22 de novembro de 2024

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Aula de (anti) jornalismo: assim o New York Times manipula

 

O New York Times é um jornal tão importante que até o linguista Noam Chomsky lamentou, num artigo escrito há alguns meses, seu declínio. Autor da expressão “consenso fabricado” (veja vídeo), crítico ácido do papel da imprensa no que vê como uma construção social de mentiras, Chomsky ressalvava que, apesar disso, os jornais desempenharam, em décadas passadas, um papel importante, ao tornarem conhecidos fatos de relevância mundial, que de outra forma passariam despercebidos. O NYTimes, que tem dezenas de ótimos repórteres espalhados pelo planeta, era um dos símbolos desta capacidade de cobertura.

Por Antonio Martins, no Outras Palavras

Mas a decadência a que se entrega pode ser enxergada facilmente hoje, em três curtos textos — que parecem imitar as piores práticas dos “jornalões” brasileiros. Todos estão relacionados ao fato mais importante da semana: a derrubada, ontem (17/7) de um avião malaio, com 298 passageiros, na Ucrânia. Esta manhã, o presidente dos EUA fez pronunciamento em que atribuiu a destruição da aeronave a rebeldes ucranianos; e acusou a Rússia de armá-los. Barack Obama não apresentou uma única evidência a respeito. Nisso, equipara-se a George W Bush, quando acusou o Iraque, em 2003, de possuir “armas de destruição em massa”, preparando sua invasão. Mas aqui entra a mídia, na “fabricação de consensos”.

 

Leia, na capa do NYT, edição digital, de hoje uma chamada: Rússia isolada em meio a furor internacional / Líderes mundiais exigem investigação independente”. Ou seja, Obama está “abafando”: o mundo (“em furor”…) compra sua ideia de que Moscou tem responsabilidade no atentando e quer esconder os fatos (por isso, a necessária “investigação independente”).

Experimente, agora, acessar a mesma matéria. Logo no título, você terá uma primeira surpresa. A Rússia e Putin já não estão “isolados”. O sentimento dos “lideres mundiais” é uma combinação de “raiva” com “pedidos de investigação sobre a queda do avião na Ucrânia”. Substancial mudança, não?

Mas o mais interessante vem no primeiro parágrafo. Ei-lo, em português: “LONDRES — Enraivecidos e consternados pela derrubada de um avião malaio sobre a Ucrânia, os líderes europeus especulam, nesta sexta, sobre alguma forma de resposta conjunta à tragédia; mas além de apelos por um inquérito internacional, eles mostraram poucos sinais de que estejam dispostos a seguir imediatamente os Estados Unidos, e impor sanções mais duras à Rússia”. Confira:

Ou seja: a manchete de capa — aquela que a esmagadora maioria do público realmente lê – não é apenas imprecisa. Ela diz o oposto do texto que deveria resumir. Não é a Rússia quem está isolada: são os Estados Unidos. Nem os europeus, seus aliados mais próximos, estão, no momento, dispostos a seguir Washington nas sanções contra Moscou.

Ao longo do texto, outras verdades aparecerão, aos poucos: a) em relação à Ucrânia, a chanceler alemã, Angela Merkel, diz de modo claro que prefere “uma solução política, ainda que difícil”, às sanções contra a Rússia. Ou seja, ela, assim como a Russia (e ao contrário dos Estados Unidos), defende levar o governo de Kiev e os separatistas de Donetsk à mesa de negociações; b) o presidente russo, Vladimir Putin, não está contra uma investigação internacional (como dá a entender a capa do NYT): ele “pediu, na sexta-feira um ‘inquérito duro e não-enviezado’ sobre o desastre”….

Os três repórteres destacados para a cobertura do fato não mentiram. Mas 90% dos leitores receberam, do jornal em que acreditam, uma informação absolutamente falsa, e 100% fabricada para servir aos interesses da Casa Branca.

Em vista disso, torna-se quase obrigatório fazer, sobre a derrubada do avião malaio, certas perguntas. A quem interessaria manipular de forma tão grotesca os fatos? Aos que desejam investigar a fundo as causas da tragédia? Ou a quem queira enevoá-la por trás de um manto de nacionalismo e preconceito?