A possibilidade de que os movimentos sociais tenham liberdade para falar diretamente à população por meio da TV aberta pode ser uma realidade a médio prazo, no Brasil. Na última segunda-feira (20), o Ministério das Comunicações aprovou o pedido do Instituto de Radiodifusão Educativa da Bahia (Irdeb) para operar o Canal da Cidadania. Com a medida, a cidade de Salvador terá reservado, na TV aberta, espaço para duas emissoras não-comerciais dirigidas pela sociedade civil.
Por Bruno Marinoni, publicado no Observatório do Direito à Comunicação
O desafio para a concretização dessas emissoras, no entanto, é ainda muito grande. Embora esteja previsto na norma regulamentar do Canal da Cidadania que “o Ministério das Comunicações selecionará para este fim (operar duas faixas de programação) duas associações comunitárias por município e três no Distrito Federal”, montar uma emissora de televisão aberta e garantir sua gestão democrática é algo que pode ser considerado inédito no país, apesar dos esforços que já foram feito nesse sentido.
No Brasil, as TVs comunitárias foram relegadas ao ostracismo (para utilizar um eufemismo) pelos interesses comerciais que pressionaram as tentativas de regulamentação desse segmento. Sem condições para se financiar razoavelmente, em um cenário em que a produção audiovisual independente sempre andou mal das pernas, capturadas por interesses individuais ou eleitoreiros que sufocam a democracia em suas gestões e restritas às transmissões por meio de TV por assinatura, dificilmente essas TVs puderam exercer sua dimensão comunitária de fato.
Agora, o Canal da Cidadania abre espaço para que as emissoras comunitárias possam ser sintonizadas na TV aberta e para que sejam formados conselhos participativos que discutam o conteúdo e a gestão dessas TVs. Além disso, a produção audiovisual independente tem crescido no país e as novas tecnologias têm favorecido a ampliação do número de produtores, alguns fundos públicos já prevêem recursos a serem aplicados no setor direta ou indiretamente (como a Condecine, por exemplo).
O papel da sociedade civil
Apesar das possibilidades inscritas na implementação do Canal da Cidadania, duas questões precisam ser enfrentadas: a grande dependência da iniciativa do poder público e a necessidade de que a sociedade civil compreenda a importância do espaço e se mobiliza para ocupá-lo.
A outorga para que o serviço seja operado é dada a órgãos das prefeituras ou dos governos estaduais, que devem ocupar uma das quatro ou cinco faixas de programação suportadas pelo canal (grosso modo, cada faixa de programação equivale a uma emissora). As duas emissoras comunitárias, para operarem no Canal da Cidadania, dependem do pedido de concessão pelo poder público, da instalação dos conselhos locais de comunicação (costumeiramente rejeitados pelas forças políticas influenciadas pelos empresários de mídia), da instalação dos equipamentos de transmissão pelo órgão responsável e dos avisos de habilitação publicados pelo Ministério das Comunicações.
No caso de Salvador, por exemplo, o pedido foi feito pela TV Educativa do governo do estado e não houve conversa com a sociedade civil. Já no Rio de Janeiro, o processo todo tem acontecido por pressão da Frente Ampla pela Liberdade de Expressão (Fale-Rio), que tem levantado a bandeira da importância de ocupar esse espaço. No dia 13 de janeiro, a Câmara dos Vereadores autorizou a prefeitura (que já fez a solicitação da outorga) a dispor do orçamento para instalar o Canal da Cidadania e o conselho municipal.
A lista de pedidos de outorga do Canal da Cidadania disponibilizada pelo site do Ministério das Comunicações, ainda que incompleta (Salvador não consta na lista), contabiliza apenas 149 de um total de 5.570 municípios brasileiros. É muito pouco. Talvez por desconhecimento, talvez por descrença. O fato é que os movimentos sociais ainda não abraçaram a ideia do Canal da Cidadania e, com isso, poderemos perder a chance de ter um veículo de comunicação com a população que não seja orientado pela busca do lucro ou pelo discurso oficial.