Sanção da lei é conquista da sociedade, mas criação de autoridade independente deve respeitar debates já realizados no Congresso.
Confira Nota Pública da Coalizão Direitos na Rede, da qual o FNDC e o Barão de Itararé fazem parte, sobre a sanção da Lei de Proteção de Dados Pessoais:
Brasil, 15 de agosto de 2018
Nesta terça-feira, 14 de agosto, a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais foi sancionada pelo Presidente Michel Temer. Aprovada por unanimidade no Congresso Nacional, a Lei 13.709/2018 entra em vigor em 18 meses, criando um importante arcabouço legal que garante a privacidade e a proteção de direitos fundamentais dos cidadãos e cidadãs brasileiras, disciplina as possibilidades de tratamento de dados pessoais – tanto pelo poder público quanto pelo setor privado – e pode colocar o país em sintonia com outras legislações internacionais de referência no campo da proteção de dados.
No entanto, os vetos realizados pelo governo federal ao texto aprovado no Parlamento podem comprometer a eficácia da legislação sancionada. Os mais preocupantes tratam da criação da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (artigos 55 a 59). Alegando vício de iniciativa, a Presidência da República excluiu da lei a previsão de instituição do órgão que teria o dever de fiscalizar sua implementação. Junto com a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), foi vetado o Conselho Nacional de Proteção de Dados Pessoais e da Privacidade, órgão multissetorial vinculado à Autoridade, responsável por propor diretrizes estratégicas e fornecer subsídios para a elaboração de uma política nacional para o setor, assim como para a atuação da própria ANPD.
Durante a cerimônia da sanção, Michel Temer afirmou que não há discordância de mérito com a criação da autoridade e anunciou que enviará em breve ao Congresso Nacional um projeto de lei para corrigir o problema do vício de origem e assim criar a Autoridade de Proteção de Dados. A Coalizão Direitos na Rede espera que o formato de composição da Autoridade, sua autonomia administrativa, suas atribuições e seu modo de funcionamento, assim como a criação, composição e atribuições do Conselho Nacional de Proteção de Dados sejam mantidos no novo PL, da mesma maneira como aprovados originalmente pelos deputados/as e senadores/as, fruto de um longo processo de discussões. Ou seja, qualquer proposta que vier do governo deve preservar o caráter de independência da Autoridade, que só pode cumprir efetivamente seu papel se, ainda que vinculada ao Ministério da Justiça, não fique sujeita a interferências políticas de governo. Do contrário, a efetividade da Lei estará de fato comprometida.
Também preocuparam a Coalizão Direitos na Rede os vetos realizados nos incisos VII, VIII e IX do artigo 52, relativos às sanções administrativas a quem descumprir as previsões da lei. A exclusão da possibilidade de se punir infrações à lei com a suspensão parcial ou total da atividade de tratamento de dados, assim como do funcionamento do banco de dados vinculado à infração, reduz significativamente o poder sancionatório do órgão responsável por monitorar a implementação da lei. Sem possibilidade de suspensão temporária de atividades ilícitas, as sanções ficam mais frouxas.
Já a justificativa apresentada para o veto ao Artigo 28, que previa publicidade ao uso compartilhado de dados pessoais entre órgãos e entidades de direito público não se sustenta.
Segundo o Palácio do Planalto, o artigo poderia inviabilizar “ações de fiscalização, controle e polícia administrativa”. Ora, a publicidade prevista no Artigo 28 visava dar transparência à comunicação de dados entre órgãos públicos, o que é prática recorrente no poder público, além de um mandamento constitucional previsto no Art. 37 da Carta Maior, apesar de desconhecida pela absoluta maioria da sociedade. Casos de fiscalização e controle internos da administração pública não seriam prejudicados porque as informações a serem publicizadas não incluiriam o detalhamento dos dados pessoais tratados. Infelizmente, quem perde com este veto é o direito do cidadão de saber por onde seus dados estão transitando dentro da administração pública.
Por fim, o veto ao inciso II do Artigo 23, impedindo a proteção dos dados pessoais dos cidadãos requerentes de acesso à informação, não garante a isonomia deste direito, tendenciando a resposta de acordo com a identificação do requerente e mantendo eventuais perseguições e retaliações por parte de agentes públicos, como casos já registrados evidenciam. Ademais, as razões do veto parecem descabidas, não guardando relação com a matéria de que trata o inciso.
Desde que o texto aprovado no Congresso foi enviado à Presidência da República para sanção, um intenso debate sobre possíveis vetos se iniciou no interior do governo. A Coalizão Direitos na Rede e outras organizações acadêmicas e do setor privado, que participaram ativamente do processo de negociação em torno da lei no Legislativo, já alertavam para os riscos dos vetos que se anunciavam, principalmente à criação da Autoridade Nacional de Proteção de Dados. Agora, seguiremos acompanhando de perto a continuidade deste processo, o que envolve a análise dos vetos presidenciais pelo Congresso e a tramitação do novo PL no Legislativo.
Celebramos a sanção ocorrida, fruto de muita luta e pressão social contra os abusos praticados no tratamento de dados pessoais no Brasil. Um passo fundamental para mudar este quadro foi dado e todos os atores e setores envolvidos neste processo merecem nosso reconhecimento público. Porém, não descansaremos enquanto o país não contar com uma legislação efetivamente protetiva e com mecanismos para ser plenamente implementada. Essa é a nossa bandeira.
#SeusDadosSãoVocê