5 de outubro de 2024

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Organizações entregam carta à Dilma sobre acordo com o Facebook

Organizações e ativistas protocolaram uma carta no gabinete da Presidência da República manifestando-se a respeito do possível acordo do governo brasileiro com o Facebook. No documento, os signatários reconhecem que há um grande déficit na oferta de Internet fixa e móvel em países em desenvolvimento, mas criticam o fato de que o projeto do Facebook pode representar uma ameaça à privacidade e à liberdade de expressão.

Confira, abaixo, a íntegra da carta, publicada há exatamente um ano da sanção do Marco Civil da Internet pela presidente Dilma Rousseff. A lei, considerada por especialistas como uma das mais avançadas do mundo para o campo digital, busca garantir justamente os direitos ameaçados pelo acordo.

São Paulo, 23 de Abril de 2015

À Exma.

Presidente da República Federativa do Brasil

Sra. Dilma Roussef

Att.: Carta à Presidente Dilma Roussef sobre o acordo com o Facebook

Exma. Sra. Presidente,

As organizações e indivíduos abaixo assinados vêm por meio desta manifestar sua contribuição ao debate com relação ao recente anúncio realizado por Vossa Excelência durante a 7º Cúpula das Américas sobre o estabelecimento de uma parceria com o Facebook para a implementação do projeto “Internet.org” no Brasil.

Embora estejamos de acordo com o diagnóstico de que há um grande déficit na qualidade e na extensão do acesso à Internet fixa e móvel em países em desenvolvimento como o Brasil, consideramos que este projeto que vem sendo promovido pelo Facebook em diversos países da América Latina, África e Ásia, pode colocar em risco o futuro da sociedade da informação, da economia no meio digital e os direitos que os usuários usufruem na rede, como a privacidade, a liberdade de expressão e a neutralidade da rede.

Pelo que pudemos apurar sobre o projeto, acreditamos que ao prometer acesso gratuito e exclusivo a determinados serviços e aplicativos o Facebook está na verdade limitando o acesso à Internet aos demais serviços existentes na rede e oferecendo aos que têm menos recursos econômicos o acesso a apenas uma parte do que constitui a Internet, o que viola os fundamentos e princípios basilares do Marco Civil da Internet (Lei nº 12965), da Declaração Multissetorial do NETMundial e dos Princípios para a Governança e Uso da Internet no Brasil do CGI.br (RES/2009/003/P), conforme elencamos a seguir:

  • A lei nº 12965 que institui como fundamento do uso da Internet a liberdade de expressão, o reconhecimento da escala mundial da rede, a pluralidade e a diversidade, a abertura e a colaboração, a livre iniciativa, a livre concorrência e a defesa do consumidor (art.2º), assim como reconhece os princípios da proteção da privacidade, a preservação e garantia da neutralidade de rede e a garantia da preservação da natureza participativa da rede (art.3º). Lembramos também que a referida lei estabelece como objetivo do uso da Internet o direito de acesso a todos, o acesso à informação, ao conhecimento, à participação na vida cultural e política, a inovação e a adesão a padrões tecnológicos abertos(art.4º);
  • O Encontro Multissetorial Global sobre o Futuro da Governança da Internet (NETMundial) reconheceu que a Internet é um recurso global que deve ser gerida pelo interesse público, e identificou um conjunto de princípios comuns e valores, dentre os quais gostaríamos de ressaltar o caráter de espaço unificado e não fragmentado, onde datagramas e informação fluam livremente de ponta a ponta independentemente de seu conteúdo legal, a proteção e promoção da diversidade cultural e linguística, a arquitetura aberta e distribuída, preservando o ambiente fértil e inovador, a promoção de padrões abertos consistentes com os direitos humanos e com o desenvolvimento e a inovação na rede, e a preservação de um ambiente favorável à inovação sustentável e à criatividade, reconhecendo o empreendedorismo e o investimento em infraestrutura como condições para a inovação;
  • Os Princípios para a Governança e Uso da Internet do Brasil aprovados pelo CGI.br, o Comitê Multissetorial de Governança da Internet no Brasil, que buscam embasar e orientar ações e decisões com vistas à governança democrática e colaborativa, preservando e estimulando o caráter de criação coletiva da Internet, a universalidade, a diversidade, a inovação, a neutralidade e a padronização e interoperabilidade da rede.

Enfatizamos ainda que essa estratégia do Facebook e de outras grandes empresas, realizada em parceria com as operadoras de telecomunicações, representa uma grave violação da regra da neutralidade quando promove “acesso para todos” sob a máxima “internet grátis”. Esta prática que permite que apenas alguns aplicativos e serviços tenham privilégios na rede é conhecida internacionalmente como zero-rating(taxa zero) e, mesmo que possibilite o uso dos serviços mais populares, no longo prazo acaba gerando concentração da infraestrutura e monopólio sobre o tráfego de dados na rede, reduzindo tanto a disponibilidade de conteúdos, aplicativos e serviços na Internet, quanto a liberdade de escolha do usuário. Com isso, cabe perguntarmos como se espera que o Brasil desenvolva o setor de aplicativos, um dos mercados que mais cresce no mundo, se estes terão limitado seu acesso a grande parte da população.

O modelo proposto pelo projeto Internet.org tem também efeitos desastrosos para o desenvolvimento das culturas regionais, comprometendo o direito de acesso à informação ao violar outro princípio fundamental do Marco Civil e da declaração Multissetorial do NETMundial que é a liberdade de expressão. Em geral, plataformas como Facebook controlam por meio dos seus algorítimos e termos de uso os conteúdos e dados que circulam na rede, determinando de maneira centralizada e de acordo com critérios próprios e pouco transparentes os conteúdos mais visualizados pelos usuários. Tal cenário se agrava se lembrarmos que boa parcela da receita das empresas de Internet e operadoras de telefonia são hoje provenientes da venda de aplicações e conteúdos que acabam sendo fornecidos de forma imposta e verticalizada nos pacotes de serviços. A formação de conglomerados econômicos, devido ao processo de convergência dos meios de comunicação, tem feito com que as empresas que prestam serviços de acesso à Internet sejam as mesmas que fornecem conteúdos, gerando ainda mais concentração. Essa limitação do número de serviços e aplicativos disponíveis resulta no desrespeito ao direito de escolha dos consumidores e à livre concorrência, a limitação da diversidade cultural e o cerceamento do livre fluxo de informações na rede.

Não podemos esquecer ainda que a plataforma tecnológica do Facebook tem sido uma das principais portas para a vigilância em massa, colocando em risco outro importante princípio do Marco Civil e da declaração Multissetorial do NETMundial que é a privacidade dos cidadãos. A ausência de uma lei de proteção de dados no país agrava o problema e faz com que hoje os possíveis usuários dos serviços que serão disponibilizados pelo Internet.org fiquem vulneráveis aos interesses comerciais dessa plataforma e às pressões políticas que uma empresa com sede nos Estados Unidos está sujeita.

É por considerar que a universalização do acesso à Internet se dá a partir de políticas coerentes com a sua essencialidade, o que passa pela prestação do serviço de telecomunicações que lhe dá suporte também em regime público e pelo fortalecimento de políticas já existentes, tais como cidades digitais, provedores comunitários integrados a telecentros, pontos de cultura, GESAC, estações digitais e iniciativas de comunicação comunitária, que nos posicionamos veementemente contra o acesso privilegiado ao mercado e aos dados dos brasileiros que o Facebook pretende obter com seu projeto através do Internet.org. Dentre as excelentes alternativas internacionais que poderiam ser aproveitadas, cabe também mencionar o Plan Ceibal no Uruguai, que busca fomentar as redes livres, o GuifiNet, uma parceria entre sociedade, ONGs e governos, OpenWRT, Commotion Wireless, entre outros.

Por último, vale lembrar que o Brasil possui um enorme contingente de organizações e ativistas que vem atuando na promoção da inclusão digital. Ainda que nas políticas de acesso à banda larga o diálogo entre governo e sociedade civil não tenha se estabelecido de maneira satisfatória como ocorreu no Marco Civil, a aprovação da lei e seu processo de regulamentação são exemplares no incentivo à participação social e na existência de um canal efetivo de interlocução entre ambos os setores. A notícia de uma parceria com a empresa Facebook sem qualquer conhecimento prévio pela sociedade civil, no entanto, diverge da postura democrática, transparente e inclusiva que tem sido adotada nas decisões e discussões relacionadas ao Marco Civil da Internet.

Conforme o exposto acima, concluímos que é de extrema importância que se preserve o desenvolvimento da economia digital e que se garantam os direitos estabelecido pela Marco Civil da Internet assim como os princípios estabelecidos no encontro multissetorial Netmundial. Assim, as entidades ora signatárias requerem:

  1. Que não sejam firmados quaisquer acordos com a empresa Facebook no âmbito da sua iniciativa Internet.org que tenham como objeto o provimento de acesso grátis à Internet; e
  2. Que quaisquer acordos que venham a ser firmados com a empresa Facebook – ou quaisquer outras empresas – respeitem os direitos positivados pelo Marco Civil, em especial o da neutralidade de rede;
  3. Buscar a realização de amplo debate com a sociedade civil antes de fechar acordos desse tipo.

Desde já nos colocamos à disposição para um encontro presencial com Vossa Excelência para debatermos melhor o assunto e certos de sua habitual atenção, subscrevemos.

  • Associação Software Livre do Brasil – ASL
  • Centro de Estudos de Mídia Alternativa Barão de Itararé
  • Co:Laboratório de Desenvolvimento e Participação – COLAB/USP
  • Coletivo Digital
  • Coletivo Soylocoporti
  • Frente Acorda Cultura
  • Hacklab Independência
  • Instituto Bem Estar Brasil
  • Instituto Beta Para Internet e Democracia – IBIDEM
  • Instituto de Defesa do Consumidor – Idec
  • Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social
  • PimentaLab – Unifesp
  • PROTESTE – Associação de Consumidores
  • Recursos Educacionais Abertos Brasil – REA-Br
  • Rede Livre
  • União Latina de Economia Política da Informação, Comunicação e Cultura – ULEPICC-Br