30 de outubro de 2024

Search
Close this search box.

Em Maricá, especialistas discutem problemas e oportunidades da Internet na comunicação

Por Felipe Bianchi

A força da Internet, seus problemas e suas oportunidades foram temas de discussão na manhã deste sábado (28), durante o Seminário Os desafios da comunicação nos governos progressistas, em Maricá/RJ. Sergio Amadeu, Flávia Lefèvre e Leandro Fortes trocaram ideias sobre as portas que o ambiente digital abre para dinamizar a relação entre as administrações públicas e os cidadãos e, por outro lado, os perigos da falta de proteção a dados pessoais e as dificuldades em se universalizar a banda larga no Brasil.

Professor da Universidade Federal do ABC (UFABC) e uma das principais referências sobre o assunto no Brasil, Sergio Amadeu avalia que, na Internet, o difícil não é falar, o difícil é ser ouvido. “No mundo pré-Internet, você que ligar para o radialista, mandar carta para o jornal. Hoje é o oposto. Você monta um portal, publica um vídeo com facilidade, escreve o que quer”, ressalta. O que precisamos discutir, pondera, é em que plataformas e sob quais condições vamos fazer comunicação. “A Internet não tem centros obrigatórios. Ninguém é obrigado a acessar a Internet e todo dia ir para o Google. Com o advento das redes sociais, surgiram jardins murados extremamente verticalizados”. 

Segundo Amadeu, 84% dos brasileiros que acessam a Internet usam o Whatsapp, que é de propriedade do Facebook. Mas não podemos nos enganar: a Internet é muito maior que isso. “A Internet possibilita a criação de soluções muito importantes para o setor público. E é compreensível que essas soluções precisam estar ligadas às plataformas mais populares. Já existem municípios que deixaram de atualizar seus sites para se comunicar com as pessoas apenas pelo Facebook ou mesmo pelo Whatsapp. Esta é uma armadilha muito grande”, alerta. “Se você ignora essas plataformas, você está fora. Se você depende totalmente delas, pode haver uma decisão monocrática, típica de uma rede privada, e você perder tudo. É preciso forçar, a partir das redes sociais, levar as pessoas para fora do jardim murado”.

Petróleo do século 21

A bola da vez para a luta pela liberdade na Internet, de acordo com o estudioso, diz respeito à questão da proteção de dados pessoais. Navegar na Internet é deixar rastros, explica Amadeu. Gostos, preferências, hábitos de consumo. Tudo é coletado. “O que sustenta o Instagram, o Facebook e as demais redes é a coleta de dados, a análise desses dados e a venda dessas informações. Você fala sobre procurar um hotel com uma pessoa e seu dispositivo já começa a mostrar ofertas de hoteis, a partir de palavras-chave”. Este é o petróleo do século 21, na opinião de Amadeu.

Trata-se de um cenário problemático, mas que também pode potencializar a comunicação nas administrações públicas. “Há um leque enorme de coisas que podemos fazer, com a Internet, para melhorar a vida das pessoas. O setor público tem de estar atento a isso”, diz. “Para isso, considero fundamental a preocupação com a proteção de dados pessoais”. O debate na Internet é complexo, mas está sendo apropriado pelas forças democráticas, celebra Amadeu. “Temos que tomar cuidado com uma coisa que não prestávamos atenção: que os projetos respeitem a privacidade e rasguem a lógica de dependência de redes sociais fechadas”.

Representante do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br) e da Proteste (Associação Brasileira de Defesa do Consumidor), Flávia Lefèvre também acende o sinal de alerta para a falta de regras e limites para o poder das corporações na Internet. “70% das notícias lidas na Internet em 2017 foram lidas nas plataformas do Facebook e do Google. Algoritmos e mecanismos com o Instant Article determinam a abrangência e o alcance dessas notícias”, sublinha. “Um governo ou uma empresa que querem se comunicar em escala significativa, infelizmente, estão obrigados a participar dessas redes. Por isso defendemos medidas para estabelecer diretrizes democráticas para esse setor. Não podemos reduzir a Internet a essas redes”.

Ao contrário do que muita gente pensa, o Facebook não é a Internet. A Internet, na avaliação de Lefèvre, é uma praça pública. “As corporações estão interferindo nos nossos desejos, no nosso poder de escolha, até em decisões eleitorais. O recolhimento de dados é o capitalismo de vigilância”, salienta. “Precisamos de uma lei de proteção de dados pessoais que sujeite, inclusive, os poderes públicos. O Poder Executivo tem feito pressão, nos projetos em trâmite sobre o assunto no Brasil, para se eximir de suas responsabilidades. Quem coleta dados tem de assumir responsabilidades e garantir mecanismos de segurança para que eles não vazem e para que o seu uso não seja abusivo e arbitrário”

Internet, uma oportunidade civilizatória

Apesar de compartilhar da preocupação de Amadeu e Lefèvre sobre os problemas relacionados à proteção de dados pessoais, o jornalista baiano Leandro Fortes, diretor da agência de comunicação CobraCriada, acredita que a transição do analógico para o digital, da forma como tem se dado, é uma novidade excepcional para a disputa de ideias. “A consolidação da Internet e o surgimento de novas plataformas significam novas chances e novas oportunidades para fazer o bom combate da comunicação”, opina. “Problemas existem, mas nossa relação com a Internet é menos perniciosa do que a gente tende a creditar que é”.

Segundo Fortes, o fato de muita gente estar prestando atenção ao celular enquanto acontecia o debate no Cinema Público Municipal Henfil, em Maricá, é sintomático. “Enquanto falamos aqui, todos estão no celular. Mesmo os debatedores. Antes, era algo mal educado. Hoje é cultural. É o conceito da ‘segunda tela'”, explica. “Antes, a mediação entre o mundo em que vivemos e sua compreensão passava muito pelo filtro do jornalista, que decidia sobre como moldar a realidade. Era uma intermediação exclusiva. Agora, o jornalismo precisa se adaptar à essa realidade. Adaptação da linguagem para as redes sociais é um dos efeitos dessa nova realidade. Precisamos nos apropriar disso. Temos um espaço a ser conquistado dentro desses sistemas, que é capitalista e não foram criados para o bem-estar social. Mas o próprio jornalismo comercial também não foi”, complementa.

Por isso, Fortes defende que é preciso mergulhar de cabeça na nova realidade, inclusive nas administrações públicas. “Podemos guardar a memória afetiva do papel, da máquina de escrever, mas precisamos encarar a transição. A Internet, com toda a sua complexidade, tem de ser vista como uma oportunidade, uma oportunidade civilizatória, não como um problema”, opina. “A ficha de check-in de uma pequena pousada é uma enorme coleta de dados. Há uma cultura antiga de coleta de dados. Banco de dados que funcionavam em sistemas analógicos agora funcionam em sistemas digitais. Eu compartilho da preocupação com a proteção desses dados, mas não a considero surpreendente. Por isso a importância da regulação, para estabelecer regras e limites para essas práticas”.