2 de julho de 2024

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Mídia veste a toga e condena Lula junto ao TRF-4

Por Felipe Bianchi

Fruto de um longo processo de espetacularização midiática, o julgamento do recurso de Lula em Porto Alegre, nesta quarta-feira (24), não fugiu à regra: ao longo das atividades no Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), os grandes meios de comunicação fizeram mais papel de torcida do que de imprensa. Deu certo: os três juízes responsáveis pela matéria não só ratificaram a sentença de Sergio Moro como ampliaram a pena de nove anos e seis meses para 12 anos e um mês.

Às vésperas do dia do julgamento, o punhado de famílias que dominam os meios de comunicação já mostravam suas armas. A linha editorial foi clara e alguns argumentos foram repetidos em uníssono, como por exemplo o fato de que Lula, o PT e a esquerda tentavam ‘politizar’ o processo e que o julgamento estava livre de contaminações político-ideológicas, sendo estritamente técnico. Revistas como Veja e IstoÉ também mostraram o desejo da imprensa de, ela mesma, cumprir o papel da Justiça, condenando Lula já em suas capas.

O cúmulo da partidarização dos barões da mídia na cobertura do processo foi a gafe cometida pelo canal Band News, de propriedade do grupo Bandeirantes, pertencente à família Saad. Antes mesmo de os juízes proferirem suas decisões, por volta das 10h, o canal anunciou, em legenda, a condenação de Lula por unanimidade: três votos a zero.

 

 

 

O comportamento dos juízes também refletiu a ditadura do pensamento único imposta pelos donos da mídia no país. O procurador do Ministério Público Federal (MPF), Maurício Gotardo Gerum, um dos primeiros a fazer uso da palavra no TRF-4, citou reportagem de O Globo para sustentar suas convicções. O revisor do processo, Leandro Paulsen, também fez menção à reportagens da grande mídia para justificar o seu voto. Em um ambiente de zero pluralidade e diversidade de pontos de vista, não é difícil imaginar qual foi o veredito a partir do jornalismo de guerra praticado por esses veículos.

 

 

 

 

Os editoriais dos jornalões formam um capítulo à parte. Espaço reservado para a expressão das posições e opiniões de quem está à frente das instituições midiáticas, os textos publicados, neste 24 de janeiro, por veículos como a Folha de S. Paulo, O Globo e o Estado de S. Paulo revelam ares de celebração, um ato de gran finale após anos de editoriais atacando, com virulência, Lula, o PT e o processo de transformação do país iniciado a partir de 2003.

“O líder petista, que misturou a defesa de sua biografia e a pretensão de candidatar-se novamente à Presidência, insufla a militância com a tese tresloucada de que é vítima de uma conspiração tramada pelas instituições jurídico-policiais e pela imprensa”, provoca a Folha. “Do lado oposto, há decerto um sentimento antilulista, por vezes radicalizado, que se fortaleceu nos anos de desastre econômico e investigações da Lava Jato”, complementa o jornal, omitindo o papel decisivo da própria Folha e de outros meios de comunicação na disseminação deste “sentimento antilulista”.

O jornal reconhece que a opinião pública formada a partir do massacre midiático abdica da razão e das leis na cruzada para jogar Lula atrás das grades: “ampla parcela da opinião pública pede punições severas e imediatas aos políticos sob suspeita (…), nem sempre com a devida atenção a trâmites jurídicos e garantias legais”. Por fim, o jornal admite que “há boa dose de complexidade na interpretação das provas colhidas”, em malabarismo retórico para justificar uma condenação sem provas.

À sua maneira, o Estadão prefere um tom mais raivoso para expressar o seu posicionamento. “Lula e seus adoradores querem que os brasileiros acreditem que está no banco dos réus não um homem comum, mas ‘o maior líder popular da história deste país’”, provoca, tachando os simpatizantes ao presidente como “séquito de bajuladores” e Lula como “o demiurgo de Garanhuns”.

Na capa de quase todos esses jornalões, o julgamento ganhou destaque ao longo de todo o dia. Mas nada de repercutir ou destacar as manifestações contundentes da comunidade jurídica nacional e internacional, nem de intelectuais e artistas de todo o mundo em solidariedade a Lula e contra a farsa judicial ao qual o ex-presidente é submetido. Nenhuma palavra, também, sobre o acachapante artigo publicado pelo insuspeito New York Times, afirmando que a condenação de provas sem Lula empurra a combalida democracia brasileira para o abismo.

Segundo o consagrado periódico estadunidense, “o que poderia ter sido um avanço histórico – o governo do Partido dos Trabalhadores concedeu autonomia ao judiciário para investigar e processar a corrupção oficial – tornou-se contrário. Como resultado, a democracia brasileira agora é mais fraca do que aconteceu desde que o governo militar acabou”.

O artigo é assinado por Mark Weisbrot, economista, co-diretor do Centro de Pesquisa Econômica e Política em Washington e presidente da organização Just Foreign Policy. Para ele, “não há muita pretensão de que o tribunal seja imparcial” no processo. “O juiz de julgamento, Sérgio Moro, demonstrou seu próprio partidarismo em numerosas ocasiões”, critica, acrescentando ainda que “a evidência contra o Sr. da Silva está muito abaixo dos padrões que seriam levados a sério, por exemplo, no sistema judicial dos Estados Unidos”.

“Talvez o mais importante”, prossegue Weisbrot, “o Brasil se reconstituirá como uma forma de democracia eleitoral muito mais limitada, em que um judiciário politizado pode excluir um líder político popular de se candidatar a cargos. Isso seria uma calamidade para os brasileiros, a região e o mundo”, prevê o artigo publicado no New York Times.

Já os grandes jornais brasileiros, subservientes ao rentismo e ao capital financeiro, preferiram destacar o humor e o ânimo do mercado com a iminente condenação do petista – praticamente todos os principais veículos trouxeram a pauta com destaque em seus portais. O site InfoMoney chegou a estampar, em sua capa, que a alta na bolsa de valores e a queda do dólar poderiam antecipar a derrota de Lula – a despeito da existência de leis, do Direito Penal e da Constituição.

 

 

Mídia e a Lava Jato

A atuação agressiva e partidária da mídia hegemônica na cobertura do julgamento de Lula pode assustar os incautos, mas não traz nada de novo. Os grandes meios de comunicação, desde o início da Operação Lava Jato, optaram por uma cobertura extremamente seletiva.

Segundo Altamiro Borges, presidente do Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé, a relação da Lava Jato com a mídia está gravemente manchada por vazamentos seletivos, prisões arbitrárias e delações “praticamente sob tortura”. “Não fosse o papel jogado pelo oligopólio midiático, o ‘juizeco’ de primeira instância Sergio Moro seria apenas um ‘juizeco’ de primeira instância”, opina.

Em visita ao Barão de Itararé, Eugênio Aragão também criticou o modus operandi de Sergio Moro e demais envolvidos na força-tarefa. “Não haveria golpe e nem essa intensidade toda da Lava Jato, que tem sido claramente usada para fins políticos, se não fosse pela atuação da mídia”. O monopólio midiático no Brasil,  opina o procurador, é um ator político essencial. “Não é por acaso que recebe a alcunha de Partido da Imprensa Golpista”.

Apesar de não haver provas da ligação do triplex da OAS, no Guarujá, com a tese de desvio de dinheiro da Petrobras, o julgamento de Lula se dá no âmbito da Lava Jato. A narrativa dominante colocou Moro e Lula como adversários. Se são adversários, quem seria o juiz? “Não é que a Lava Jato não tenha nada de relevante e não contenha pressupostos importantes para a sociedade”, pondera Aragão. O problema, segundo o ex-ministro da Justiça, é que isso “tem sido feito de forma atabalhoada e seletiva. É partidário, militante, sempre pela acusação”, argumenta Aragão.