19 de setembro de 2024

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Abstenções abrem espaço para a juventude avançar

 

Por Raphael Coraccini

Tamires Sampaio, vice-presidenta da União Nacional dos Estudantes (UNE), vê uma janela de oportunidade nos números impressionantes de abstenções, bancos e nulos nas eleições do último domingo. Em atividade do Ciclo de Debates Que Brasil é Este? nesta segunda-feira (3), cujo tema foram os anseios da juventude brasileira, a líder estudantil disse que as mais de 3 milhões de abstenções em São Paulo têm como um dos principais culpados o ruído na comunicação entre a esquerda e o povo.

Tamires alerta sobre a necessidade de criar um diálogo com a população jovem e da periferia sem recorrer às cartilhas e sem o tom professoral que muitas vezes sai da boca de militantes e lideranças da esquerda. “A gente tem como dar uma volta por cima muito grande. Porque são muitas abstenções, votos brancos e nulos que podemos reverter em nosso favor. Eu vi uma pesquisa que em São Paulo o Doria já começa com 70% de rejeição, o que é surreal”, diz Tamires.

A líder estudantil tem apenas 22 anos, é moradora de Guaianases, no extremo-leste da capital, é recém-formada em Direito pelo Mackenzie e a primeira mulher negra a integrar a direção do Centro Acadêmico da universidade, conhecida pelo seu perfil conservador. Ela conta que mesmo na periferia vê muitos jovens conversando sobre política e ressalta um paradoxo importante. “Apesar de os jovens negarem a política eles estão discutindo sobre o assunto. Até crianças de sete e oito anos falam sobre. O problema é que estão reproduzindo o discurso da grande mídia. A gente errou muito em não apostar na democratização da mídia”, reconhece.

Convencida de que o golpe foi um processo que começou tão logo Lula ganhou a eleição em 2002, Tamires afirma que o Partido dos Trabalhadores teve tempo e força política para reformar a mídia, fortalecer a comunicação nas comunidades por meio de rádios e jornais comunitários e de apostar na comunicação pública, mas não se empenhou nas mudanças necessárias. Para ela, o partido da mídia é hoje a mais poderosa força política do país. “A esquerda transformou o país mas não conseguiu convencer o povo de que isso foi feito por meio de um projeto político. A gente vendeu um sonho de ascensão de classe em vez de criar uma coesão entre classes trabalhadoras e o povo absorveu esse discurso de meritocracia”, completa.

O discurso meritocrático proveniente da elite permeou todas as camadas sociais em detrimento de um formação cidadã, fortaleceu um pensamento conservador em todas as classes sociais. Tamires crê que, se por um lado a elite impôs sua vontade à força na derrubada de Dilma, por outro lado ganhou largo espaço nas eleições municipais dentro do sistema democrático, por meio do voto, ocupando o abismo ideológico que foi se expandindo ao longo dos anos entre a população e a esquerda. Isso permitiu proezas inimagináveis da direita, como transformar João Doria, lobista, multimilionário e herdeiro de uma família escravista, em um homem trabalhador, um homem do povo.

A era do choque de ideias e as soluções no interior do país

“Elegemos vários milionários como prefeitos, mas ao mesmo tempo colocamos uma mulher negra e jovem como a vereadora mais votada em Belo Horizonte, eleita com uma campanha colaborativa. Esse é um momento de choque de ideias.” Assim entende Tamara Naiz, presidenta da ANPG (Associação Nacional de Pós-Graduandos).

Tamara destacou o aumento na presença de jovens na Câmara de São Paulo, com destaque para dois nomes que representam espectros opostos da política. Sâmia Bomfim foi eleita pelo PSOL como a mais jovem vereadora da Câmara e vem na esteira do aumento da presença de mulheres na Casa, que mais que dobrou em relação à última eleição, passando de cinco para 11 vereadoras. Por outro lado, o membro do MBL Fernando Holiday entrou como principal representante entre os jovens da direita com sua expressiva votação que superou os 48 mil votos.

Felipe Altenfelder, representante do Circuito Fora do Eixo, afirma que esse movimento de renovação de nomes tanto na esquerda quanto na direita, com participação de jovens lideranças, é a sinalização de que o espectro da política está se esticando para os dois lados e que isso será visto com mais força nas eleições de 2018, com uma certa radicalização dos discursos da esquerda sendo combatidas pelo lado mais conservador da política nacional, que deve ter como seu representante no pleito presidencial o fascista Jair Bolsonaro. Para ele, os anos que se seguem devem oferecer componentes novos à disputa, interferindo na polarização PT/PSDB, que tem dado o tom das discussões nas últimas duas décadas.  

Altenfelder se mostra otimista com as possibilidades de uma mudança de cenário na política nacional, de maior enfrentamento de ideias e de novos personagens, mas principalmente pelas novas áreas de atuação que a esquerda tem pela frente. Ele ressaltou que enquanto há muita lamentação pela perda em primeiro turno da prefeitura de São Paulo, o Partido dos Trabalhadores ganhou de maneira contundente em Boa Vista (AC) e o PCdoB conquistou a prefeitura de 70 cidades no interior do Maranhão.

“O Fora do Eixo tem uma relação próxima com o interior do país e a gente sempre se anima quando olha para essa realidade. A disputa nos grandes centros acaba consumindo o imaginário político e a gente acaba perdendo a sensibilidade do entendimento sobre o interior como matéria-prima para o surgimento dessas novas forças. Em uma momento difícil como esse, as respostas podem estar nesse Brasil profundo. Será que não está na hora de a gente ir ao interior do Maranhão entender essas novas gestões que estão sendo muito bem recebidas pelo povo de lá?”, conclui Altenfelder.