Por Luciano Martins Costa*, para o Observatório da Imprensa
A Folha de S. Paulo e o jornalista Fernando Rodrigues, do UOL, venceram a ação movida contra a Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República (Secom), e o jornal paulista publica na edição de quarta-feira (17/12) reportagem sobre a evolução dos gastos do governo federal e empresas estatais com publicidade (ver aqui).
O tema é motivo de polêmica, não apenas pela falta de transparência na destinação desses recursos, mas também pelo questionamento da validade da propaganda oficial. Com a decisão do Superior Tribunal de Justiça, a Secom é obrigada a abrir suas contas, e o público fica sabendo que o orçamento de comunicação do Executivo e das empresas que controla teve aumentos quase ininterruptos desde o ano 2000, período alcançado pelo levantamento.
Há uma explicação simples e convincente para alguns números: nesse período, cresceu o protagonismo de instituições como o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal, que se tornaram grandes concorrentes no mercado de crédito. O que alimenta as polêmicas é o gasto do próprio governo com publicidade, e o critério para a distribuição das verbas.
Oficialmente, a Secretaria de Comunicação Social justifica a partilha de recursos com o conceito de maior audiência, o que explica o maior volume de dinheiro destinado à Rede Globo de Televisão. Nos últimos 14 anos, a Globo recebeu R$ 4,2 bilhões dos cofres públicos. Em seguida, vêm a TV Record, com R$ 1,3 bilhão, o SBT, com R$ 1,2 bilhão, e a Band, com R$ 1 bilhão.
No grupo das empresas de mídia que não possuem emissoras de televisão como seu principal negócio, a Abril Comunicações, que edita a revista Veja, recebeu R$ 298 milhões nesse período, seguindo-se a empresa Folha da Manhã, que edita a Folha de S.Paulo, com R$ 206 milhões, e o Estado de S.Paulo, que recebeu R$ 188 milhões nesses 14 anos.
Apesar de a Secom não divulgar as quantias destinadas a cada veículo, pode-se observar que a verba para a mídia regional é pequena e que o total pago aos chamados “alternativos” não passa de 2% do que foi entregue nesse período a grandes empresas.
Claramente, essa política favorece a concentração do setor.
Uma questão polêmica
A principal mudança observada na política de comunicação do governo federal, no período mais recente, é a ampliação do número de veículos beneficiados e a maior diluição das verbas, apesar de os grandes grupos concentrarem o grosso do dinheiro. A Secom se refere a mais de 10 mil empresas, mas não especifica setores nem as regiões onde atuam. A quantidade dos destinatários desses recursos praticamente dobrou desde a posse de Dilma Rousseff, mas a concentração continua nas empresas dominantes.
Os maiores anunciantes entre as estatais são a Petrobras, que dispendeu R$ 429 milhões em publicidade em 2013 e R$ 4,6 bilhões desde o ano 2000, seguindo-se a Caixa Econômica Federal, com R$ 420 milhões no ano passado e R$ 4,5 bilhões no longo prazo; o Banco do Brasil, que gastou R$ 353 milhões no ano passado e R$ 4,2 bilhões desde 2000; e os Correios, que investiram em publicidade R$ 204 milhões no ano passado e R$ 1,3 bilhão entre 2000 e 2013. Esses valores não contemplam os patrocínios a projetos esportivos ou culturais.
A reportagem permite desvincular as verbas administradas pelas empresas estatais e os gastos diretos da Presidência da República e ministérios. No ano passado, a verba oficial para propaganda chegou a R$ 2,3 bilhões, sendo que, desse total, as estatais bancaram 64%, e o governo dispendeu o restante, ou seja, R$ 800 milhões.
O relatório da Secom, divulgado pela Folha, é diferente dos levantamentos do Ibope (ver aqui dados de 2013), que apontam números muito superiores porque se baseiam nas tabelas oficiais de preços dos veículos, que costumam dar grandes descontos conforme a fidelidade dos anunciantes.
Uma das questões centrais, não abordada pela Folha, se refere à utilidade do investimento direto da Presidência e seus ministérios em publicidade. Outra questão é o critério de distribuição desses valores.
Em vários grupos de debate, como o Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação, atualmente controlado pela CUT, discute-se a validade de verbas oficiais para a mídia hegemônica, que atua claramente contra as políticas públicas que o governo procura divulgar em sua publicidade. Em outros grupos, o centro do debate é a legitimidade dessa propaganda.
O cenário é curioso: a imprensa ataca o governo, o governo se defende com a propaganda que alimenta o caixa da mídia.
*Luciano Martins Costa integra o Conselho Consultivo do Barão de Itararé