Se as grandes corporações e os setores mais conservadores aprenderam a dominar a comunicação digital para influenciar corações e mentes, por que o campo democrático ainda trata a comunicação como algo secundário? Em um mundo hiperconectado, onde a informação circula de forma instantânea e a disputa narrativa acontece a cada segundo, investir em estratégias de comunicação e mobilização digital não se trata mais de uma opção, mas de uma necessidade para a sobrevivência e fortalecimento das lutas democráticas.
Por Guilherme Imbassahy, para o Barão de Itararé*
Há uma crença equivocada de que aqueles que defendem maior presença nas redes, necessariamente estariam defendendo substituir a mobilização fora das redes. Mas o recado é claro, a comunicação digital não substitui a mobilização de rua, especialmente os atos e manifestações e nem as reuniões comunitárias e o trabalho de base. No entanto, o digital não é um fim em si mesmo, mas um meio poderoso para potencializar a organização política e inclusive a mobilização offline.
A tecnologia permite que vozes antes invisibilizadas sejam amplificadas, que debates antes restritos a pequenos círculos se expandam e que campanhas políticas atinjam pessoas que, de outra forma, jamais seriam alcançadas. Não à toa, a história nos mostrou que campanhas vitoriosas e movimentos transformadores nasceram na interseção entre mobilização digital e engajamento físico. Se a rua ainda é o espaço privilegiado da luta política, a internet é onde essa luta ganha força, organização e escala.
Ano após ano, as redes sociais deixam de ser meros espaços de interação; elas se tornam arenas de disputa política, cultural e ideológica. Quem domina a linguagem das plataformas e entende os mecanismos dos algoritmos tem vantagem na formulação do debate público. Não é coincidência que grupos antidemocráticos se organizam de maneira sofisticada na internet, espalhando suas narrativas e mobilizando massas. Enquanto isso, setores progressistas, muitas vezes, ainda insistem em comunicar apenas para dentro das suas próprias bolhas, sem dialogar com um público mais amplo e sem disputar a hegemonia da informação no ambiente digital.
Muitos movimentos e partidos progressistas ainda tratam a comunicação digital como um apêndice de suas estratégias, delegando essa função a voluntários ou mantendo equipes subdimensionadas para lidar com um desafio tão complexo. O resultado é uma presença digital fragmentada, incapaz de responder de maneira eficaz a ataques, fake news e campanhas de desinformação. A extrema-direita, por outro lado, compreendeu há muito tempo que a comunicação digital não é um setor secundário, mas sim o coração da disputa política contemporânea. Isso se traduz em redes coordenadas, mensagens unificadas e estratégias que conseguem criar e direcionar a pauta pública. Se o campo democrático não entender que investir em comunicação é um investimento na própria sobrevivência, continuará reagindo ao invés de pautar o debate.
O desafio, portanto, não é apenas ocupar as redes sociais, mas expandir sua atuação para além do círculo de apoiadores cotidianos. Isso exige linguagem acessível, formatos inovadores e a capacidade de traduzir pautas políticas complexas em mensagens que ressoem com diferentes setores da sociedade. O que adiantaria um grande volume de publicações e campanhas se elas só circulam entre aqueles que já estão convencidos? A disputa narrativa não pode ficar restrita a quem já concorda com os ideais democráticos – ela precisa atravessar fronteiras, alcançar indecisos e contestar diretamente as falsas narrativas que circulam nos espaços digitais.
Não basta apenas estar nas redes; é preciso construir comunidades digitais ativas, capazes de mobilizar pessoas e transformar engajamento em ação política. Os algoritmos das plataformas privilegiam conteúdo que gera interação, e isso significa que os movimentos sociais e partidos precisam ir além das postagens institucionais e formais. O público precisa se sentir parte da construção das mensagens, interagir, compartilhar e levar o debate para fora das telas. Movimentos de extrema-direita entenderam isso muito antes do campo progressista e investiram pesado em estratégias de mobilização digital baseadas na participação ativa de suas bases.
Se queremos fortalecer as lutas democráticas, precisamos nos apropriar dessas táticas e usá-las para potencializar nossas próprias narrativas, sem abrir mão dos valores que defendemos. Investir em comunicação não significa apenas fazer mais postagens ou produzir mais conteúdo. Significa ter estratégia, profissionalismo e planejamento. Isso envolve compreender os públicos, segmentar as mensagens, criar campanhas coordenadas e, principalmente, saber como mensurar os resultados.
A profissionalização da comunicação no campo progressista passa por estruturar equipes, investir em capacitação, financiar campanhas estratégicas e entender que a disputa política não ocorre apenas nas eleições, mas diariamente, em cada interação digital. A verdade, os direitos e as conquistas democráticas precisam ser defendidos com a mesma intensidade e organização com que são atacados.
Se não queremos que as plataformas digitais sejam um monopólio da desinformação e do discurso de ódio, precisamos disputar ativamente esses espaços. Isso significa investir em capacitação, estrutura e estratégias de longo prazo para que partidos, mandatos e movimentos progressistas tenham força para enfrentar o desafio da era digital. O que está em jogo não é apenas quem vence a próxima eleição, mas sim quem molda o imaginário coletivo e define o que será aceito como verdade nos próximos anos. Vamos abrir mão desse papel ou assumir o protagonismo da disputa pelo futuro?
*Guilherme Imbassahy, especialista em marketing político e sócio proprietário da Flex.AG, atuando no campo democrático há mais de 15 anos. Graduado em Relações Internacionais, Marketing Internacional e pós-graduado em Comunicação Eleitoral e Marketing Político
A Coluna do Barão é um espaço dedicado à publicação de análises e reflexões sobre a comunicação e questões como a política, a economia, a cultura e sociedade brasileira em geral. A coluna traz textos exclusivos de autores e autoras diversos, em sua ampla maioria, membros a Coordenação Executiva ou do Conselho Consultivo do Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé. O conteúdo dos artigos não expressam, necessariamente, a visão da organização.