Por Renata Mielli (Secretária-Geral do Barão de Itararé), na Mídia Ninja
Aldir Blanc e Maurício Tapajós compuseram a música Querelas do Brasil, em 1978. A canção, imortalizada na voz de Elis Regina, denuncia a colonização predatória dos Estados Unidos, que saqueia as riquezas naturais do nosso país, impõe um padrão de consumo e comportamento totalmente em desacordo com a cultura nacional e as condições sócio-econômicas da maioria esmagadora da população, tudo com o aval e patrocínio da elite do país.
Aliás, o único elo de ligação entre essa elite e o Brasil é o fato dela ter nascido em território brasileiro. De resto, ela nada tem de nacional: não tem projeto político e econômico para o desenvolvimento do país; acorda, almoça, janta e dorme sonhando ser norte-americana e quer transformar o Brasil no quintal ou anexo dos Estados Unidos. Para isso, vale tudo!
A começar pela venda, aluguel ou doação de tudo o que tenha a marca verde, amarela, azul e branca para o Tio Sam e seus sócios.
Nos governos dos ex-presidente Lula e Dilma, o balcão de vendas nacional estava em baixa. A onda de privatizações foi reduzida drasticamente, políticas de proteção para o conteúdo nacional foram criadas e priorizadas, a valorização das empresas nacionais no cenário internacional cresceu, o Brasil entrou no mapa econômico como potência e buscando protagonismo. Que ousadia. O Tio Sam, seus sócios internacionais e seus fiéis escudeiros nacionais não gostaram muito disso.
E veio o golpe, e o governo Temeroso deu um basta nessa ousadia, e recolocou as coisas em seus lugares históricos: o Brasil voltou a se subordinar aos interesses geopolíticos e econômicos do Tio Trump, acabou com políticas de valorização da indústria nacional, de Ciência e Tecnologia, e ressuscitou temas que pareciam já enterrados sob 7 palmos de terra, como a venda de terras para estrangeiros, que, pela vontade do senhor que ocupa o Palácio do Planalto, não deve ter limites.
Se alguém quiser, pode comprar tudo. O Brasil está literalmente à venda.
Mas o que isso tudo tem a ver com comunicação e mídia? Tudo. Afinal, quem faz a propaganda indecorosa deste desgoverno temerário são os grandes meios de comunicação. Mesmo os que agora, aparentemente, torcem o nariz para o Temer, como a Globo.
Podem não gostar dele, mas defendem ardorosamente a agenda política que ele foi escalado para aplicar. Não escolheram o Temer. Afinal, Michel é o anti-garoto-propaganda. Ele não têm élan, diria a minha avó se estivesse assistindo essa novela de quinta categoria que é encenada no Brasil.
Mas, com ou sem química para o papel, ele está lá e não quer saber de sair. Outros atores poderiam cair bem melhor no personagem do golpe. O problema é que há regras que não podem ser totalmente ignoradas pelos pretensos roteiristas do golpe, senão a coisa fica escancarada demais. Eles querem limpar o golpe, vesti-lo com uma máscara e roupas mais palatáveis – principalmente para os espectadores internacionais.
Se dependesse única e exclusivamente da Globo, eles trocariam o protagonista imediamente por um Dória, ou Luciano Huck, mas essa alternativa tem que esperar um pouco.
Enquanto isso, o que importa é a agenda. Ou como dizem por aí: o que importa é o que interessa. Então vamos ao que interessa:
1) A Reforma Trabalhista – check. Já conseguiram aprovar e seus efeitos logo começarão a ser sentidos na pele de milhões de trabalhadores.
2) A Reforma da Previdência – aguardando. Os canhões da mídia hegemônica estão praticamente todos voltados para este tema. Sem a aprovação desta Reforma não é possível “sanear” as contas públicas. Um verdadeiro arsenal de economistas ultra-neoliberais estão escalados para falar diuturnamente dos males que a nação está vivendo por culpa da Previdência Social. Seja na televisão, no rádio, nos jornais e revistas, o monstro da previdência está sendo desenhado cada vez mais feio. Eles já perceberam que o tema é para lá de espinhoso, porque não tem praticamente nenhum apoio da sociedade. Diferente da reforma trabalhista que era mais difusa, mais fácil de se “vender”. Então, é preciso ir além. O discurso agora é defender uma reforma da previdência muito mais severa do que a proposta pelo governo, para tentar aprovar algo mais próximo do que está em tramitação. Ou seja, usar a tática do “a gente pede 100 para ganhar 50.”
3) Privatização das estatais – mode on. Na campanha presidencial de 2006, o tema das privatizações voltou forte, mas daquela vez negativamente. Um tema que sempre ocupou lugar privilegiado nas campanhas do PSDB, como agenda de modernização do Estado e da economia, as privatizações foram o pesado da campanha tucana. A tal ponto que, no segundo turno, Alckmin teve que usar boné do Banco do Brasil e uma jaqueta cheia de adesivos das estatais brasileiras. Agora, com a satanização de tudo que é nacional e público promovido pelo discurso da corrupção e da Lava Jato – difundido e amplificado pela Globo e Cia – a agenda da venda das empresas estatais volta com força.
4) Redução do Estado – em andamento. O Estado não vive só de estatais – ele existe pelas estruturas diretas do Executivo, do Legislativo e do Judiciário, que também estão na alça de mira das metralhadores da mídia hegemônica. Esse tema surgiu com força na última semana pelo Plano de Demissão Voluntária dos Servidores Públicos anunciado por Temer. Compareceu com destaque e ênfase em edições do Jornal Nacional dos últimos dias relacionado com a privatização, o estado paquidérmico, o rombo da previdência e a gastança “desnecessária” com pessoal na esfera dos três poderes.
Esses assuntos não “deram apenas no Jornal Nacional”. Eles polarizaram praticamente toda a cobertura jornalística da semana, de todos os veículos. Se há elementos de discordâncias e interesses distintos que dividem pontualmente as elites – inclusive seus porta-vozes midiáticos – há uma coisa que os unifica a todos: o que interessa.
A unidade em torno da agenda econômica é total. E eles repetem seus pontos incansávelmente, usando o pêndulo da hipnose em massa que é a mídia: vocês estão ficando cansados, muito cansados, cansados do estado, dos governos, da política, da corrupção, das instituições, cansados de tudo. Só quem pode lhes devolver o ânimo é o mercado, as empresas privadas.
O problema é que Globo e Cia estão subestimando a capacidade de luta e resistência do povo brasileiro, que mais cedo ou mais tarde vai perceber que foi enganado e não vai deixar isso barato.
Posso estar sendo otimista, talvez, mas acho que o caldo do golpe vai começar a entornar já já. E vai entornar quando a livre negociação entre trabalhador e patrão virar luta livre, quando os salários despencarem pela precarização, quando os regimes de trabalho se aproximarem cada vez mais da semi-escravidão, se aprovarem as mudanças que na prática acabarão com o direito à aposentadoria, se retalharem o Estado e reduzirem ao mínimo os serviços públicos, quando os impactos do congelamento de gastos com Saúde e Educação começarem a ser percebidos, quando tudo isso começar a gerar impacto direto na vida das pessoas.
Se é verdade que o Brazil do golpe está matando o Brasil, por outro lado, é preciso estarmos atentos, porque esse Brazil não conhece o Brasil cantado pelo Gonzaguinha, que é o Brasil de uma “rapaziada que segue em frente e segura o rojão”.
E aí, pode ser que sobre inclusive para a Globo. Quem sabe eles ainda vão ganhar um PDV ou uma aposentadoria compulsória.