Por Felipe Bianchi
Se é possível imaginar um cenário pior do que o monopólio da Rede Globo sobre os direitos de transmissão dos jogos de futebol no Brasil, esse cenário era o argentino. No país vizinho, o grupo Clarín não só detinha os direitos de transmissão como proibia os demais veículos de passar sequer os melhores momentos e gols da primeira divisão antes de serem exibidos pelo seu tradicional programa dominical. Além disso, os jogos só eram televisionados em canais pagos, privando milhões de torcedores de acompanhar seus times pela telinha – a não ser que fossem clientes da TV a cabo (outro setor com forte presença do… Clarín).
Em bate-papo com o coletivo Futebol, Mídia e Democracia, Nestor Busso, integrante do Conselho Federal de Comunicações da Argentina, explicou como o país democratizou a transmissão do futebol e como a luta contra esse monopólio pode despertar a sociedade para a importância de que haja democracia, também, nos meios de comunicação.
“Se alguém detém esses direitos, é preciso abrir a possibilidade para que outros possam comprá-los a um preço razoável”, diz Busso. O que o governo fez, conforme relata o argentino, foi comprar os direitos do futebol e lançar o Fútbol Para Todos. “Os direitos pertencem à TV Pública, que passa partidas simultâneas, em diferentes canais, às sextas, sábados, domingos e segundas-feiras” – diferente do Brasil, o último horário dos jogos na Argentina é 21h, sendo que o transporte público ainda está à disposição dos torcedores ao final das partidas.
Conforme explica Busso, o Fútbol Para Todos gerou muito debate na Argentina. “Hoje, tem grande apoio, mas segue questionado, logicamente, pelos grandes grupos econômicos”, avalia. “Creio ser uma demonstração clara de que se pode vencer o monopólio privado dos jogos de futebol, a partir do princípio de que o direito à informação é um direito humano fundamental. Se há um acontecimento de interesse público, ele deve ser colocado acima do lucro”.
Futebol (e voz) para todos
Busso participou da elaboração da Ley de Servicios de Comunicación Audiovisual da Argentina (popularmente chamada Ley de Medios), que tornou ilegal o monopólio do Clarín ao definir regras democráticas para a ocupação do espectro radioelétrico (o espaço onde se propagam as ondas do rádio e da televisão), que acontece através de concessões públicas de radiodifusão. Para se ter ideia, o Clarín, sozinho, concentrava 270 meios de comunicação, enquanto a outros setores da sociedade era negado o direito à comunicação e à liberdade de expressão.
Há seis anos de sua aprovação, a legislação sofre com apelos do Clarín na Justiça, mas já colhe frutos como a ampliação do mercado de trabalho e da produção nacional, a partir da criação de novos canais públicos, universitários e comunitários.
“A lei considerou que os assuntos de interesse relevante para a cidadania são um direito”, argumenta Busso. “Todos e todas temos direito a ver acontecimentos importantes. O futebol e o esporte, mais que um negócio, são objetos de paixão e de cultura popular. Por isso, a TV Pública transmite todo o campeonato de futebol da primeira divisão e todas as instâncias finais de eventos esportivos com participação da seleção argentina”. O conceito, segundo ele, é de que a informação é de todos e não pode ser apropriada por interesses comerciais.
Apesar de não ter havido uma relação direta entre a criação do Fútbol Para Todos e a aprovação da lei que começa a democratizar a comunicação na Argentina, Busso acredita que os temas são indissociáveis. Para ele, a paixão pelo futebol e a luta para que uma emissora não seja a sua dona são ferramentas importantes para despertar a sociedade quanto à importância de uma mídia plural e democrática.
Conheça o coletivo Futebol, Mídia e Democracia e a campanha #Jogo10daNoiteNão!