No domingo de páscoa, 12 de abril, Jair Bolsonaro dividiu a tela da TV Brasil, canal público de radiodifusão, com dezenas de líderes religiosos, em sua maioria evangélicos, que trocaram elogios mútuos ao vivo. O Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC) classificou o episódio um dos “mais escandalosos do aparelhamento das instituições públicas protagonizados pelo atual presidente da República”. Até Edison Lanza, Relator para a Liberdade de Expressão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), vinculada à Organização dos Estados Americanos (OEA), se manifestou, estarrecido: “Um continente que não aprende com seus erros está condenado a repetir suas tragédias. A TV pública brasileira tem sido convertida em um espaço de proselitismo político e religioso”.
Leia a nota completa a seguir.
Nota pública do FNDC: a transmissão ao vivo, pela TV pública, de um suposto culto religioso entre o presidente Jair Bolsonaro e pastores evangélicos foi uma flagrante violação à Lei EBC
A transmissão ao vivo, pela TV Brasil, neste domingo (12), de um suposto culto religioso entre o presidente Jair Bolsonaro e pastores evangélicos foi uma flagrante violação da Lei da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), gestora do canal, e configura claramente o uso indevido, ilegal e inconstitucional de uma emissora pública para promoção pessoal e proselitismo religioso. É, sem dúvida, um dos episódios mais escandalosos do aparelhamento das instituições públicas protagonizado pelo atual presidente da República.
Durante pouco mais de duas horas, a TV pública, regida pela Lei Federal 11.652/2008, exibiu uma videoconferência do presidente com dezenas de personalidades e líderes cristãos, de maioria evangélica, que se alternaram entre elogios a Bolsonaro e promoção de discurso religioso. Não houve anúncio de política pública nem assinatura de nenhum ato oficial de governo que justificasse a ocupação de um espaço que, por lei, deve ser destinado à exibição de uma programação com finalidades educativas, artísticas, culturais, científicas e informativas.
Essa mesma legislação veda “qualquer forma de proselitismo na programação das emissoras públicas de radiodifusão” (parágrafo 1º, artigo 3º) e ainda estabelece que não deve haver discriminação religiosa, político partidária, filosófica, étnica, de gênero ou de orientação sexual na TV pública (artigo 2º). A própria emissora já dispõe de uma faixa de programação religiosa, que deveria ser o espaço adequado para eventual transmissão de um culto ecumênico associado à Páscoa.
Em um discurso de mais de 10 minutos, durante a transmissão, Bolsonaro praticamente transformou a TV Brasil em um palanque particular, dirigindo críticas a adversários políticos e contra a imprensa, violando o princípio da impessoalidade requerido de um detentor de mandato eletivo. Além disso, como tem feito de forma sistemática e irresponsável, voltou a minimizar os graves efeitos sanitários da pandemia do novo coronavírus, ignorando as orientações das autoridades de saúde do Brasil e da Organização Mundial da Saúde (OMS).
A transmissão contou apenas com convidados declaradamente simpáticos ao presidente da República, como os bispo R.R Soares, o pastor Silas Malafaia e o deputado federal Marco Feliciano (Podemos-SP), este último também ocupante de mandato público.
“É preciso banir o uso sectário e distante do interesse público dos meios públicos com garantias legais”, escreveu Edison Lanza, relator especial para liberdade de expressão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) da Organização dos Estados Americanos (OEA), ao comentar este caso em um publicação nas redes sociais.
Além de não ter amparo legal para ter sido exibida, a transmissão deste domingo (12) marcou mais um capítulo triste no processo de desmonte da comunicação pública, ao longo dos últimos anos. Há exatamente um ano, por exemplo, uma portaria unificava a programação da TV Brasil com a TV NBR – esta última o então canal oficial do governo federal – resultando em uma “nova” TV Brasil com programação marcadamente governista e chapa-branca. Porém, nem mesmo na extinta NBR a transmissão de uma videoconferência como esta seria tolerável, por não se tratar de ato de governo nem conter interesse público correspondente.
A TV Brasil e os demais veículos da EBC também vêm perdendo a autonomia e a independência previstas em lei, especialmente após a extinção do Conselho Curador, colegiado que garantia a participação da sociedade na definição da programação das emissoras públicas, além da eliminação do mandato do diretor-presidente da empresa, mecanismo que assegurava maior autonomia em relação aos governos de plantão.
Sem essas salvaguardas, a EBC tem sido usada diariamente como máquina de propaganda do presidente da República. Multiplicam-se os episódios de censura a qualquer conteúdo que desagrade ao governante, sufocando assim a diversidade sociocultural que sempre foi uma marca da comunicação pública no Brasil em todos os países de democracia avançada.
O Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC) repudia com veemência mais esse ataque à comunicação pública. Não estamos diante apenas de um atentado contra a EBC, mas, em última instância, ante uma agressão aos princípios mais básicos de uma democracia representativa. Tomaremos medidas cabíveis para que haja responsabilização sobre a usurpação de uma emissora pública para promoção pessoal e veiculação de proselitismo político-religioso. O uso político de um patrimônio público custa caro à democracia e, no momento em que vivemos, também custa milhares de vidas.
Brasília, 13 de abril de 2020.
Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC)
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