22 de novembro de 2024

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O Brasil Privatizado: Faltam Aloysios no jornalismo, dizem colegas em relançamento da obra

O jornalismo investigativo econômico vai de mal a pior. Faltam profissionais que se engajem em reportagens de fôlego e que traduzam de forma clara, em uma linguagem popular, os números da economia do país e do mundo. Esse era o trabalho que o jornalista Aloysio Biondi fazia cotidianamente e com maestria até os últimos dias de vida. Morreu em 21 de julho de 2000, após um infarto, deixando órfãos seus leitores do Diário Popular, revista “Bundas” e “Caros Amigos”, veículos com os quais colaborava na ocasião.

Por Deborah Moreira, para o SEESP

 

Foto: Ariovaldo Santos/AJB/“Brasil Digital"/Projeto Brasil de Aloysio Biondi

 

 

A vida e obra do profissional foi lembrada com bastante emoção na noite de segunda-feira (15/9), no auditório do Sindicato dos Engenheiros no Estado de São Paulo (SEESP), durante o relançamento de uma de suas obras “O Brasil Privatizado” (R$ 29,99), lançada pela primeira vez em 1999, pela Editora Perseu Abramo, e agora pela Geração Editorial.

Durante o evento, promovido pela editora e pelo Centro de Estudos de Mídia Alternativa Barão de Itararé, era esperado um debate entre os jornalistas Janio de Freitas, colunista da Folha de S.Paulo, Amaury Ribeiro Jr., autor de A Privataria Tucana, e o economista Luiz Gonzaga Belluzzo, professor da Unicamp. No entanto, por uma infeliz coincidência, todos os convidados não puderam estar presentes.

Mas, como o assunto da obra é atual e o legado do autor permanece vivo nas publicações que deixou e na memória dos que fizeram questão de estar presentes, não foi difícil improvisar uma nova configuração para a atividade. Antonio Biondi, jornalista e filho do colunista econômico; Renata Mielli, do Barão de Itararé; e Willian Novaes, diretor da Geração; fizeram falas iniciais curtas, mas fortes à altura de Biondi.

Seu filho, além de comentar sobre a nova edição do livro, que conta com apresentação de Jânio de Freitas e prefácio do jornalista Amaury Ribeiro Jr., deu uma boa notícia aos presentes. “Hoje mesmo tivemos hoje uma notícia muito boa do projeto, o Brasil de Aloysio Biondi, que, em plena greve da Unicamp, o Centro de Documentação Alexandre Eulálio que é o espaço que doamos os arquivos do Biondi, e a equipe do Cedae concluiu a preparação dos documentos para disponibiliza-los ao público em geral”, disse.

São milhares de documentos jornalísticos, reunidos em 44 anos de vida dedicada ao jornalismo, com estudos e anotações do profissional, que ficaram empilhados durante anos em sua casa. Agora, eles estão acondicionados devidamente, com ambiente climatizado. “Os documentos estão todos salvos e preservados definitivamente e disponíveis ao público”, completou Antonio Biondi.

Seu pai não foi somente um mestre do jornalismo prático, do dia a dia, mas também em sala de aula. Nos dois últimos anos de vida, ele deu aula para estudantes de jornalismo da Faculdade de comunicação Cásper Líbero, quando, nas palavras de Sergio Gomes, diretor da OBORÉ e um dos coordenadores do projeto “Repórter do Futuro”, “fez as pazes com a juventude”.

“O fato dele ter sido severo, sobretudo com a juventude nas redações, ele tinha uma grande dificuldade em reconhecer que as pessoas tinha afeição por ele, que gostavam dele. Isso mudou de alguma maneira durante aqueles dois anos em que ele foi o principal professor da Casper Libero e finalmente a juventude o descobriu e ele descobriu a juventude. E durante aqueles dois anos ele era um homem feliz e amado”, disse Sérgio Gomes, conhecido no meio jornalístico como Serjão, que foi algum dos convidados presentes que deu seu testemunho. “O Aloysio era, sobretudo, um sujeito que tinha razão porque ele sabia o que os números significavam. E estão faltando aloysios no jornalismo”, completou Serjão que trabalhou com Biondi com quem também teve uma convivência muito próxima.

Com a presença na plateia da filha Bia e da viúva Ângela, artista plástica, outras pessoas que conviveram com o jornalista deram seus depoimentos, lembrando de seu lado humano e ético. “Ele lia editais de licitações, diário oficial. Quando faltavam informações ele ia às Juntas Comerciais para saber quantos pedidos de falência estavam em andamento, no Serasa para saber o quanto as pessoas estavam se endividando. Estava se desenhando no país uma situação que só não via quem não queria. E realmente a imprensa comercial naquela época não queria que isso fosse visto. E as portas das redações começaram a se fechar pra ele”, recordou o jornalista Paulo Donizete, editor da Revista do Brasil, que trabalhou na Revista dos Bancários.

O jornalista Audálio Dantas, que também deu seu depoimento, lembrou que o colega e amigo sempre recomendava que o jornalista não deve ser um sujeito arrogante como alguns são: “Mas ser um sujeito capaz de andar de ônibus. Não apenas para economizar alguns trocados, mas andar de ônibus para sentir e saber o que é que o povo está sentindo. Era um sujeito que pensava o Brasil e pensar o Brasil naquela ocasião era difícil porque já vinha uma onda de maneira fortíssima de cima para baixo no sentido de que o Estado não deve se meter”.

O pensamento de Aloysio Biondi era justamente o contrário. Ele defendia que o Estado tinha o dever de tomar as iniciativas para promover o desenvolvimento econômico do País. E não era uma defesa simplista e panfletária. Biondi tinha propriedade no que pensava e escrevia. Ele tinha convicção de que o que estava em curso na década de 1990 era um desmonte do patrimônio público, vendido “a preços de banana”.

“À primeira vista, a pressa do governo (em privatizar) teria até uma explicação. Desde maio de 1998, os banqueiros e investidores internacionais já estavam fugindo, cortando o crédito, do Brasil, e o real caminhava para a desvalorização. Os leilões da Telebrás, a toque de caixa, eram uma forma de captar dólares e reais, mesmo que em quantidades abaixo do preço justo, e permitir que o governo mantivesse a ilusão do real até a reeleição. Prevaleceu a política de vender as estatais a preços de banana, com a “torra” de um patrimônio de 120 bilhões de reais. Mas o preço baixo da Telebrás não foi uma exceção”, diz um dos trechos da obra, que é referência até hoje.

Como bem lembrou Willian Novaes, da Geração, o livro foi fonte fundamental para o trabalho de apuração dos jornalistas como Amaury Ribeiro Jr, que publicou A Privataria Tucana, e Palmério Dória, autor de “O Príncipe da Privataria”, presente na plateia e que também deu seu testemunho. “Queria ter tido a oportunidade de ter sido amigo do Biondi, ter convivido mais com ele”, afirmou.