19 de setembro de 2024

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Nova roupa, velho hábito: Golpismo do impeachment detona a democracia

Por Felipe Bianchi

2016 não é 1964 no modus operandi, mas pode ter desfecho similar. A reflexão de Fábio Konder Comparato é simples: o processo de impeachment em andamento contra a presidenta democraticamente eleita Dilma Rousseff é a alternativa em tempos nos quais é inviável tomar o poder pela via militar.

O jurista participou, nesta segunda-feira (11/4), de debate sobre a democracia e o sistema político brasileiro, realizado em São Paulo, como parte do Ciclo de Debates Que Brasil é Este?. Desembargadora aposentada do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região, Magda Biavaschi reforçou a tese: “Forças que há 50 anos atrás elegeram os militares como o partido da ordem para derrubar João Goulart escolhem, agora, o Judiciário para cumprir esse papel”.

Sobre esse paralelo histórico, Comparato avalia que para a elite do país, é preferível que botas, fuzis e capacetes ocupem a cadeira presidencial do que um proletário. O curioso, segundo ele, é que as classes dominantes também se beneficiaram do governo Lula: “Mesmo assim, parece que não aceitam o fato de os pobres terem, eles também, subido um pouco na vida”.

Para Comparato, a destituição de Fernando Lugo no Paraguai evidencia a nova roupagem do golpismo na América Latina. O episódio, que é chamado por alguns como “golpe express”, por ter durado apenas 24 horas, ocorreu em 2012. Enquanto o Tribunal Superior Eleitoral do país considerou o processo legítimo, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos classificou-o como ilegal. “A solução radical que agora propõem no Brasil”, argumenta Comparato, “é a de eleger um bode expiatório, no caso Lula e Dilma, e um herói, que o juiz Sérgio Moro”.

O procedimento adotado pela oposição conservadora, nas palavras de Magda Biavaschi, rasga a Constituição e a legalidade democrática. Por isso, não há outra denominação mais apropriada à tentativa de impedimento do que ‘golpe’.

Filha de Zuzu e irmã de Stuart, assassinados pela ditadura, a jornalista Hildegard Angel alertou para a iminência trágica da repetição da história, ainda que prescinda da farda militar. “Mamãe foi eliminada, vítima de uma conspiração. Ela sabia que seu destino estava traçado e chegou, inclusive, a alertar amigos, como Chico Buarque, através de cartas”.

Está mais do que claro”, sublinha, “que Zuzu Angel foi assassinada, mas o establishment nega. Para eles, mesmo com investigações e provas, tudo nunca passa de conspiração”. O que ocorre cinco décadas depois, segundo ela, é preocupante. “Investigações de primeira instância desconstróem a economia do país, a mídia promove bombardeamentos diários, mas claro, é conspiração”.

A verdade, para a jornalista, é que conspira-se contra o Brasil. “Conspira-se contra o país e contra as conquistas sociais, como acontece desde o Brasil colônia, mas dessa vez não passarão. A luz que vem no fim do túnel é a justiça social e, dessa vez, não taparão o sol com a peneira do golpe”.

Os problemas do sistema político brasileiro

O processo de impeachment da presidenta Dilma Rousseff hegemoniza os noticiários e o debate público no país . Para entendê-lo, porém, é preciso sair da superficialidade do tema. O sistema político brasileiro é um dos elementos que permitem compreender o conturbado cenário político e social. “O financiamento empresarial de campanha é um câncer para o país”, sentencia Gilberto Carvalho, ministro-chefe da Secretaria Geral da Presidência. O dinheiro privado sequestra a democracia e arrenda a construção de políticas – segundo Magda Biavaschi, há 55 projetos de lei de ataque aos direitos trabalhistas e sociais tramitando no Congresso.

Autocrítico, Carvalho aponta que a elite brasileira naturalizou a corrupção, que encrustou-se no aparelho estatal. Ainda que o governo tenha avançado nesse combate, o ministro avalia como um erro grave não ter levado a cabo a reforma política.

Monopólio midiático, um inimigo íntimo

Ao lado da reforma política, a reforma da mídia é uma das pautas mais urgentes para a democracia brasileira, defende Comparato. “Regular a mídia significa subtrair poder das elites, o que é sempre uma batalha árdua”, aponta. Carvalho concorda: a democratização do setor é mais um deficit tremendo do governo. “Pior que não regular a mídia foi termos mantido critérios técnicos na distribuição de verbas publicitárias”, admite. “Enquanto os meios de comunicação populares minguam, os monopólios enriquecem”.

Extremamente partidarizada, a cobertura do processo de impeachment feita pela grande mídia foi objeto de crítica dos debatedores. “O papel exercido pela imprensa é vexatório”, dispara Hildegard Angel. “Tenho até vergonha, nesse cenário, de ser chamada de jornalista. Prefiro ser chamada de blogueira”, ironiza.

Magda Biavaschi também comentou o assunto. “O caso dos papeis do Panamá, o chamado Panama Papers, é manchete no mundo todo. Aqui, o silêncio reina”, detona. “Será por que os grandes empresários da mídia brasileira estão envolvidos no escândalo?”.

Resistir ao golpe é defender a democracia

Apesar da convulsão social insuflada pela mídia, a resistência popular ao golpe em curso tem sido contundente. Há a noção em amplos setores da sociedade, de acordo com os debatedores, que rechaçar o impeachment tem muito mais a ver com a defesa da democracia do que com a defesa de um governo ou partido.

O povo está sabendo separar a insatisfação e a frustração com o governo da importância de preservar a democracia brasileira”, opina Gilberto Carvalho. “Lula e Dilma precisam entender esse fenômeno. Se não forem derrotados, não sera uma vitória do governo, mas da resistência popular”.

Para Magda Biavaschi, política é fundamental nesse momento. “A política, em seu sentido nobre, nos leva às ruas. Esse é o caminho: povo na rua, organizado e lutando. Só assim conseguiremos barrar esse movimento do capitalismo, que visa eliminar seus obstáculos como uma avalanche”.

Assista à íntegra do debate:

Que Brasil é Este?

A discussão, que ocorreu na Fundação Escola de Sociologia e Política (FESPSP), foi a quinta atividade do Ciclo de Debates Que Brasil é Este?, promovido em parceria entre o Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé e a FESPSP. O bate-papo foi transmitido em tempo real pela TVT.

Até outubro de 2016, o Ciclo promove debates mensais para refletir sobre as turbulências pelas quais atravessa o país nos campos econômico, político e social. Acesse o hotsite e a página do Ciclo no Facebook para ficar por dentro da programação, dos convidados e dos conteúdos postados: www.quebrasileeste.com.br e www.facebook.com/quebrasileeste