Por Leonardo Wexell Severo/ComunicaSul
“Do genocídio e do etnocídio praticados contra os indígenas guatemaltecos surgiu o termo ‘palestinização’, para designar a brutalidade empregada contra o conjunto da população civil, o assassinato de crianças, idosos ou mulheres no período mais duro dos anos 80”, afirmou Daniel Pascual Hernandez, coordenador do Comitê de Unidade Camponesa (CUC), em entrevista exclusiva.
Conforme o dirigente camponês, “na Guatemala, como na Faixa de Gaza, onde exterminam as pessoas, envenenam a água, animais e vegetais, a assessoria militar israelense defendia uma política de terra arrasada e extermínio”. Assim, num curto período, assinalou, “mais de um milhão de indígenas foram forçados a fugir para o México e outro meio milhão teve que se deslocar para vários departamentos [estados] a fim de não ser trucidado”.
Como naquele período existia um número de identidade relativo à região de habitação do morador, alertou Daniel Pascual, “as pessoas do povo quiche eram obrigadas a negar sua própria origem para não serem executadas”. “O número 14, relativo ao Departamento de Quiche, indicava a procedência e como já as tropas te vinculavam à guerrilha, eras executado”, explicou.
Pascual recordou que na época os assessores militares repetiam à exaustão a tese da água e do peixe: “apontavam que a guerrilha se abastecia das aldeias e comunidades, que eram a água. Diziam que se estava ali o seu sustento, estava nela o seu fim”. Assim, “para manter o país submisso à política do império, o que precisava ser feito contra quem se insurgisse era bombardear, assassinar e dispersar. Da mesma forma, como fazem atualmente na Palestina”.
Derrubado o governo nacionalista de Jacobo Árbenz pelos EUA e seus vassalos, os espaços democráticos se fecharam, mas foi a partir de 1960 que os entreguistas decidiram radicalizar. “Entre 1960 e 1996 foram 30 anos de guerra contra a população civil, quando tivemos 200 mil guatemaltecos assassinados e 45 mil desaparecidos”, lembrou.
Durante a ditadura do general José Efraín Ríos Montt, em janeiro de 1983, enfatizou o líder da CUC, “o chefe do Estado-Maior do Exército, Héctor Mario López Fuentes, disse: ‘Israel é o nosso principal fornecedor de armas e o amigo número um da Guatemala no mundo’. Posteriormente, em 2018, o presidente palhaço Jimmy Morales (2016-2020) e Alejandro Giammattei (2020-2024) – a quem Netanyahu descreveu como ‘um grande amigo de Israel’ -, transferiram a sua embaixada de Tel Aviv para Jerusalém”.
No início dos anos 80, sublinhou o dirigente camponês, “o governo dos Estados Unidos estava sob cerco internacional, enfrentando forte pressão, portanto repassou a Guatemala à administração israelense”. “Ficou para os sionistas financiarem, armarem e treinarem as tropas guatemaltecas com centenas de assessores dentro da sua visão ideológica”, destacou. Também em matéria de armamento, exemplificou, começaram a usar o fuzil Galil e o avião Aravá, notórios armamentos israelenses.
“Atualmente, com o governo progressista do presidente Bernardo Arévalo sem maioria no parlamento”, avaliou Daniel Pascual, se encontra frente à pressão de setores ultradireitistas e fascistas, que conseguem garantir a manutenção de estruturas legais e a aplicação de despejos rurais. “São confrontos muito diretos com o CUC que fogem da alçada do Estado porque as forças obscuras têm o controle de estruturas como a Corte Suprema de Justiça e do Ministério Público. São forças que procuram manipular e desinformar a população sobre a impunidade, a corrupção e os assassinatos de quem morreu e continua falecendo na luta pela terra”, apontou.
“Os assassinatos do advogado e defensor dos Direitos Humanos da Guatemala, José Alberto Domingo Montejo, e de Marcelo Yaxón Pablo, dirigente da CUC, assim como o grave tiro no maxilar de seu filho Gustavo Yaxón não é obra de delinquentes comuns. Foi uma emboscada resultado da ação orquestrada de uma organização criminosa. Este atentado tem um alto nível político”, esclareceu.
Em reunião com o presidente, Daniel Pascual resgatou “avanços obtidos no sentido de construir um acordo político e agrário com as organizações camponesas que saldem uma dívida histórica de mais de 500 anos e deixem um legado às futuras gerações”.
Mas para uma oligarquia que quer manter a Guatemala submissa ao grande capital transnacional, a bandeira da reforma agrária é algo que agride, protestou, “pois a fome faz parte do seu plano”. “Afinal, se não tem alimento e nem educação, a ignorância é abundante para que os mesmos de sempre continuem nos manipulando e submetendo”, concluiu.