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Eleições deste domingo (9) colocam em jogo a presidência tampão de magnata que impulsionou militarização e a violação de direitos humanos em “cruzada contra a criminalidade”
Felipe Bianchi | ComunicaSul
Se o Equador liderava o ranking de países mais seguros da América do Sul há 12 anos, o país vive hoje uma escalada de violência e criminalidade agravada pelo governo tampão do empresário Daniel Noboa, que apostou na militarização do país em sua suposta guerra contra o crime organizado.
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A avaliação é da jornalista Verónica Calvopiña, jornalista residente em Quito e dirigente do meio comunitário Wambra. Segundo ela, em meio ao fogo cruzado, o governo aproveita para impor uma dura agenda econômica que castiga a maior parte da população. “O militarismo permitiu a implantação de políticas neoliberais com ajustes estruturais muito fortes. Sob o pretexto de combater a falta de segurança, Noboa impõe a doutrina do choque. Militariza o país, aproveita a reação das pessoas que ficam assustadas e impõe o neoliberalismo”
Calvopiña, que se dedica a investigar pautas como direitos humanos, meio ambiente, políticas de comunicação e a concentração da mídia nas mãos de grupos privados e religiosos, conversou com a reportagem da ComunicaSul neste domingo (9) e explicou o panorama eleitoral, a incendiária conjuntura equatoriana e também a disputa comunicacional em torno do destino do país.
A incerteza é grande, pontua Calvopiña. “A ideia de voto útil polarizou ainda mais o cenário, favorecendo candidatos como Noboa, que tem acesso a recursos imensos, o que lhe dá vantagem. No entanto, as expectativas de levar a votação para o segundo turno têm se concentrado na candidata progressista Luisa González, que gera esperança, mas também depende de o correísmo superar o desafio de ampliar sua base eleitoral.
Violência galopante e choque neoliberal
Noboa venceu a eleição em outubro de 2023 para completar o mandato do banqueiro Guillermo Lasso, que recorreu a um processo chamado “morte cruzada” para evitar um iminente processo de impeachment. “Ele vem de uma das famílias mais ricas do país, praticamente dona do país, e conseguiu aglutinar o chamado voto anticorreísta, ou seja, de todas as forças políticas que não comungam com as ideias progressistas ou de esquerda, e muito menos com Rafael Correa”, explica Calvopiña.
“Como resposta à violência dos últimos anos após a pandemia, Daniel Noboa implementa o que chama de Plano Fênix, um plano de segurança obscuro e sem muitos detalhes públicos. Na prática, ele representa a militarização da vida no Equador”, diz.
Os resultados do pacote que soma o autoritarismo da militarização à retirada de direitos e o impulsionamento da agenda neoliberal iniciada anos antes é catastrófico: 28 a cada 100 equatorianos vivem na pobreza na atualidade, o que totaliza 5,2 milhões de cidadãos. 2,4 milhões vivem na pobreza extrema, com renda inferior a 52 dólares mensais. Na conjuntura atual, uma família equatoriana precisaria trabalhar por nove gerações (cerca de 200 anos) para sair da faixa da pobreza.
Quanto ao combate à violência, um ano após a militarização, o Equador viveu um dos meses mais violentos de sua história. Em janeiro de 2025, o país contabilizou 750 homicídios – uma média de 25 assassinatos por dia.
“A presença militar nas prisões tem gerado ainda mais violência. São frequentes as denúncias de tortura, abuso de mulheres trans nas prisões, entre outras brutalidades. Também há mortes de pessoas nas prisões sem maiores explicações, mortes por inanição, falta de atendimento médico e hospitalar para as pessoas privadas de liberdade. E tudo isso com um discurso de que são criminosos e, portanto, não têm direitos humanos”, denuncia a jornalista.
“O governo deu carta-branca aos militares e policiais para agirem sem prestar contas à opinião pública. Isso gerou um ambiente de impunidade e proteção à força pública”, complementa Calvopiña. “Para muitos, Daniel Noboa governa com apoio dos militares”
Racialização e crueldade contra crianças
Conforme relata a editora de imprensa do Wambra, as organizações sociais já alertavam sobre uma racialização dos alvos policiais. “Muitas pessoas passaram a ser detidas nas ruas pela cor da pele e passaram a pipocar várias denúncias de desaparecimentos, detenções, torturas e execuções”, conta.
Em dezembro de 2024, houve um caso emblemático de violação dos direitos humanos: o desaparecimento e a execução de quatro crianças, com idades entre 11 e 16 anos. “Os vídeos nas ruas mostram que uma patrulha militar as deteve, agrediu-as com seus rifles, e as levou até uma base militar para fora da cidade de Guayaquil, onde as crianças desapareceram”, descreve. “Está sendo investigado o desaparecimento forçado, mas ainda há dúvidas sobre quem executou as crianças. As crianças foram assassinadas com extrema crueldade. Seus corpos foram incinerados, um assassinato brutal. Por se tratarem de crianças, isso indignou muito a sociedade equatoriana, especialmente as organizações afrodescendentes, que foram as que mais reclamaram, porque esse crime evidenciou, por um lado, a política racista e militarista, mas também a violência da força pública contra as pessoas afrodescendentes, negras, pobres, da costa equatoriana, e, além disso, crianças”.
Para a jornalista, o barbarismo do episódio escancarou de forma crua o que representa a política militarista de Noboa. O governo não dá nenhuma resposta à sociedade. “Em vez disso, há uma negação, com o discurso de que eram criminosos e, portanto, mereciam desaparecer”, sublinha.
Apesar de a Constituição aprovada pela Revolução Cidadã, liderada por Rafael Correa a partir de 2008, ter oportunizado a discussão sobre a democratização dos meios de comunicação e da informação no país, a regulação para o setor não deu conta de implementar as mudanças necessárias. De acordo com Calvopiña, a concentração de veículos na mão da iniciativa privada segue predominante e parte significativa da comunicação está na mão das igrejas evangélicas e católicas, inclusive transnacionais: “Falo de igrejas que têm propriedades em toda a região, desde os Estados Unidos até a Argentina. Elas dominam uma grande parte do espectro que deveria ser ocupado pelas organizações sociais, povos e nacionalidades”, de acordo com a Lei Orgânica de Comunicação aprovada em 2013 e posteriormente deformada pela direita.
Desinformação e fake news na eleição equatoriana
Nos últimos anos, em meio à pandemia e com a expansão das novas tecnologias, surgiram muitos meios digitais que, segundo a jornalista aparentemente se apresentam como alternativos por estarem no ambiente digital, mas que acabam replicando um discurso de direita, fazendo da desinformação um expediente comum.
“A imprensa nacional já noticiou que o Equador é um dos países onde a população mais acredita em desinformação e notícias falsas. Isso é muito preocupante. E isso evidentemente afeta tudo. E agora, mais na vida eleitoral e política do país, há muita desinformação sobre os candidatos. Acusam-nos de muitas coisas em temas políticos. Então, para o povo, fica muito difícil discernir o que é realidade e o que é mentira”, frisa.
Durante a campanh eleitoral de 2023, a morte de um candidato presidencial, Fernando Villavicencio, uma figura bastante controversa, chacoalhou o país. “Após a morte desse personagem, houve uma forte acusação contra o correísmo, amparada em uma enxurrada de desinformação e mentiras”, afirma.
O efeito Trump e a luta pela integração regional
Levando a cabo uma política de deportações em massa e uma agressiva postura na guerra comercial com diversos países, o governo Trump coloca novos desafios para a vida política latino-americana. Como isso afeta o Equador? “Temos um governo de Daniel Noboa totalmente alinhado com os Estados Unidos. Vale notar que ele nasceu lá, inclusive. Noboa esteve na posse de Trump e tratou sua participação no evento como algo histórico, como uma grande conquista. O que ele fez foi endossar todo o discurso de intervenção e presença dos Estados Unidos aqui no Equador”, critica.
“O discurso de Daniel Noboa se insere em um contexto complicado, onde está sendo atacada a soberania do Equador, promovendo a intervenção estrangeira e abrindo espaço para a presença de bases militares estrangeiras no país, particularmente dos Estados Unidos”, salienta a comunicadora. “Sua proposta de reforma constitucional para permitir bases militares, especificamente nas Ilhas Galápagos, uma zona de interesse estratégico para os Estados Unidos, gera grande preocupação. Essa mudança é justificada sob a desculpa de combater o narcotráfico e a violência, o que reflete um claro alinhamento com os interesses geopolíticos dos Estados Unidos na região”.
Para ela, é evidente que Noboa se posiciona como apoiador de um bloco ultraconservador na região, nutrindo simpatia por figuras como Jair Bolsonaro, Nayib Bukele e Javier Milei. Isso significa, segundo a jornalista, apoiar políticas autoritárias e o enfrentamento ao movimento feminista, à luta por direitos sexuais e reprodutivos, dentre outras bandeiras. “Esses governos têm ganhado força e a desinformação definitivamente é um dos recursos que utilizam para ganhar votos, como as fake news que fabricam sobre questões como gênero”.
Neste panorama, os direitos humanos e a diversidade enfrentam um grande retrocesso. “No Equador, até mesmo uma sentença favorável a uma menina trans, garantindo seu direito de ser respeitada no ambiente educacional, foi usada de forma distorcida pela campanha conservadora para fazer crer que estava sendo promovida a ‘hormonização’ e operações de mudança de sexo, gerando medo e polarização”.