Por Felipe Bianchi
O combate ao papel de partido das classes dominantes exercido pela mídia monopolista e a necessidade de se pensar estratégias para romper esse bloqueio informativo tem de ser a ordem do dia de quem luta pela democracia no Brasil. Essa foi a tônica de debate realizado neste sábado (28), em Maricá/RJ, como parte da programação do Seminário “Os desafios da comunicação nos governos progressistas”.
A mesa de discussão contou com a presença de João Feres Júnior, idealizador do Manchetômetro; Altamiro Borges, presidente do Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé; e Laurindo Leal Filho, o Lalo, acadêmico especialista em estudos relacionados à mídia.
Para Feres, a defesa que os donos da mídia no Brasil fazem da liberdade de expressão é oportunista. “Eles defendem a liberdade de expressão como um direito absoluto, mas na verdade é a defesa de seu privilégio de fazer campanha política”, critica. Mais que isso, o professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), avalia que a mídia não faz só campanha, “ela é por si só um grande partido político”.
“Nosso sistema midiático é tão doentio e distorcido que não corresponde à nenhum conceito de democracia já desenhado”, assinala Feres. “É um poder que nunca foi enfrentado, por medo ou conveniência. Alguns dizem que eles não ganham eleição, mas tiraram a presidente eleita”.
Em meio a esse cenário de desequilíbrio, Feres opina que é preciso tomar o período eleitoral como uma oportunidade de travar o debate ocultado no cotidiano. “A campanha eleitoral, em si, é um evento comunicativo. Ela permite uma alternativa à hegemonia e ao monopólio que a grande mídia tem na intermediação entre os partidos, os candidatos e os eleitorados”.
Se a agenda progressista está alijada dos grandes meios de comunicação, a batalha fica ainda mais complicada com a explosão da direita fascistóide e da chamada nova direita nas redes. “Há uma proliferação de páginas de direita”, avalia Feres. “O Manchetômetro mostra que 10 posts mais compartilhados nos últimos dias são de sites de direita. Não podemos cair na falácia de que vamos ganhar essa guerra só com as mídias sociais. Temos que traçar uma estratégia para derrotar a direita neste terreno”, alerta. “Não podemos continuar dispersos enquanto eles se profissionalizam e utilizam, inclusive, robôs”.
Apesar da atenção dobrada com o que rola nas redes, o professor aposentado da Universidade de São Paulo, Laurindo Leal Filho, acredita que se o novo já nasceu, o velho ainda não morreu. “O que chamamos de antigo ainda sobrevive. O rádio e a televisão não podem ser menosprezados. Para a maioria da população que não lê, o rádio e a televisão decodificam os editoriais pomposos dos jornais, decodificam em linguagem popular a ideologia da classe dominante”.
Isso se dá, na opinião de Lalo, devido à falta de regras e limites para o poder da mídia privada. “O que se passa no Brasil seria uma aberração, até mesmo, nos Estados Unidos. Quatro, cinco grandes canais de TV que falam a mesma coisa. Não temos o contraditório. Temos uma visão única na mídia brasileira”, dispara.
Segundo ele, mais que a regulação do setor, é preciso ter uma educação sobre o sistema midiático para a população. “A família Marinho ou a família do Sivio Santos não são donas da televisão brasileira. Elas apenas utilizam uma concessão pública. A população não tem essa clareza. Precisamos ter esse esclarecimento. Não é uma propriedade particular, mas da sociedade”.
Conforme assinala Lalo, a briga não é para extinguir a Globo, mas para que haja condições de equilíbrio na disputa de corações e mentes do povo brasileiro. “Não se trata de destruir a Globo. Deixemos ela lá. Precisamos ter outros meios fortes, para competir com a Globo. Seja a TV Brasil, que sofre hoje um brutal processo de desmonte por parte do governo Temer, sejam meios contra-hegemônicos. Os caminhos são esses: regulação e meios públicos”.
Historicamente concentrado, o cenário midiático brasileiro é um dos principais obstáculos no aprofundamento e, agora, no restabelecimento da democracia. “A mídia hegemônica, que está na mão de apenas algumas famílias, determina o que o povo brasileiro pensa. Ela informa, desinforma e manipula”, detona Altamiro Borges. O triplex do Guarujá, na avaliação do jornalista e blogueiro, é um exemplo: precisou o Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST) invadir o tal apartamento para desmascarar as mentiras que levaram Lula à prisão.
Borges chama a atenção para o fato de que manipulação não é só as mentiras que a mídia conta, mas também é realce e ocultamento. “Se um movimento de trabalhadores faz uma assembleia para chamar uma greve, é ocultado. Se entra em greve, é realçado. E a manchete será que os grevistas atrapalham o trânsito”, diz.
Os barões da mídia, de acordo com Borges, gostam de posar de moralistas. “Para atacar os avanços trabalhistas de Getúlio Vargas, diziam que seu governo era um mar de lama. Contra as reformas de base pretendidas por João Goulart, passaram a atacar seu projeto denominando o Brasil como uma ‘república sindicalista’. E hoje vendem a ideia de que o Partido dos Trabalhadores é o inventor da corrupção no mundo”.
Por outro lado, Borges afirma que o momento é de autocrítica: não soubemos combater a manipulação. O problema, para ele, nunca foi o José Dirceu ou o Lula. O objetivo maior é destruir a esquerda e, por isso, desde 2002 os meios apostaram em envenenar, gradualmente, a opinião pública brasileira.
“O golpe e 2016 não tem fundamento algum. A mídia internacional, distante do processo político no Brasil, deu risada do argumento das pedaladas fiscais, tipo de manobra contábil comum em todos os cantos do planeta”, argumenta. “Impeachment para sanar a corrupção? Isso vindo de Eduardo Cunha, Geddel Vieira, Romero Jucá? Isso mostra que perdemos a batalha. Teve golpe, com apoio fundamental da mídia, e agora um dos maiores líderes populares da história do Brasil está preso”.
Segundo ele, o acúmulo de derrotas escancara o erro estratégico de não termos abraçado a batalha da comunicação. “Não ter feito a disputa de ideias na sociedade brasileira foi o grande pecado dos governos Lula e Dilma. Tivemos muitos erros? Sim. Mas não ter enfrentado a disputa de hegemonia, não ter politizado o povo brasileiro, foi o principal erro, que tem cobrado a conta agora”.
Em retrospectiva aos anos de governo Dilma e, principalmente, de governo Lula, em período que o índice de aprovação do governo bateu a casa dos 80%, Borges analisa: “Perdemos a batalha por não termos enfrentado a necessidade de uma regulação democrática dos meios de comunicação. Perdemos uma oportunidade histórica. Foi. Passou. Mas o Estado não foi o único culpado. A classe operária acreditou que estava no paraíso. Um erro grave. Temos de fazer uma avaliação profunda dos nossos erros. Eleição é importante, mas não é tudo. Ou encaramos a batalha estratégica de ideias, ou demoraremos muito tempo pra recuperar o terreno perdido”.