12 de maio de 2025

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Entre vínculos e votos: o que a política pode aprender com as grandes marcas?

12 de maio de 2025

Em tempos de crise de confiança e distanciamento entre representantes e representados, pensar em comunidade como ativo político pode ser mais necessário do que nunca. É fato que o marketing digital evoluiu de forma significativa, e um dos movimentos mais transformadores tem sido a ascensão das comunidades digitais como ativos estratégicos. Longe de serem apenas espaços de engajamento superficial, essas comunidades têm se mostrado motores de fidelização, cocriação e crescimento para os mais diversos setores.

Por Camila Modanez, para o Barão de Itararé*

No mundo corporativo, empresas de referência global entenderam que não se trata apenas de vender produtos, mas de construir vínculos — relações contínuas com consumidores que influenciam, criam e defendem as marcas. Nesse contexto, o artigo da MIT Technology Review Brasil, “Comunidades digitais como ativos de marketing”, oferece um panorama valioso sobre como o mercado vem explorando essas dinâmicas, com apoio de estudos da Bain & Company e da McKinsey & Company.

Enquanto isso, o mundo político, ainda preso a uma lógica vertical e focado no curto prazo das campanhas eleitorais, parece não ter assimilado o potencial dessas estratégias. E aqui cabe uma provocação: o que a política pode aprender com o mercado quando o assunto é comunidade?

A ideia aqui não é equiparar dois contextos tão distintos, afinal, a política enfrenta desafios que vão muito além do que ocorre no mercado. Mas reconhecer que há caminhos possíveis de aprendizado cruzado, os quais podem abrir novas perspectivas. 

O que o mercado já entendeu sobre comunidades digitais

O setor privado compreendeu que comunidades digitais não são apenas canais de marketing, mas espaços vivos de troca, escuta e pertencimento. Marcas que apostam nessas relações horizontais colhem resultados concretos: segundo a Bain & Company, consumidores engajados gastam até 19% mais, e a McKinsey mostra que empresas com estratégias de comunidade têm até três vezes mais chances de crescer acima da média.

Esse movimento é guiado por pilares claros: propósito definido, incentivo à participação, ambientes seguros de troca e métricas que avaliam o impacto real. O mercado entendeu que construir valor com as pessoas é mais eficaz do que apenas entregar valor para elas.

E o marketing político, onde está nisso?

Enquanto o mercado evolui, o marketing político ainda opera sob uma lógica vertical: fala-se ao eleitor, mas pouco se escuta. A interação acontece, na maioria das vezes, apenas em períodos eleitorais, e ainda assim de forma superficial e centrada em performance, não em vínculo.

As redes sociais abriram espaço para maior proximidade, mas o uso político dessas plataformas segue limitado. Falta visão estratégica sobre comunidade. Poucos líderes ou partidos constroem espaços digitais de escuta contínua, diálogo ou participação real da base.

A lógica predominante ainda é transacional: pedir o voto, e não relacional: construir um projeto junto. Isso enfraquece a capacidade de mobilização, mina a lealdade no longo prazo e distancia representantes de seus representados. Sem vínculos consistentes, a política corre o risco de se tornar cada vez mais uma disputa de alcance, e não de pertencimento.

A política tem muito a aprender com o mercado sobre como construir e nutrir comunidades digitais. Assim como marcas transformam consumidores em parceiros, lideranças políticas poderiam transformar apoiadores em participantes ativos de um projeto coletivo.

A lógica da cocriação, tão valorizada por grandes empresas, também pode se aplicar à política: ouvir ideias, compartilhar decisões, envolver a base na construção de agendas e propostas. Isso fortalece vínculos e gera pertencimento.

Mais do que tecnologia, o que importa é a disposição para abrir canais reais de escuta e participação. Plataformas existem, mas sem propósito claro e escuta genuína, viram apenas vitrines.

O maior aprendizado talvez seja esse: comunidades fortes não se constroem só com mensagens bem formuladas, mas com relações sustentáveis em torno de um propósito comum. E isso vale tanto para marcas quanto para mandatos.

É importante reconhecer que política e mercado operam em contextos distintos. A política lida com temas sensíveis, divergências profundas e uma carga emocional muito maior. Construir comunidades nesse ambiente exige cuidado, tempo e abertura real ao diálogo.

Além disso, há barreiras práticas: falta de cultura digital em muitas lideranças, escassez de estratégias estruturadas e dificuldade em lidar com a diversidade de opiniões sem transformar tudo em conflito.

Mas isso não deve ser motivo para inércia. Pelo contrário, são esses desafios que tornam ainda mais urgente a construção de espaços políticos sustentáveis, onde a escuta e o pertencimento sejam centrais. Se o mercado já entendeu que marcas não sobrevivem sem relações, a política não deveria abrir mão disso.

Comunidades digitais deixaram de ser uma tendência e se tornaram parte da infraestrutura relacional de marcas que querem se manter relevantes. Elas criam vínculos reais, sustentam engajamento e constroem lealdade.

A política ainda não incorporou essa lógica. Focada em campanhas e presença nas redes, muitas vezes deixa de lado o que mais importa: criar espaço para escuta, troca e construção conjunta.

Mais do que curtidas ou votos, o futuro da política exige vínculos reais. E comunidades podem ser a chave — não apenas para comunicar, mas para reconectar. Porque quem pertence, participa. E quem participa, constrói.

Coluna do Barão é um espaço dedicado à publicação de análises e reflexões sobre a comunicação e questões como a política, a economia, a cultura e sociedade brasileira em geral. A coluna traz textos exclusivos de autores e autoras diversos, em sua ampla maioria, membros a Coordenação Executiva ou do Conselho Consultivo do Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé. O conteúdo dos artigos não expressam, necessariamente, a visão da organização.