Por Felipe Bianchi, com informações do Comunicación Para La Integración
Dezenas de organizações que atuam na luta pela democratização da comunicação no continente se reuniram entre os dias 28 e 30 de junho, em Quito, no Equador. O motivo principal foi o Fórum Latino-americano e Caribenho de Comunicação Popular e Comunitária, mas a ocasião também serviu para as entidades articularem e fortalecerem o Fórum de Comunicação para a Integração NuestrAmérica (FCINA).
O relato é de Renata Mielli, coordenadora do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC) e secretária-geral do Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé. “A ideia é que o FCINA seja para a América Latina o que o FNDC é hoje para o Brasil, um fórum aglutinador de forças na luta pela democratização da comunicação”, conta.
Ela recorda que o movimento teve início em 2013. “De lá pra cá, o Fórum ganhou página na Internet e passou a produzir um boletim”, diz. No encontro em Quito, detalha a jornalista, foram discutidas estratégias de atuação do FCINA para o próximo período. “Definimos que o FCINA deve se estruturar em torno de pautas como as políticas públicas de comunicação e o enfrentamento aos monopólios privados”, explica. “Essa luta, no nosso entendimento, é estratégica para a própria discussão da integração, da soberania e do desenvolvimento regional”.
Na avaliação de Mielli, os meios conservadores que monopolizam os sistemas de comunicação do continente fazem oposição sistemática aos esforços de integração. “A mídia comercial de todos os nossos países, sem exceção, condenam a integração regional e estimulam o retorno das relações de dependência dos Estados Unidos. O debate em torno do papel da comunicação e do combate ao monopólio – e seus interesses políticos e geopolíticos – é essencial para fortalecer uma agenda de integração”.
Além do FNDC, também participam do FCINA entidades como a Via Campesina, o Fórum Argentino de Rádios Comunitárias (Farco) e a Agência Latino-Americana de Informação (Alai). “Precisamos reforçar a discussão sobre o tema da comunicação em nível continental”, salienta Mielli. “Dentre os eixos a serem trabalhados, destacam-se temas como a concentração da radiodifusão e políticas de telecomunicações e para a Internet – tudo tratado de forma transversal à questão da integração”.
Levar o debate sobre a democratização da comunicação a espaços institucionais também é um dever assumido pelo Fórum, pontua a jornalista. “Como ocupar os espaços da Unasul e do Mercosul destinados à sociedade civil e aos movimentos sociais, promovendo a discussão sobre mídia, é um dos desafios que abraçaremos”.
Fórum em Quito rechaça golpe no Brasil
A coordenadora do FNDC participou de debate cujo tema foi a ‘Guerra midiática e os desafios para a democracia na América Latina’, no dia 28 de junho. De acordo com ela, o papel desempenhado pelos grandes meios de comunicação tem a ver com a concentração de votos e a invisibilização das lutas sociais. “A informação que produzem não se aproxima das necessidades dos povos e atacam todos os governos que não se alinham aos seus interesses”, critica.
Mielli destacou, porém, o fortalecimento de veículos alternativos, comunitários e populares como contraponto à mídia hegemônica. Segundo ela, os governos precisam entender que sem democratizar a comunicação, não é possível existir liberdade de expressão.
Um dos documentos resultantes do Fórum em Quito foi em rechaço ao golpismo que assola o continente e que já se materializou no Brasil. Segundo a nota, publicada no site do FCINA, há intentos de romper a ordem democrática em diversos países. No Brasil, classifica a nota, trata-se de um golpe parlamentar, judicial e midiático.
Leia a nota traduzida:
Frente aos golpes midiáticos, resposta popular
Os meios de difusão do poder econômico se converteram no eixo arcular da ofensiva contra os governos progressistas da região. Esses meios são, em forma crescente e orgânica, protagonistas dos planos de desestabilização promovidos pelo poder econômico, impulsionados por e desde os Estados Unidos e Europa.
Há quarenta anos, utilizava-se as forças armadas para impor um projeto de dominação político, econômico e social. Hoje, o cenário da confrontação é primariamente simbólico e são os meios hegemônicos que atuam para impor um controle absoluto, a fim de restabelecer os modelos neoliberais. A frente de batalha, agora, está no espaço simbólico, na confrontação ideológica e cultural, no intento de asfixiar toda subjetividade crítica.
Neste novo cenário, microfones, computadores, telefones e câmeras de vídeo são usados como armas de rendição pessoal e social.
A guerra por impor imaginários coletivos se dá através de meios cibernéticos, audiovisuais e gráficos, que se converteram na ponta de lança das corporações econômicas e dos poderes de facto de nossos países, em muitos casos ligados a poderes judiciais, policiais e parlamentares corruptos e antinacionais.
A chamada guerra de quarta geração não se trava contra o raciocínio de nossos povos, mas contra os sentimentos, em golpes baixos de manipulação, meias verdades e mentiras, que impõem, por repetição permanente, imaginários coletivos indutores da desestabilização de nossos países.
A América Latina tem sido campo de prova desse tipo de guerra. O golpe midiático na Venezuela em 2002 e a desestabilização do país desde então, com campanhas às quais se somam meios comerciais locais, dirigidos geralmente por meios e agências noticiosas, TVs e rádios de outros países.
A esse “globo de ensaio” soma-se intentos no Equador e na Bolívia, os ‘golpes suaves’ no Paraguai e em Honduras, a manipulação midiática como fator decisivo nas campanhas eleitorais no México e na Argentina e, finalmente, o golpe judicial-parlamentar-midiático que hoje sofre o Brasil.
Também neste novo tipo de guerra a verdade é a primeira vítima. O 1% que controla o mundo tenta aniquilar toda voz, toda imagem, que não sejam a ‘verdade única’ transmitida pelos meios hegemônicos.
Alvos principais da guerra midiática são os meios públicos e populares de nossos países, além das legislações que, promovidas por movimentos populares, impulsionaram a democratização da comunicação. São golpes diretos ao pluralismo, ao direito humano à informação e à comunicação, à diversidade de nossos povos, retornando violências que acreditávamos estarem superadas, como o machismo, a xenofonia, o racismo e a inclusão.
A integração soberana de nossos povos também é alvo desta guerra, para aniquilar o que se construiu no último período e para restabelecer uma integração subordinada aos poderes econômicos, financeiros e bélicos do mundo.
O Fórum de Comunicação para a Integração de NuestrAmérica manifesta sua profunda preocupação por esse evidente retrocesso democrático em vários de nossos país, além de condenar a repressão e os assassinatos sistemáticos de comunicadores populares em algumas dessas nações.
O Fórum de Comunicação para a Integração de NuestrAmérica insta as organizações de integração regional a condenarem essas práticas e chama os movimentos sociais e populares, além dos meios populares (livres, comunitários, independentes e alternativos) de Nossa América para trabalharmos em comum, em defesa do direito humano à informação e à comunicação e para dar fim, de uma vez por todas, a estas práticas retrógradas e antidemocráticas.