Por Sheila Jacob, para o Núcleo Piratininga de Comunicação
A jornalista Renata Mielli esteve no Rio para o lançamento do livro Direitos negados: um retrato da luta pela democratização da comunicação. A publicação tem como objetivo ampliar o debate sobre o monopólio da mídia e sensibilizar para a importância de se garantir uma pluralidade de vozes nos programas de rádio e televisão. “É necessário romper com a ideia de que discutir regulação da comunicação é praticar censura”, afirmou Renata Mielli, que é secretária-geral do FNDC, do Centro de Estudos Barão de Itararé e é organizadora da obra. Para alterar essa percepção, alcançando o maior número de pessoas possível, os 17 textos reunidos no livro estão em formato de reportagem, com uma linguagem bastante acessível. Além disso, eles focam em situações que fazem parte do cotidiano da população brasileira, mostrando que esse é um assunto que interessa a todos, e não a uma minoria especializada. No Rio, o livro está sendo vendido por R$ 30,00 na Livraria Antonio Gramsci: Rua Alcindo Guanabara, 17, térreo, Cinelândia.
Nessa entrevista ao BoletimNPC, a jornalista fala sobre os objetivos do livro e alguns de seus temas. Ela também apresenta o Projeto de Lei da Mídia Democrática e dá dicas de como os sindicatos e outras entidades podem se envolver mais nessa luta. Também ressalta que a democratização da mídia é fundamental para efetivar a democracia. “Vamos avançar e fortalecer nossa democracia se tivermos um sistema de comunicação que tenha pluralidade, diversidade, com várias visões sobre o Brasil e sobre o mundo circulando na esfera pública”, destacou.
Como surgiu a ideia de fazer esse livro?
2014 foi ano de eleição e, antes do começo oficial das propagandas partidárias, fiquei com uma inquietude: como pautar os temas da comunicação no debate eleitoral? Quando esses assuntos são abordados, é sempre a partir do senso comum imposto pelos grandes meios de comunicação de que qualquer tentativa de regulação é censura. Como fugir dessa armadilha? Como propor uma discussão a partir das várias situações concretas que compõem a luta mais geral pela democratização e com as quais o grande público tem mais afinidade? Surgiu, então, a ideia de fazermos uma série de reportagens para o site do Barão de Itararé. Nossa preocupação foi tratar esses assuntos saindo de uma visão acadêmica dos temas, ou seja, de forma mais simples e menos especializada.
Depois de termos iniciado esse processo, o professor Dênis de Moraes [que é do Departamento de Estudos Culturais e Mídia da UFF e assina o prefácio do livro] enviou um e-mail elogiando a iniciativa e a qualidade das reportagens. Pensamos, então, em desdobrar esse material tão importante. Tiramos alguns aspectos mais datados, referentes especificamente à eleição, e atualizamos com alguns acontecimentos mais recentes. O livro surgiu dessa maneira, com a ideia de tirar esses vários assuntos da invisibilidade e tratá-los a partir de questões que as pessoas pudessem se perceber.
Que questões são essas?
Apresentamos várias. Uma é, por exemplo, o “direito de resposta”. Fomos atrás de casos que tiveram grande notoriedade na mídia. Um deles, o do Padre Júlio Lancelotti, teve notoriedade nacional [acusado de pedofilia, não teve o mesmo espaço na mídia depois de ter sido inocentado. Foi vítima de um “linchamento midiático” que tem consequências até hoje, como mostra a matéria publicada no site do Barão de Itararé]. Ao comentarmos esse e outros casos, as pessoas percebem que há uma grande injustiça. É um direito negado não haver a possibilidade de as pessoas prejudicadas responderem notícias e matérias jornalísticas que faltam com a verdade.
Outro assunto debatido foi a publicidade, algo que atinge as pessoas em seu dia a dia. Até que ponto é certo haver propaganda para crianças? Não é preciso ter limites? A questão da Banda Larga também é um tema que interessa a todos, mas é bem complexo se for tratado de forma técnica. Tentamos abordá-lo a partir do que as pessoas percebem, ou seja, a má qualidade do serviço, a falta de acesso, o alto custo… Outro exemplo: classificação indicativa. Esse é um dispositivo criado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) que indica para que faixa etária a programação é adequada. Além de informar, a adequação está vinculada a um horário de exibição. Pois bem, existe uma ação no STF para acabar com essa vinculação, sob a tese de que isso fere a liberdade de expressão. Ora, isso não interessa às mães, aos pais? Hoje, a maioria das mães são trabalhadoras, não há escola em tempo integral, a TV é uma babá eletrônica… Os trabalhadores não devem se mobilizar quando isso for a voto novamente?
Os movimentos sociais e os sindicatos já perceberam a importância desse tema?
De certa maneira sim. Inclusive este livro só existe porque é apoiado por vários sindicatos – e nenhum ligado à comunicação diretamente. Os trabalhadores e militantes percebem que há uma criminalização do movimento social e que eles não têm espaço para expor seu ponto de vista. Mas acho que isso ainda ocorre na esfera da retórica. Temos que materializar essa luta e, para isso, é necessário apontar para aquilo que está batendo à nossa porta. A ideia desse livro é também essa: subsidiar um amplo leque de ativistas de variadas frentes de atuação, como o movimento sindical, o movimento sem terra, os sem teto, a juventude, que já percebem a necessidade dessa pauta, mas não acompanham com detalhe os vários temas.
Qual o papel do Governo nessa questão?
A gente acompanha bastante o que acontece nos outros países, principalmente nossos vizinhos da América Latina que avançaram com leis que atacam o monopólio das comunicações. Pela experiência deles, vimos que não basta a mobilização social. O Governo precisa comprar esse debate. Não no sentido de ter uma posição fechada do que deve ser feito, mas de abrir para a discussão pública, já que a comunicação interessa a todos e está na vida de todo mundo. É necessário romper com a ideia de que discutir comunicação é praticar censura. Se o Estado não tomar a iniciativa política para fazer essa discussão, será difícil. Em todos os países que aprovaram novas leis de comunicação, houve um protagonismo social e também do Estado. Aqui a gente só tem o primeiro. Claro, há uma série de coisas que precisamos fazer enquanto sociedade, mas precisamos pressionar o Governo para que ele assuma seu papel de liderança política na abertura de um debate que tem relação direta com a democracia brasileira. Vamos avançar e fortalecer nossa democracia se tivermos um sistema de comunicação que tenha pluralidade, diversidade, com várias visões sobre o Brasil e sobre o mundo circulando na esfera pública. O que temos hoje é o contrário disso: apenas um monólogo de um grupo de interesse econômico e político que domina os meios de comunicação no nosso país.
E qual é a perspectiva? Quais os avanços desde 2009, com a realização da Conferência Nacional de Comunicação?
Em 2013, elaboramos um Projeto de Lei de Iniciativa Popular da Mídia Democrática, que propõe uma nova regulação para os meios de comunicação. Inclusive, procuramos mostrar como o PLIP, que está publicado como anexo no livro, apontaria para a solução dos assuntos abordados nos textos ali reunidos. Agora, por ser um projeto de iniciativa popular, precisamos recolher mais de um milhão e quinhentas mil assinaturas, o que é muito difícil. Mas já foi muito positivo, a partir da omissão do Governo, termos enfrentando esse desafio de reunir algumas pessoas para elaborar um novo marco legal mínimo. Saímos de uma ideia mais abstrata para materializar com questões práticas em uma proposta de lei, o que torna mais difícil que nos chamem de “censores”. Desafio qualquer jurista, qualquer um que leia nossa proposta, a mostrar algo que se aproxime de da censura. Muito pelo contrário. Além disso, a partir do Projeto de Lei, realizamos dezenas, centenas de debates no Brasil inteiro sobre o tema, o que sensibilizou mais gente para a importância dessa discussão.
Para além da questão legal, a luta pela democratização da comunicação também passa pela comunicação alternativa, como mídias comunitárias…
Sem dúvida. A cada dia que passa temos visto o surgimento de novos instrumentos de comunicação, desde blogs até coletivos de jornalismo colaborativo. Essas iniciativas estão se multiplicando, como uma resposta à falta de diversidade. Nos últimos 12 anos, esses veículos contra-hegemônicos tiveram papel fundamental para fazer a disputa de narrativas na sociedade. É claro que precisamos fortalecer esses meios, mas não podemos cair em uma visão inocente de que só isso vai surtir efeito. Estamos vivendo um momento de transição de plataformas de comunicação. Por mais que a juventude não se informe mais apenas pela TV nem pelo jornal, ainda assim os grandes meios têm um papel fundamental na formação da opinião pública. Eles podem não ser mais os principais meios de informação, mas são os que gozam de mais credibilidade. Então, temos que fortalecer esse lado da mídia alternativa, mas é fundamental disputarmos o outro, que passa pela questão legal.
Qual a dica que você dá para os sindicatos participarem mais efetivamente da luta pela democratização da mídia?
Há comitês do FNDC em quase todos os estados brasileiros, então o primeiro passo é os sindicatos se articularem nesses espaços. Também precisam incorporar no seu dia a dia essa questão, entendendo e mostrando como será importante para as lutas de sua própria categoria. Por exemplo: estamos vivendo em São Paulo a greve dos professores. Como a Apeoesp poderia aproveitar esse momento para fazer essa discussão, mostrar como os grandes meios de comunicação divulgam a mobilização dos profissionais, sinalizar para a falta da posição dos trabalhadores… Os sindicatos também devem conhecer o PLIP e ajudar na coleta de assinaturas. Se ampliarmos esse movimento, teremos mais poder para alterar a relação de forças que faz com que o governo não enfrente esse debate.
Há também o tema das terceirizações, que deixou bastante evidente a campanha da grande mídia para sua aprovação…
Sem dúvida. Estamos vendo o debate sobre a terceirização, sobre a redução da maioridade sem que a mídia dê espaço para o contraditório. Na verdade, é muito simples demonstrar que não há pluralidade, diversidade. Aqueles que prezam pela democracia e se incomodam com o atraso conservador que ronda nosso país têm que perceber que é urgente enfrentar essa pauta. Assim como uma Reforma Política que amplie a democracia participativa, a democratização da comunicação é estratégica, hoje, para darmos qualquer passo à frente no sentido de garantir um país mais desenvolvido, com inserção social, redução de desigualdades, maior tolerância e maior participação da população.