 
PRAVDA: E vamos para mais de 12 mil quilômetros dali. Qual é a maior lembrança que trazes da Palestina?

Leonardo Wexell Severo: São tantas recordações intensas de Gaza e da Cisjordânia que mal dá para quantificar, mas sem dúvida foi o encontro com o presidente Yasser Arafat, fundador da Organização para Libertação da Palestina – OLP. Guardo esta foto comigo em dois lugares da casa e faço questão de editar nos meus livros, por conta do sorriso registrado daquele generoso líder. Acho que ele sentiu o quanto significou para o meu passado, e quanto continuaria impulsionando o meu presente e futuro. Sem palavras.

Mas há coisas também extremamente dolorosas, como as crianças palestinas que jogaram pedras nos tanques de Israel e que foram vítimas de balas de aço revestidas com borracha. Dos tiros dados por fuzis com mira telescópica ”para não matar, mas apenas cegar”. Um nível de desumanidade do sionismo que vem das trevas. Lembro também a tristeza da esposa que ficou viúva no primeiro dia após o casamento, pois um tanque invadiu sua aldeia e o soldado executou seu marido, que protestava atirando pedras. O convite do casamento, colorido e cheio de vida, permanecia ali, pintado na parede externa da casa, chamando os vizinhos. Uma dor só.

Também trago comigo a foto do pequeno Tarek, de apenas 11 anos, que fez o V da vitória, com o braço estilhaçado por balas de fuzil. Afinal, como ousou levantar a mão e jogar pedras em um tanque? A seu lado no hospital, o pai olhava com admiração a determinação do filho em continuar com o ato simbólico de expulsão do invasor. Um gesto altivo, tantas vezes repetido como odiado e temido pelos agressores israelenses, que revelava a persistência da insubmissão.
 
PRAVDA: Qual é a tua mensagem para o povo palestino?

Leonardo Wexell Severo: Em meio a tanta morte e destruição, vocês palestinos são um exemplo para as nossas presentes e futuras gerações, porque é a Humanidade que está em jogo. Ninguém esquecerá jamais os horrores de Gaza que, diferente do campo de concentração de Auschwitz, está sendo televisionada e com direito a interpretações mirabolantes de “profissionais de imprensa”, verdadeiros capachos do império e dos nazi-israelenses quando justificam e aplaudem o genocídio.

Levo em conta, me inspiro e inclusive cito no meu livro a música Pedrada, do brasileiro Chico César: “Cães danados do fascismo babam e arreganham os dentes, sai do ovo a serpente, fruto podre do cinismo, para oprimir as gentes, nos manter no escravismo, pra nos empurrar no abismo e nos triturar com os dentes. Mas nós temos a pedrada pra jogar, a bola incendiária está no ar (vai voar), fogo nos fascistas. Fogo, já!”.

Que continuemos sempre juntos, irmanados com a causa palestina para construir um mundo novo, do tamanho dos nossos sonhos. Até a vitória. Sempre!

Amyra El Khalili é professora economista palestino-brasileira e editora das redes Movimento Mulheres pela Paz na Palestina e Aliança RECOs – Aliança de Redes de Cooperação Comunitária desde o Sul Global.