O presidente da Câmara dos Deputados, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), anunciou, na última quarta-feira (12), que, a pedido dos ministros da Justiça, José Eduardo Cardoso, e da Casa Civil, Aloizio Mercadante, retirou o Marco Civil da Internet da pauta desta semana. “Eu ouvi o apelo do ministro Aloizio Mercadante e do ministro José Eduardo Cardozo, que pediram mais uma semana para se chegar a um acordo para que o texto aprovado seja acordado por toda a Câmara dos Deputados”, disse Alves.
Por Rede Brasil Atual
Cartum por Carlos Latuff
O governo Dilma Rousseff passou a temer ser derrotado numa questão importante em meio à movimentação do líder do PMDB, Eduardo Cunha (RJ), para impor problemas ao Palácio do Planalto. Ontem, Cunha conseguiu a convocação de quatro ministros e a aprovação de convites a outros seis, num recado ao Executivo. Na véspera, ele e outros partidos da base aliada derrotaram o PT em plenário e conseguiram aval para criar uma comissão de investigação sobre a Petrobras.
De quebra, Cunha é, desde o ano passado, o principal opositor do Marco Civil da Internet. Ele defende mudanças que imponham discriminação de usuários de acordo com tipo de conteúdo acessado e com o pacote de internet que possam contratar, uma proposta que encampa os anseios das empresas de telecomunicações.
O novo adiamento da votação representa um atraso cada vez maior para uma questão central ao governo Dilma, que decidiu que a matéria deveria tramitar em caráter de urgência após as denúncias de que os Estados Unidos espionaram a presidenta e empresas públicas. O projeto que regulamenta a internet brasileira é o primeiro da fila de votações desde a reabertura do Congresso Nacional, em janeiro.
O líder do PT na Câmara, Vicente de Paulo Silva, o Vicentinho, admite que as relações conturbadas entre o partido e a base aliada (PMDB, PR, PTB e PSC) estão atrapalhando o andamento da pauta, mas acredita que o projeto possa ser votado ainda nesta semana. “Estamos recomendando não votar tendo em vista a situação que estamos vivendo agora”, disse ontem. A crise teve início há duas semanas, quando Cunha passou a cobrar mais um ministério para o PMDB, que já conta com cinco. De lá para cá, publicamente houve troca de farpas entre líderes das duas siglas, e Dilma teria trabalhado para isolar Cunha dentro de seu partido.
Movimentos sociais que defendem a criação do Marco Civil temem que a disputa política entre os parlamentares se sobreponha à qualidade do debate. Para a integrante do Coletivo Intervozes Bia Barbosa, os deputados estão ignorando a vontade popular. “A bancada de oposição da direita entende que derrotar o projeto seria derrotar o governo. A base aliada, que está insatisfeita com certas posturas do governo e com o tratamento que recebe, entende que se não votar o Marco Civil pode barganhar a liberação das suas emendas”, lamenta.
Ontem, discursando em plenário, o relator Alessandro Molon afirmou que a intenção dos que se opõem a seu texto é garantir uma internet com pacotes de diferentes níveis de direito de acordo com a capacidade de pagamento. “Quando decidirmos quando será o momento oportuno para o debate, o Congresso terá de decidir se ficará do lado de 100 milhões de pessoas ou contra elas, a favor da internet livre e neutra ou contra ela. Derrotar o marco civil e aprovar emenda aglutinativa é tirar de 100 milhões de brasileiros o direito à internet.”
Ele disse que seu projeto “incorporou propostas de toda a sociedade” e citou PSDB, DEM, PPS e Solidariedade, que deram soluções “que incorporei ao relatório”. Molon apelou ao Congresso que, no momento oportuno, discuta a proposta com “grandeza para votar um projeto decisivo para o futuro do Brasil, e não votar uma vingança política mesquinha contra 100 milhões de internautas”.
O Marco Civil da Internet estabelece os princípios de liberdade de expressão online, o sigilo da segurança dos usuários e a neutralidade da rede, que garante que todas as informações que trafegam pela internet sejam tratadas da mesma forma sem que cada serviço ou produto seja negociado com valores ou pacotes diferentes. Este último ponto causa divergência e representantes dos interesses de empresas de telecomunicações buscam retirá-lo do texto. Entretanto, após negociação com parlamentares, Molon garantiu que a neutralidade será mantida.
Desde a formulação do projeto de lei, em 2009, e de sua apresentação à Câmara, em 2011, já foram colhidas mais de 1 milhão de assinaturas para sua aprovação. Nesta semana, o ex-ministro da Cultura Gilberto Gil (PV) divulgou um apelo aos internautas para que se manifestem contra o “lobby irresponsável de um punhado de empresas” que se opõem ao princípio de neutralidade da rede. A carta foi anexada a uma petição pública da plataforma de campanhas online Avaaz e já recebeu 304 mil assinaturas.
“O poderoso lobby das empresas de telecomunicações está influenciando nossos políticos para que transformem a internet em uma espécie de TV a cabo, em que se poderia cobrar a mais para podermos assistir a vídeos, ouvir música ou acessar informações. A votação será apertada, mas uma grande mobilização pública pode convencer os deputados de que suas reeleições dependem desse voto”, afirmou Gil.
*Foto: Gustavo Lima/Câmara dos Deputados