1 de julho de 2024

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Venezuela e Honduras escancaram dois pesos e duas medidas da mídia

Enquanto o povo hondurenho vai às ruas contra o golpe em curso no país, venezuelanos realizam, no domingo (10), sua terceira eleição em 133 dias

Por Felipe Bianchi, de Caracas, Venezuela

As ruas de Honduras foram tomadas pelo povo, que exige o respeito às urnas e à democracia após mais um episódio de golpe no país. Enquanto isso, na Venezuela, a população se prepara para votar pela terceira vez em 133 dias. O silêncio dos grandes meios de comunicação latino-americanos em relação ao que ocorre no país centro-americano contrasta com a demonização permanente da Venezuela e de Nicolás Maduro, escancarando o jornalismo de guerra e o papel de partido das classes dominantes jogado pela mídia.

Honduras realizou eleição presidencial no dia 26 de novembro, em um processo maculado por dúvidas, suspeitas e escândalos, como a queda de energia em centros de votação e um revés repentino na contagem dos votos. A população indignada com a iminente fraude foi às ruas. A resposta do presidente Juan Orlando Hernández – supostamente reeleito com 42,98% dos contra 41,38% de Salvador Nasralla, da Alianza de Oposición Contra la Dictadura – foi agressiva: decretou-se toque de recolher das 6h às 18h. A Polícia Nacional, após conflitos violentos com a população, anunciou que não iria mais reprimir as manifestações.

Em Caracas como observador internacional das eleições municipais agendadadas para o dia 10 de dezembro, Augusto Aguilar, integrante do Conselho de Especialistas em Eleições da América Latina (Ceela), falou ao Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé. Para o hondurenho, que já ocupou o cargo de presidente do Tribunal Supremo Eleitoral de Honduras, o episódio provocou um verdadeiro “colapso” no sistema eleitoral do país centro-americano.

“O mais transcendental e delicado é que, o partido no poder, violentando a Constituição, promove a reeleição ilegal de Hernández”, explica, recordando que a proibição da reeleição é um artigo pétreo da Constituição de 1982. O incidente “gravíssimo” da queda de energia e inversão do resultado parcial na contagem dos votos, segundo ele, “desnaturalizou e desqualificou não só o sistema eleitoral, mas também o Supremo Tribunal Eleitoral”.

Formado por mais de 40 magistrados e presidentes de organismos eleitorais do continente, alguns ainda exercendo funções na área e outros já aposentados, o Ceela já acompanhou, pelo menos, oito processos eleitorais na Venezuela. “O sistema eleitoral venezuelano, tal como afirmou a Fundação Carter [ligada a Jimmy Carter, ex-presidente dos Estados Unidos], é considerado por nós, especialistas em eleições, como um dos mais transparentes e confiáveis do mundo”, defende Aguiar.

“Com nossa ampla experiência na Venezuela, temos dado nossas ideias sobre o país a outros organismos eleitorais para que, se desejam, tomem em conta nossas considerações e as incorporem em seus sistemas”.  De acordo com o hondurenho, a Venezuela oferece muitas lições sobre como tornar o modelo eleitoral mais eficiente, confiável e transparente, de forma a “tranquilizar o cidadão quanto o respeito à vontade dos eleitores e fortalecer a democracia”.

E se fosse aqui?

Luis Amagro, Secretário-Geral da Organização dos Estados Americanos (OEA) famoso por arremeter contra a Venezuela, que classifica como uma ditadura, demorou quase uma semana para falar sobre o golpe eleitoral em Honduras. Tímido, disse que é, sim, possível ter ocorrido fraude, sugerindo a recontagem dos votos.

Manso com a fraude em Honduras, Almagro é feroz na crítica à Venezuela. Até o diálogo entre oficialismo e oposição, iniciado no dia 1° de dezembro, na República Dominicana, foi alvo de sua fúria contra Maduro: segundo Almagro, os opositores Jorge Arreaza fala a observadores eleitorais internacionais. Foto: Felipe Bianchi/Barão de Itararédispostos a negociar com o governo saídas para pacificar e estabilizar o país não representam a “verdadeira oposição” e, agora, os grupos que se opõem ao chavismo terão de “separar o joio do trigo”. Cabe ressaltar que o parlamento venezuelano, que tem ampla maioria e é dirigido pela oposição, teve 82 votos a favor e apenas três votos contra a proposta do diálogo.

Na sexta-feira (8), em conversa com a delegação de observadores internacionais que acompanharão as eleições municipais, o ministro das Relações Exteriores da Venezuela, Jorge Arreaza, comentou o caso. “O que diria a OEA e Luis Almagro, a União Européia e o Departamento de Defesa dos Estados Unidos se o que ocorreu em Honduras acontecesse aqui, na Venezuela?”, questiona. Segundo Arreaza, quando a oposição ganha, as condições são boas, mas quando perdem, há fraude. “Por outro lado, se estivessem nos aplaudindo e nos premiando, provavelmente estaríamos do lado errado. Não somos os cães adestrados que querem que sejamos”, sentenciou o chanceler. 

Venezuela, ‘democracia vibrante’

Apesar do intenso bombardeio midiático internacional, mais de 8 milhões de venezuelanos foram às urnas no dia 30 de julho para votar nos candidatos da Assembleia Nacional Constituinte – saída constitucional encontrada pelo governo para, fortalecendo a participação popular, restabelecer a paz no país. Em 15 de outubro, outra eleição, desta vez para governadores. A esquerda obteve respaldo dos eleitores em 18 dos 23 estados. Os resultados representaram uma derrota contundente para os que apostavam na violência, no terrorismo midiático e na guerra econômica que rifa a cabeça do próprio cidadão venezuelano com a finalidade de derrotar, à força, Maduro e o chavismo.

Agora, a população se prepara para eleger 335 prefeitos, além de um novo governador ou governadora para o estado de Zulia – dos cinco governadores eleitos pela oposição na eleição de 15 de outubro, apenas Juan Pablo Guanipa, do partido opositor Primero Justicia, se recusou a juramentar diante da Assembleia Nacional Constituinte, abrindo mão do cargo. Diversos candidatos de oposição estão inscritos para o novo pleito, marcado para o dia 10 de dezembro.

Sanda Oblitas, vice-presidenta do CNE. Foto: CNE

Em pronunciamento no Conselho Nacional Eleitoral (CNE), na quinta-feira (7) a vice-presidente do órgão, Sandra Oblitas, criticou as constantes acusações, por parte de alguns setores da oposição, contra a lisura das eleições na Venezuela, a despeito de ser considerado um dos mais seguros do planeta por diversos órgãos internacionais e especialistas. “Os processos eleitorais são alvos de ameaças e ataques de quem não acredita no voto, mas na ambição pelo poder a qualquer custo”, denunciou aos observadores eleitorais internacionais.

As agressões, assegura Oblitas, estão sendo freadas pela capacidade organizativa do órgão máximo do Poder Eleitoral venezuelano, o CNE. “Temos eleições livres e soberanas, além de prezarmos pelo pleno respeito ao desejo popular expressado nas urnas”, assinala. Segundo ela, ao promover a sua terceira eleição no ano, a Venezuela apenas cumpre a sua Constituição, que prevê uma democracia “participativa”e “protagônica”. “Uma democracia vibrante”, como ela mesma descreve.