Por Altamiro Borges
Com a tresloucada partidarização da Folha de S.Paulo, a ombudsman Vera Guimarães Martins está tendo muitas dores de cabeça. Toda semana, a jornalista aponta um “erro” do diário. Ela não explicita os motivos de tantos “erros”, mas sabe que eles decorrem dos interesses políticos e econômico-comerciais da famiglia Frias. Neste domingo (6), por exemplo, ela criticou a estranha operação do site do jornal, que retirou um vídeo sobre as ocupações das escolas em São Paulo. Mesmo se esforçando para ser “neutra”, a ombudsman estranhou os “dois tropeços na mesma pedra” do veículo que lhe garante emprego.
“Não deixa de ser um feito: a Folha conseguiu tropeçar duas vezes na mesma pedra ao publicar e depois suspender um vídeo da ‘TV Folha’ sobre adolescentes que ocuparam escolas estaduais, em protesto contra a reorganização educacional do governo Geraldo Alckmin. A topada inicial passou batida, o que não chega a surpreender: o conteúdo era desequilibrado, mas para o ‘lado certo’, o dos simpatizantes do movimento estudantil, que predominam nas redes sociais. Ninguém escreveu em protesto contra a abordagem acrítica e enviesada… Como sabe o leitor, no entanto, publicação de conteúdo desequilibrado está longe de ser exceção – e é isso o que torna mais problemático o segundo tropeção: a Redação decidiu suspender o vídeo e refazer a apuração ‘para enquadrá-la nos princípios editoriais do jornal’, atropelando a premissa que tem norteado a filosofia do digital, a de não retirar conteúdo publicado”.
Aparentando certa ingenuidade, a ombudsman questiona a evidente censura – sem explicitar esta conclusão tão dura. “A decisão foi ruim, e o ‘timing’, pior: a retirada se deu na manhã de terça (1º), dia em que Alckmin veio almoçar na Folha. Foi a deixa para eclodir a teoria conspiratória de que a decisão havia sido tomada por pressão política. Era elementar que isso iria acontecer. Não me ocupo, porém, com a histeria de redes sociais e blogs patrocinados”, afirma de forma provocativa, esquecendo-se que o seu salário é bancado por inúmeros “patrocínios”, benesses e publicidades do governo tucano de São Paulo. Apesar da provocação gratuita (ou paga?), ela questiona a censura – sem dar este nome – do veículo que garante seu emprego:
“Perguntei sobre as consequências da decisão na imagem do jornal: a retirada não era mais perniciosa do que a manutenção do conteúdo inadequado? Resposta: ‘Não foi a avaliação da Secretaria de Redação. O objetivo do jornal é sempre melhorar seu conteúdo. Na versão impressa, muitas vezes uma reportagem que saiu na edição nacional é melhorada para a edição SP ou mesmo derrubada. No caso em questão, o vídeo foi retirado do ar, melhorado e recolocado no ar dois dias depois’. Mas a coincidência entre a visita de Alckmin e a retirada não poderia denotar aos leitores uma subordinação à alguma pressão política? Aí a resposta veio menos serena. ‘Espera-se que a ombudsman esteja se referindo aos comentários mentirosos das redes sociais e não esteja insinuando que uma coisa tenha algo a ver com a outra. Seria desconhecer décadas de conduta editorial da Folha, que não cede a pressões’”.
Revoltada com a resposta deselegante – para não dizer mentirosa –, Vera Guimarães Martins decidiu chutar o balde, num lapso de autêntica independência e coragem: “A ombudsman não insinua nada, senhores. Ela cumpre o seu papel encaminhando à direção do jornal as dúvidas manifestadas pelos leitores, cujo teor, vale ressaltar, a Secretaria de Redação conhece perfeitamente, porque recebe cópia de cada mensagem. Lembro ainda que não é a mim que o jornal está respondendo ou dando explicações aqui, mas ao seu leitorado e à opinião pública”. Pelo teor da reação, parece que a situação anda azeda na redação da Folha – que demite funcionários, paga míseros salários, não garante os direitos trabalhistas e ainda pratica o pior tipo de assédio moral.
No final de novembro, a ombudsman já havia questionado a cobertura do jornal sobre o crime praticado pelas mineradoras em Minas Gerais num artigo com ótimo título: “Quanto vale a lama de Mariana?”. Ela insinuou – apesar de “não insinuar nada” – que o jornal protegeu os seus milionários anunciantes. “Dos três grandes diários nacionais, a Folha foi o que deu menos espaço ao desastre e o menor destaque na ‘Primeira Página’ – em quatro edições, a capa simplesmente ignorou o assunto, embora a jornada da lama avançasse dia a dia… No primeiro dia, só a Folha deixou de mencionar que a empresa Samarco é controlada pela brasileira Vale e a inglesa BPH Billiton. A omissão mais a cobertura criticada foram o mote para que alguns leitores especulassem se o jornal não estava tentando poupar a Vale, um dos maiores anunciantes do país”.
A lista de “erros” da Folha é imensa, o que dá um bocado de trabalho para a sua ombudsman, mesmo ela se esforçando para defender a “neutralidade e a imparcialidade” do jornal, que não tem o rabo preso com ninguém – garante a falsa propaganda do veículo. A sorte dela é que alguns dos injustiçados pela cobertura distorcida do veículo ainda tem meios para se defender. É o caso do presidente do BNDES, Luciano Coutinho, que conseguiu cavar um espaço – talvez sob a ameaça de acionar a civilizatória lei do direito de resposta recentemente aprovada – para desmascarar as mentiras do panfleto da famiglia Frias. Vera Guimarães Martins nem precisou criticar mais este “errinho” da Folha. Confira abaixo a resposta dada pela própria vítima destas manipulações tão comuns:
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A Folha errou
Luciano Coutinho – Folha de S.Paulo, 29 de novembro de 2015
No primeiro dia deste mês, a manchete desta Folha foi a reportagem “BNDES suavizou exigências para socorrer amigo de Lula”, na qual o jornal afirma que o banco contornou norma interna que impediria conceder empréstimos para empresa cuja falência tenha sido requerida.
A matéria insinua que o objetivo seria dar tratamento privilegiado à empresa São Fernando Energia e a seu acionista José Carlos Bumlai por conta de uma suposta relação com o ex-presidente Lula.
Não houve nenhuma flexibilização de normas internas do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social). A operação referida pela Folha foi feita na modalidade indireta, em que o BNDES atua em parceria com bancos credenciados.
Nesse caso, a análise do crédito e o risco de inadimplemento (pagar os valores devidos caso o mutuário não o faça) são assumidos pelos agentes repassadores, que foram BTG e Banco do Brasil. Em particular, cabem aos agentes atestar que fizeram a análise cadastral, o que incluiu identificar e avaliar processos judiciais e apontamentos que ameacem a solvência do postulante final.
O jornal tentou fazer crer que a operação seria irregular em razão da suposta existência de uma norma interna que vedaria financiar uma pessoa jurídica contra a qual exista um pedido de falência. O normativo em questão, contudo, tem sua finalidade ligada intimamente à etapa de análise de crédito, que, repita-se, nas operações indiretas não cabe ao BNDES, mas aos repassadores da operação.
A Folha não tinha nenhum indício de que teria havido tráfico de influência, mas tentou por dias encontrar algo atípico na operação. Não encontrou nada, mas nem assim deixou de levar sua insinuação à frente.
O jornal também ignorou o contexto em que os financiamentos ao grupo ocorreram. O primeiro, em 2008, aconteceu em um período de crescimento do setor, quando o BNDES e outras instituições financeiras apoiaram dezenas de empreendimentos semelhantes.
Nas operações da São Fernando Açúcar e Álcool, todos os procedimentos foram observados, as devidas garantias exigidas, o rating e o cadastro da empresa eram bons. O projeto foi concluído.
Em 2012, o financiamento indireto à São Fernando Energia ocorreu como parte da reestruturação do grupo, o que melhorou a posição de crédito do BNDES. Quando a empresa deixou de honrar com sua recuperação judicial, o banco não hesitou em pedir sua falência.
O erro da Folha foi grave, pois lançou uma suspeição indevida sobre o BNDES, que se espalha nas redes sociais e contribuiu para associar o nome do banco a operações policiais.
Para ser aprovado, um financiamento no BNDES passa pela avaliação de pelo menos duas equipes de análise e dois órgãos colegiados, num processo que envolve mais de 50 pessoas. Ingerências impróprias são virtualmente impossíveis.
O banco tentou em vão por 25 dias obter uma retratação da Folha. A concessão foi abrir este espaço de artigos, que não tem o mesmo impacto de uma manchete de domingo.
Embora a nova Lei de Direito de Resposta seja um avanço, optamos por não nos valer de seus mecanismos judiciais para reestabelecer mais rapidamente os fatos para os leitores.
O BNDES não teme o debate e nem ser avaliado por suas opções estratégicas. Mas as informações precisam ser fidedignas para que a discussão seja justa.
LUCIANO COUTINHO, 69, economista e professor da Unicamp, é presidente do BNDES – Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social.
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