3 de novembro de 2024

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Nayib Bukele, um ditador millenial

Desde que Bukele chegou à presidência de El Salvador, em junho de 2019, tem sido surpreendente a sua forma particular de lidar com o campo midiático, desde o uso, com inteligência, das redes sociais, aproveitando sua popularidade e o desgaste do resto dos partidos políticos, até o apelo ridículo a uma permanente vitimização política.

Por Franklin Selva*, especial para o Barão de Itararé

Em um chamado irresponsável à insurreição, Bukele passou de ser o presidente “cool” e “millenial” ao tradicional e obsoleto político que, nas décadas de 1960 e 1970, utilizou o assédio militar para amedrontar o povo. O atual mandatário, porém, usa o expediente para intimidar deputados da Assembleia Legislativa, como neste domingo (9), tomando o controle do Palácio Legislativo, após falta de quórum para realizar uma sessão extraordinária convocada pelo presidente. A ausência de deputados contrastou com uma enorme quantidade de militares. Ao invés de estarem patrulhando as inúmeras zonas perigosas de San Salvador, os soldados concentraram-se em ocupar o centro do governo na capital do país.

O conflito originou-se a partir da necessidade de o Poder Executivo conseguir a aprovação de um empréstimo de 109 milhões de dólares para fortalecer ações de segurança em um dos países mais violentos do mundo, ou seja, no qual a segurança pública é a principal preocupação da população, acostumada a um nível de vida cada vez mais difícil. Apesar disso, o problema torna-se muito grave quando, em clara intromissão nas funções dos órgãos de Estado, o presidente convoca os deputados de maneira obrigatória a não apenas realizarem a sessão, mas a aprovarem a proposta de empréstimo, através de seu conselho de ministros ministros de governo. A atitude deriva da espetacularização da política, fazendo uso de elementos muito tradicionais, nada “millenial” ou descolados, como a manifestação de simpatizantes do governo em ônibus e na tomada de ruas, as mesmas que em outros momentos criticaram o governante.

Desta vez, não teve “selfie”, como a de setembro de 2019, em Assembleia Geral das Nações Unidas, na qual Bukele criticou “o obsoleto formato de reunião da ONU”. O que teve de inesperado, na verdade, foi como o mandatário ameaçou o órgão legislativo, fazendo um chamado à insurreição, com apoio formal das Forças Armadas, que juraram lealdade ao presidente e asseguraram que “defenderão a pátria com suas vidas”. 

No domingo em questão, na ocasião da tomada do Congresso, Bukele realizou uma oração e, depois de garantir que Deus havia falado com ele, saiu de novo às ruas onde uma multidão o esperava exigindo a insurreição. Foi aí, rodeado de militares, franco-atiradores e policiais, que o presidente dirigiu-se a eles e, de forma messiânica, pronunciou a mensagem que Deus teria o confidenciado: “Tenha paciência”, acrescentando que poderia simplesmenter “apertar o botão”, caso fosse a vontade do mandatário, mas que Deus daria mais uma semana aos deputados para que decidam votar. Sim, os mesmos deputados que, um dia antes, tiveram seus direitos de segurança retirados e soldados enviados para vigiarem as suas casas.

A insurreição estava sendo televisionada e transmitida pelas redes sociais, com o uso evidente e escancarado de fundos estatais. O seu “diálogo com Deus” lhe permitiu dar uma semana para decidir se dissolverá ou não a Assembleia Legislativa e governar de maneira ditatorial para valer. Horas mais tarde, sua equipe de comunicação emitiu um comunicado no qual o presidente assegurava que havia apenas “pedido calma”, tendo decidido de atuar de “forma prudente”.

Um presidente que no domingo pediu paz, mas que ignorou o Aniversário dos Acordos de Paz, que colocaram fim a um conflito que, na década de 1980, custou a vida de milhares de salvadorenhos. Um acordo de paz que, sobretudo, significou um passo transcendental para a construção da democracia no país e, que agora, em clara estratégia política, é completamente ignorado, com as finalidade de apagar esta memória histórica.

Os elementos do espetáculo político, agora, estão na mesa para serem submetidos à análise e estudos de uma nova forma de se chegar ao poder: vendendo-se como diferente, moderno e “cool” para, tão logo seja possível, governar com autoritarismo, hostilizando seus adversários e adotando um simbolismo espiritual – a oração como fonte de sabedoria para acalmar o povo que, horas antes, havia se agitado e enfurecido em atenção ao chamado do presidente.

Resta esperar que a sensatez prevaleça na tomada de decisões, e não ações deliberadas que não ajudem a resolver a construção de uma sociedade que, embora tenha superado o bipartidismo, na verdade deu origem a um gueto para quem pensa diferente ser detonado nas redes sociais quando as contas do presidente dão a ordem. Nada “cool”.

*Franklin Selva é salvadorenho, comunicador e especailista em pesquisas políticas e de opinião pública