Muitos leitores certamente vão me questionar: “Mas, Eliara, os jornais, as TVs, o rádio, todos os meios estão falando em inflação, em desemprego, em queda na renda do trabalhador… onde está o problema?”.
Por Eliara Santana*, no Viomundo
Sim, de fato, todos esses temas, isoladamente, estão a todo momento no noticiário. Afinal, o cenário é bem preocupante e assustador:
–De acordo com a Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic), divulgada hoje pela CNC (Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo), 77,7% das famílias brasileiras estão endividadas, ou seja, têm dívidas a vencer. E quase 29% das famílias estão inadimplentes, ou seja, têm dívidas ou contas em atraso.
Os dados batem novo recorde no mês de abril. É um cenário para além de preocupante – é um cenário perverso, muito perverso. Ninguém com dívidas em atraso dorme bem, come bem, vive bem, sai pra manifestação, pra encontrar os amigos, pra respirar, pra caminhar.
— Pelo terceiro ano consecutivo, desde 2019, o Brasil está de fora da lista de países em desenvolvimento convidados para a reunião de cúpula do G7, grupo dos países mais ricos do planeta. O evento será em junho.
E desde que tomou posse, Jair, o inc Bolsonaro é solenemente ignorado. Neste ano, estão convidados representantes de Índia, África do Sul (os dois integram o que costumava ser os BRICS), Indonésia e Senegal
– O cenário para o trabalhador brasileiro é o pior em décadas: quase 12 milhões de desempregados, queda de quase 9% na renda média (a menor registrada desde 2012), mais de 33 milhões de brasileiros vivendo com um salário mínimo ou menos por mês, inflação sem controle que assombra quem vai ao supermercado, ao sacolão, ao posto de gasolina. É um cenário de precarização absurda fruto de um (des)governo nefasto.
–19 milhões de brasileiros passam fome e 116 milhões de brasileiros vivem em situação de insegurança alimentar, segundo a Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan).
Mas, apesar de os temas estarem presentes no noticiário, mostrando de certo modo que há problemas, onde está, então, o versal “CRISE ECONÔMICA”? Onde está a chamada “CRISE ECONÔMICA” com estardalhaço nos telejornais?
E por que importa falar em CRISE ECONÔMICA se os assuntos já estão aparecendo aleatoriamente?
Porque a construção e a apresentação marcada de um conceito dimensionam a existência daquela questão, daquele acontecimento para quem não tem acesso ao real imediato – nomear um acontecimento é colocá-lo em cena, em pauta em todas suas dimensões, é dar uma roupagem a ele.
Falar em desemprego importa; falar em queda na renda importa; falar em inflação importa; falar em fome importa.
Mas falar em CRISE ECONÔMICA como um problema da conjuntura brasileira, com a reunião de todos esses problemas, é essencial para dimensionar para a opinião pública o real estado da economia do país, é essencial para mostrar que há um grande e grave problema e não apenas questões pulverizadas – pois tocar em pontos econômicos específicos de modo pulverizado não constrói a ideia de um conjunto danoso.
Tocar em pontos pulverivados, por mais que eles ganhem destaque em reportagens, não dá a dimensão da gravidade da conjuntura que o país vive – e não discutir a conjuntura pode ser nocivo demais para a sociedade.
Além do que, esses elementos pulverizados compõem um todo, dialogam entre si, estabelecem ligações e pontes – e formam um problema de política, um problema de governo, um problema de política econômica.
Então, a pergunta: por que a imprensa, de modo deliberado, silencia em relação à conjuntura CRISE ECONÔMICA?
Vejam vocês que, apesar de todos esses problemas pulverizados que são apontados, o ministro da Economia, Paulo Guedes, não aparece na mídia – ele não dá entrevistas, não é ouvido, não é questionado, não é cobrado no sentido de mostrar soluções possíveis para um país que afunda. Nos governos petistas, por exemplo, os ministros da Economia eram ouvidos e questionados dia e noite, sobre todas as questões.
Por exemplo, no final do segundo governo Dilma, Guido Mantega à frente da Economia, quando o índice de desemprego era o menor da série histórica (4,8%) e havia aumento da renda média do trabalhador, que por isso conseguia fazer churrasco no domingo (vejam que luxo: era possível comer carne!), a ideia de “CRISE ECONÔMICA” já estava sendo posta pela mídia em reportagens, versais e chamadas, bastava qualquer pequena oscilação no índice de inflação e pronto, lá vinha a paulada.
Parece que, por ora, esse desejo da imprensa de escancarar a CRISE ECONÔMICA, como em outros tempos, está contido.
Isso talvez se explique pelo alinhamento completo da mídia corporativa brasileira aos ditames do neoliberalismo econômico – em linhas bem gerais: privatiza tudo, acaba com o Estado.
E também se explica porque o apoio a esse projeto neoliberal é o que sustentou o golpe contra Dilma Roussef e deu respaldo ao governo de Jair Bolsonaro – portanto, escancarar que o país vive um cenário de CRISE ECONÔMICA é admitir que a proposta neoliberal é péssima.
E então a população segue desinformada porque, mesmo com o aumento de reportagens mostrando inflação muito alta e desemprego, esses temas, além de pulverizados, aparecem sem um sujeito responsável.
Trocando em miúdos: as reportagens mostram uma faceta da inflação, que sobe porque sobe, o desemprego está alto por causa da pandemia, a renda caiu por causa da pandemia, o país afunda, mas não se sabe por que.
Ou seja, não há um sujeito responsável por esse estado de coisas, não há um responsável pelo afundamento da economia, até parece que não temos ministro há muito tempo.
É um jogo de causa e efeito que precisa ser escancarado para que as pessoas tenham a dimensão drástica do problema que vivemos – o efeito é a inflação, ou o desemprego; o que causa esses problemas?
O que o governo propõe ou não propõe?
Qual é a política econômica do governo Bolsonaro sob o comando de Paulo Guedes?
Aliás, onde está Wally, digo, Paulo Guedes??
Certamente, deve estar muito mais preocupado com sua offshore em paraíso fiscal (tema também devidamente ocultada pela mídia) do que com a economia brasileira, que vai mal, muito mal.
*Eliara Santana é jornalista e doutora em Linguística pela PUC/MG.