Regular a mídia: censura ou ferramenta para construção de um sistema de comunicação mais democrático e plural? Foi com esta pergunta que o jornalista Anderson Moraes – fundador do Jornal Empoderado e coordenador do Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé – recebeu especialistas, neste domingo (26), em seu programa no canal da Revista Fórum.
Além de Admirson Jr, o ‘Greg’, que é secretário adjunto de comunicação da CUT e secretario de Finanças Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), o bate-papo também contou com outros dois dirigentes do Barão de Itararé: Renata Mielli e Laurindo Leal Filho, o Lalo.
Na condução do debate, Moraes questiona as razões de um debate tão importante para o Brasil não estar na boca do povo. Ao ser levantada pelo presidente Lula, comenta o apresentador, a pauta esquenta, porém está longe de contar com a compreensão da ampla maioria da população, que ainda enxerga o tema pela ótica da mídia hegemônica. Ou seja, que regular a mídia seria impor mecanismos de censura.
“É preciso, de fato, conversar sobre este tema tão pouco conversado. E quando conversado pela mídia comercial, é deturpado”, afirma Lalo. De acordo com o professor aposentado da USP e ex-apresentador da TV Brasil, nenhuma legislação, quando fala-se em regulação da mídia, toca no conteúdo do que é veiculado. “O que ocorre é regulamentar a propriedade e estabelecer limites. Na Argentina, por exemplo, o grupo Clarín possuía dezenas de canais de televisão, o maior jornal do país, emissoras de rádio. O que uma regulação faz é combater a concentração das concessões na mão de grupos hegemônicos ou mesmo de um único grupo”, explica.
No Brasil, explica Lalo, a grande maioria da população se informa através da mídia comercial. “Apesar do avanço da Internet, as pesquisas mais recentes mostram que a televisão ainda é a principal fonte de busca por informação. Esses meios hegemônicos escondem o debate sobre a comunicação, sobre a necessidade de diversidade. São temas censurados”, dispara. “Se alguém censura alguma coisa, é a própria mídia comercial”.
Segundo Renata Mielli, para entender a dificuldade de compreensão acerca do tema é preciso investigar as raízes históricas, sociai e culturais do país. Durante boa parte de sua história, conforme argumenta, o Brasil teve índices alarmantes de analfabetismo, além de ser um país com baixo nível de leitura. A mídia privada, comercial, hegemônica, em especial o rádio e a televisão, sempre foram os canais de construção do imaginário popular, ditando comportamentos, tendências e, também, matrizes de opinião.
O principal problema, segundo a jornalista, é que a mídia privada sempre se recusou a discutir a comunicação como um direito. “Foi com muita luta que consolidou-se a ideia de que a saúde é um direito fundamental. Educação, a mesma coisa. A sociedade começa a perceber que são direitos e, independente de serem prestados pela iniciativa pública e privada, devem existir regras gerais para garantir esses direitos”, assinala. “A comunicação nunca foi vista como um direito – do acesso à informação e ideias diversificadas e plurais. As grandes empresas privadas do setor sempre venderam a ideia da comunicação como um serviço ou como entretenimento. Um dos principais exemplos disso, como costuma dizer o próprio Lalo, é a ausência de consciência da sociedade em relação ao fato de que as rádios e as TVs são concessões públicas, concedidas, em boa parte, como privilégios para grupos do poder político e/ou econômico”.
Quem ataca a proposta de uma regulação democrática dos meios de comunicação está enganado ao pensar que não existem regras hoje, alerta Mielli. “A operação da mídia no Brasil já é regulada – há o Código Brasileiro de Telecomunicações (da década de 1960) e uma série de portarias e medidas administrativas que regulam o sistema. O problema é que esta regulação está anacrônica em relação às tecnologias e às próprias exigências democráticas atuais”, explica.
“Regular não é censura. Regular é construir um ambiente mais plural e democrático para que todos os grupos sociais possam ter acesso e a possibilidade de dialogar com a sociedade através de um bem público que são as concessões de radiodifusão”, sublinha Mielli.
Questionada por Moraes sobre a mídia alternativa, Mielli defende que os veículos contra-hegemônicos são fundamentais, com todos os limites – em especial os recursos econômicos. “Podem não ter o mesmo impacto no conjunto da sociedade brasileira, mas cumprem um papel indispensável: dar voz a segmentos historicamente silenciados. Quando os grandes meios excluem, por interesses políticos e econômicos, as perspectivas dos trabalhadores, dos negros, dos indígenas, da população LGBTQIA+, promovem uma forma de censura. E os meios alternativos contribuem justamente trazendo à tona essas pautas e discussões interditadas na grande mídia”.
Abusos sem punições
O suposto estupro cometido pelo Nego do Borel no programa “A Fazenda”, veiculado na Record, foi muito comentado pela audiência da live. Sobre o tema, Mielli recorda que não é a primeira vez que ocorre algo desta natureza. “Também houve um caso de abuso sexual no Big Brother Brasil há alguns anos. Ocorrendo um caso de explícita violação sexual, com transmissão ao vivo por uma concessão pública, deveria ser algo o suficiente para ensejar que o programa fosse retirado do ar”, avalia. “Em segundo lugar”, acrescenta,”pressão para que anunciantes abandonem o programa”.
Conforme relembra episódios do gênero, Mielli aponta que são vários os casos que exemplificam como é importante haver regras e, em última instância, punições. “O caso de Alexandre Garcia e suas mentiras na CNN Brasil, que culminaram em sua demissão; o incentivo de Rachel Sheherazade ao linchamento público de um cidadão; abusos de figuras como Marcão do Povo e Sikêra Jr, são apenas alguns dos que podemos citar agora”.
Levantar a bandeira da democratização da comunicação
Membro da direção do FNDC, órgão que congrega diversas entidades da sociedade civil brasileira, Greg avalia que o momento grave atravessado pelo país acaba exigindo atenção total dos movimentos social e popular para suas pautas de atuação. Apesar disso, ele destaca a luta pela democratização da comunicação como fundamental para todas as lutas.
“Temos cada vez mais experiências que mostram a importância desta agenda – a própria TVT (TV dos Trabalhadores) é um exemplo disso. É preciso discutirmos para além de esperar que as coisas aconteçam a partir do Governo Federal. É possível tocar ações a níveis locais e regionais”, diz. Só elencando a democratização da comunicação como prioridade é que será possível romper este bloqueio e, inclusive, conquistar mentes e corações para a batalha pela regulação democrática do setor, avalia.
Assista a íntegra do debate: