
Ao passo que Israel põe às claras seu impulso final de genocídio, e a morte em massa por fome está rondando Gaza, a mídia e os políticos ocidentais estão tentando começar a se manifestar.
Dezenove meses atrás, quem poderia imaginar que levaria mais de um ano e meio com Israel massacrando e matando de fome as crianças de Gaza para que as primeiras fissuras aparecessem no que tem sido um bloco sólido de apoio a Israel por parte de estabelecimentos ocidentais?
Por Jonathan Cook*
Até que enfim, parece que algo está prestes a ocorrer.
O jornal financeiro do establishment britânico, Financial Times, foi o primeiro a romper fileiras na semana passada para condenar “o vergonhoso silêncio do Ocidente” perante o ataque assassino de Israel ao pequenino enclave.
Em um editorial – a voz efetiva do jornal – o FT acusou os Estados Unidos e a Europa de serem cada vez mais “cúmplices” à medida que Israel ia tornando Gaza “inabitável”, uma alusão ao genocídio, e observou que o objetivo era “expulsar os palestinos de suas terras”, uma alusão à limpeza étnica.
É claro que esses dois graves crimes cometidos por Israel vêm sendo evidentemente verdadeiros não apenas desde o violento golpe de um dia do Hamás, em Gaza, em 7 de outubro de 2023, mas há décadas.
O nível das reportagens ocidentais é tão deplorável, de uma mídia não menos cúmplice do que os governos criticados pelo FT, que precisamos nos agarrar a quaisquer pequenos sinais de progresso.
A seguir, o Economist entrou na conversa, alertando que o Primeiro-Ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, e seus ministros foram induzidos por um “sonho de esvaziar Gaza para reconstruir ali os assentamentos judaicos”.
No fim de semana, The Independent decidiu que o “silêncio ensurdecedor sobre Gaza” tinha que acabar. Era “hora de o mundo despertar para o que está acontecendo e exigir o fim do sofrimento dos palestinos presos no enclave”.
Em realidade, grande parte do mundo já tinha despertado há muitos, muitos meses. Têm sido a imprensa ocidental e os políticos ocidentais que andam adormecidos nos últimos 19 meses de genocídio.
Assim, na segunda-feira – o supostamente liberal Guardian expressou em seu próprio editorial o receio de que Israel esteja cometendo “genocídio”, embora só tenha ousado fazê-lo formulando a acusação como uma pergunta. Ele escreveu sobre Israel: “Agora está planejando uma Gaza sem palestinos. O que é isso, senão genocídio? Quando os EUA e seus aliados vão agir para impedir o horror, se não agora?”
Para ser mais apropriado, o jornal poderia ter feito uma pergunta diferente: por que os aliados ocidentais de Israel – assim como os meios – como o Guardian e o FT – esperaram 19 meses para se manifestar contra o horror?
E, previsivelmente, na retaguarda, estava a BBC. Na quarta-feira, o programa BBC’s PM optou por dar destaque ao testemunho feito ao Conselho de Segurança por Tom Fletcher, chefe de assuntos humanitários das Nações Unidas. O apresentador Evan Davis disse que a BBC havia decidido “fazer algo um tanto incomum”.
Era, de fato, incomum. Reproduziram na íntegra o discurso de Fletcher – todos os 12 minutos e meio, incluindo o comentário de Fletcher: “Para aqueles que foram mortos e aqueles cujas vozes estão silenciadas: de que outras evidências vocês precisam agora? Vocês vão agir – de modo decisivo – para impedir o genocídio e garantir o respeito do direito humanitário internacional?”
Em menos de uma semana, a palavra “genocídio” em relação à Gaza passou da condição de tabu para tornar-se quase de uso generalizado.
Fissuras crescentes
Também no parlamento britânico as fissuras são evidentes. Um deputado conservador e defensor incondicional de Israel, Mark Pritchard, se levantou dos bancos de trás para admitir que estava errado a respeito de Israel, e o condenou “pelo que está causando ao povo palestino”. Ele foi um dos mais de uma dúzia de deputados e pares conservadores na Câmara dos Lordes, todos anteriormente defensores fervorosos de Israel, que instaram o Primeiro-Ministro britânico, Keir Starmer, a reconhecer imediatamente um Estado palestino.
Sua iniciativa se deu após uma carta aberta ter sido publicada por 36 membros da Junta de Deputados, um órgão de 300 membros que alega representar os judeus britânicos, discordando de seu persistente apoio ao massacre.
A carta alertava: “A alma de Israel está sendo rasgada.” Pritchard disse a seus colegas deputados que era hora de “tomar o lado da humanidade, de estarmos do lado certo da história, de termos a coragem moral de liderar.”
Infelizmente, ainda não há nenhum indício disso. Uma pesquisa publicada na semana passada, com base em dados da autoridade tributária israelense, mostrou que o governo de Starmer tem mentido até sobre as altamente limitadas restrições nas vendas de armas para Israel que afirmou ter imposto no ano passado.
Apesar de um ostensivo banimento nas remessas de armas que poderiam ser usadas em Gaza, a Grã-Bretanha exportou secretamente mais de 8.500 itens de munições para Israel desde o banimento.
Esta semana mais detalhes foram revelados. De acordo com números publicados pelo The National, o governo atual exportou mais armas para Israel nos três meses após o banimento entrar em vigor do que o governo conservador anterior tinha feito durante todo o período de 2020 a 2023.
Em meio ao que o Tribunal Internacional de Justiça – o Tribunal Mundial – descreveu como um “genocídio plausível”, o apoio do Reino Unido a Israel é tão vergonhoso que o governo de Starmer precisa fingir que está fazendo algo, mesmo que, na verdade, continue a armá-lo para o genocídio.
Mais de 40 parlamentares escreveram ao Secretário de Relações Exteriores, David Lammy, na semana passada, solicitando que ele respondesse às alegações de que havia enganado o público e o parlamento. “O público merece saber a escala total da cumplicidade do Reino Unido em crimes contra a humanidade”, escreveram.
Há murmúrios crescentes em outros lugares. Esta semana, o Presidente da França, Emmanuel Macron, tachou o bloqueio completo de Israel à ajuda para Gaza de “vergonhoso e inaceitável”. Ele acrescentou: “Meu trabalho é fazer tudo o que puder para fazer que isso pare.”
“Tudo” parecia indicar que não iria além de sugerir possíveis sanções econômicas. Mesmo assim, a mudança retórica foi impressionante.
A Primeira-Ministra da Itália, Giorgia Meloni, também denunciou o bloqueio, chamando-o de “injustificável”. Ela acrescentou: “Sempre ressaltei a urgência de encontrar uma maneira de acabar com as hostilidades e respeitar o direito internacional e o direito internacional humanitário”.
“Direito internacional”? Onde isso esteve nos últimos 19 meses?
Houve uma mudança semelhante de prioridades do outro lado do Atlântico. O senador democrata Chris van Hollen, por exemplo, recentemente ousou chamar as ações de Israel em Gaza de “limpeza étnica”.
Christiane Amanpour, da CNN, um termômetro do consenso de Beltway, deu um interrogatório incomumente duro à vice-ministra das Relações Exteriores de Israel, Sharren Haskel. Amanpour quase a acusou de mentir sobre a questão de Israel matar crianças de fome.
Enquanto isso, Josep Borrell, o recém-saído chefe de política externa da União Europeia, quebrou outro tabu na semana passada ao acusar diretamente Israel de preparar um genocídio em Gaza. “Raramente já ouvi o líder de um Estado delinear tão claramente um plano que se encaixa na definição legal de genocídio”, disse ele, acrescentando: “Estamos enfrentando a maior operação de limpeza étnica desde o fim da Segunda Guerra Mundial”.
Borrell, logicamente, não tem nenhuma influência sobre a política da UE neste momento.
Um campo de extermínio
Tudo isso é um progresso dolorosamente lento, mas sugere que um ponto de inflexão pode estar próximo.
Se assim for, há várias razões. Um – o mais evidente na mistura – é o presidente dos EUA, Donald Trump.
Era mais fácil para o Guardian, o FT e os parlamentares conservadores da velha escola assistirem ao extermínio dos palestinos de Gaza em silêncio quando quem estava por trás eram o gentil tio Joe Biden e o complexo industrial militar dos EUA.
Diferentemente de seu antecessor, Trump muitas vezes esquece a parte em que ele deveria encobrir os crimes israelenses ou distanciar os EUA deles, mesmo sendo Washington que envia as armas para realizar esses crimes.
Mas há também muitas indicações de que Trump – com seu desejo constante de ser visto como o mandachuva – está cada vez mais irritado por ser publicamente ofuscado por Netanyahu. Esta semana, enquanto Trump se dirigia ao Oriente Médio, seu governo garantiu a libertação do soldado israelense Edan Alexander, o último cidadão americano vivo em cativeiro em Gaza, contornando Israel e negociando diretamente com o Hamas.
Em seus comentários sobre a libertação, Trump insistiu que era hora de “pôr fim a esta guerra muito brutal” – uma observação que ele obviamente não coordenou com Netanyahu. Convém notar que Israel não está no roteiro de Trump no Oriente Médio.
Este parece ser um momento relativamente seguro para adotar uma postura mais crítica em relação a Israel, como presumivelmente o FT e o Guardian apreciam. E, também, há o fato de que o genocídio de Israel está chegando ao seu ponto final. Nenhuma comida, água ou medicamentos entram em Gaza há mais de dois meses. Todo mundo está desnutrido. Não está claro, dada a destruição do sistema de saúde de Gaza por Israel, quantos já morreram de fome.
Aya, a mãe do bebê palestino Jenan Alskafi, mostra uma foto em um celular de sua filha que morreu de desnutrição em Gaza, em 3 de maio de 2025, devido ao bloqueio israelense. (Reuters)
Porém, as fotos de crianças em pele e ossos emergindo de Gaza lembram desconfortavelmente imagens de 80 anos atrás de crianças judias esqueléticas presas em campos nazistas. Isto é um lembrete de que Gaza – estritamente bloqueada por Israel nos 16 anos anteriores ao ataque do Hamas em 7 de outubro de 2023 – foi transformada nos últimos 19 meses de campo de concentração em campo de extermínio.
Setores da mídia e da classe política sabem que a morte em massa em Gaza não pode ser obscurecida por muito mais tempo, nem mesmo após Israel ter barrado jornalistas estrangeiros do enclave e assassinado a maioria dos jornalistas palestinos que tentavam registrar o genocídio.
Atores políticos e midiáticos cínicos estão tentando apresentar suas desculpas antes de que seja tarde demais para mostrar remorso.
O mito da “guerra em Gaza”
E, por fim, há o fato de que Israel declarou sua disposição de assumir a responsabilidade pelo extermínio em Gaza, em suas palavras, “capturando” o minúsculo território.
O há muito ansiado “dia seguinte” parece que está prestes a chegar. Durante 20 anos, Israel e os países ocidentais conspiraram na mentira de que a ocupação de Gaza havia terminado em 2005, quando o então Primeiro-Ministro de Israel, Ariel Sharon, retirou alguns milhares de colonos judeus e removeu soldados israelenses para um perímetro altamente fortificado que cercava o enclave.
Em uma decisão do ano passado, o Tribunal Mundial pôs fim a esta alegação, enfatizando que Gaza, assim como os territórios palestinos da Cisjordânia e Jerusalém Oriental, nunca deixaram de estar sob ocupação israelense, e que a ocupação deveria terminar imediatamente.
O certo é que, mesmo antes dos ataques do Hamas em 2023, Israel sitiava Gaza por terra, mar e ar há muitos e muitos anos. Nada – pessoas ou bens – entrava ou saía sem a autorização dos militares israelenses.
As autoridades israelenses instituíram uma política secreta de colocar a população em uma “dieta” estrita – um crime de guerra, tanto antes como agora – que possibilitou que a maioria dos jovens de Gaza se tornassem progressivamente mais desnutridos.
Os drones zumbiam constantemente pelo alto, como fazem agora, vigiando a população lá de cima 24 horas por dia e, ocasionalmente, fazendo chover a morte. Pescadores eram baleados e seus barcos afundados por tentarem pescar em suas próprias águas. As plantações dos agricultores eram destruídas por herbicidas pulverizados por aviões israelenses.
E quando o estado de ânimo mudava, Israel enviava caças para bombardear o enclave ou enviava soldados em operações militares, matando centenas de civis a cada vez.
Quando os palestinos de Gaza saíam semana após semana para efetuar protestos perto do perímetro da cerca de seu campo de concentração, atiradores israelenses disparavam sobre eles, matando uns 200 e aleijando milhares de outros.
Contudo, apesar de tudo isso, Israel e as capitais ocidentais insistiam na história de que o Hamas “governava” Gaza e que só ele era responsável pelo que acontecia lá. Essa ficção era muito importante para as potências ocidentais. Isso permitia que Israel evadisse sua responsabilidade pelos crimes contra a humanidade cometidos em Gaza nas últimas duas décadas – e permitia que o Ocidente se esquivasse de acusações de cumplicidade por armar os criminosos.
Em vez disso, a classe política e midiática perpetuou o mito de que Israel estava envolvido em um “conflito” com o Hamas – bem como em “guerras” intermitentes em Gaza – mesmo quando os próprios militares de Israel chamavam suas operações para destruir bairros inteiros e matar seus moradores de “cortar a grama”. Israel, é claro, via Gaza como seu gramado para cortar.
E é justamente por isso que nunca parou de ocupar o enclave. Ainda hoje, os meios de comunicação ocidentais são coniventes com a ficção de que Gaza está livre da ocupação israelense, classificando o massacre lá – e a fome da população – como uma “guerra”.
Perda de cobertura
No entanto, o “dia seguinte” – sinalizado pela prometida “captura” e “reocupação” de Gaza por Israel – traz um enigma para Israel e seus patrocinadores ocidentais. Até agora, todas as atrocidades de Israel vêm sendo justificadas pela violenta ação do Hamas em 7 de outubro de 2023.
Israel e seus apoiadores têm insistido em que o Hamas deve devolver os israelenses que levou como reféns antes de que possa haver alguma “paz” indefinida. Ao mesmo tempo, Israel também sustentava que Gaza deveria ser destruída a todo custo para erradicar o Hamas e eliminá-lo.
Esses dois objetivos nunca se mostraram consistentes – até porque quanto mais civis palestinos Israel matava “para erradicar” o Hamas, mais jovens o Hamas recrutava em busca de vingança. O fluxo constante de retórica genocida dos líderes israelenses deixou claro que eles acreditavam que não havia civis em Gaza – nem “não envolvidos” – e que o enclave deveria ser arrasada e a população tratada como “animais humanos”, punida “sem nenhuma comida, água ou combustível”.
O ministro das Finanças, Bezalel Smotrich, reiterou essa abordagem na semana passada, prometendo que “Gaza será totalmente destruída” e que seu população sofreia uma limpeza étnica – ou, como ele disse, forçada a “sair em grande número para terceiros países”.
Autoridades israelenses o ecoaram, ameaçando “arrasar” Gaza se os reféns não fossem libertados esta semana. Mas, na verdade, os cativos mantidos pelo Hamas são apenas um pretexto conveniente.
Smotrich foi mais honesto ao observar que a libertação dos reféns “não era a coisa mais importante”. Sua visão é aparentemente compartilhada pelos militares israelenses, que supostamente colocaram esse objetivo em último lugar em uma lista de seis objetivos de “guerra”. Para os militares, são mais importantes o “controle operacional” de Gaza, a “desmilitarização do território” e a “concentração e movimento da população”.
Estando Israel indiscutível e visivelmente a ponto de voltar a exercer o controle direto de Gaza novamente – com o fim da pretensa história da “guerra” e da necessidade de eliminar o Hamás, das baixas civis como “danos colaterais” – a responsabilidade de Israel pelo genocídio também será incontestável, assim como o conluio ativo do Ocidente.
Foi por isso que mais de 250 ex-agentes do Mossad, a agência de espionagem de Israel – incluindo três de seus ex-chefes – assinaram uma carta esta semana condenando a quebra do cessar-fogo de Israel no início de março e seu retorno à “guerra”. A carta tachava os objetivos oficiais de Israel de “inatingíveis”.
Da mesma forma, a mídia israelense relata que um grande número de reservistas militares de Israel não está mais se apresentando quando convocados para retornar ao serviço em Gaza.
Limpeza étnica
Os patrocinadores ocidentais de Israel devem agora lidar com o “plano” de Israel para o território arruinado. Seu esboço tem entrado muito mais em foco nos últimos dias.
Em janeiro, Israel ilegalizou formalmente a Agência para Refugiados das Nações Unidas, Unrwa, que alimenta e cuida de grande proporção da população palestina expulsa de suas terras históricas por Israel nas fases anteriores de sua colonização de décadas da Palestina histórica.
Gaza está repleta desses refugiados – o resultado do maior programa de limpeza étnica de Israel em 1948, em sua fundação como um “Estado judeu”.
A remoção da Unrwa era uma ambição de longa data, uma medida de Israel destinada a ajudar a livrá-lo do jugo das agências de ajuda humanitária que cuidam dos palestinos – e, com isso, ajudando-os a resistir aos esforços de Israel em sua limpeza étnica – bem como monitoram a adesão de Israel, ou melhor, a falta dela, ao direito internacional.
Para que os programas de limpeza étnica e genocídio em Gaza sejam concluídos, Israel precisa produzir um sistema alternativo ao da Unrwa. Na semana passada, Israel aprovou um esquema no qual pretende usar contratistas privados, não a ONU, para entregar pequenas quantidades de comida e água aos palestinos.
Israel permitirá a entrada de 60 caminhões por dia – apenas um décimo do mínimo absoluto exigido, de acordo com a ONU. Existem várias condições. Para ter alguma esperança de se qualificar para essa ajuda muito limitada, os palestinos precisarão coletá-la em pontos militares de distribuição localizados em uma pequena área no extremo sul da Faixa de Gaza.
Em outras palavras, cerca de dois milhões de palestinos terão que se aglomerar em um local que não tem nenhuma condição de acomodar todos eles e, mesmo assim, terão apenas um décimo da ajuda de que precisam. Eles também terão que se mudar sem qualquer garantia de Israel de que não continuará bombardeando as “zonas humanitárias” para as quais terão sido arrebanhados.
Essas zonas militares de distribuição simplesmente estão bem próximas à única e curta fronteira de Gaza com o Egito – exatamente por onde Israel tem tentado expulsar os palestinos nos últimos 19 meses, na esperança de forçar o Egito a abrir a fronteira para que o povo de Gaza possa ser etnicamente limpo rumo ao Sinai.
Sob o esquema de Israel, os palestinos serão escaneados nesses centros militares usando dados biométricos antes de terem qualquer esperança de receber doações mínimas de alimentos com controle de calorias. Uma vez dentro dos centros, eles podem ser presos e enviados para algum dos campos de tortura de Israel.
Na semana passada, o jornal israelense Haaretz publicou o testemunho de um soldado israelense que se tornou denunciante – confirmando relatos de médicos e outros guardas – de que a tortura e o abuso são abundantes contra palestinos, incluindo civis, em Sde Teiman, o mais notório desses campos.
Guerra contra a ajuda
Na sexta-feira passada, pouco depois de anunciar seu plano de “ajuda”, Israel disparou um míssil contra um centro da Unrwa no campo de Jabaliya, destruindo seu centro de distribuição de alimentos e armazém.
Posteriormente, no sábado, Israel bombardeou tendas usadas para preparar comida em Khan Younis e na Cidade de Gaza. Seus alvos têm sido cozinhas e padarias de caridade para fechá-las, em um eco de sua campanha de destruição contra os hospitais e o sistema de saúde de Gaza.
Em dias recentes, um terço das cozinhas comunitárias apoiadas pela ONU – a última linha de vida da população – fecharam porque seus estoques de alimentos se esgotaram, assim como seu acesso a combustível.
De acordo com a agência da ONU OCHA, esse número está aumentando “a cada dia”, resultando em fome “generalizada”. Nesta semana, a ONU informou que quase meio milhão de pessoas em Gaza – um quinto da população – enfrentavam problema de “fome catastrófica”.
Como previsto, Israel e seus apologistas macabros estão fazendo pouco caso desse imenso mar de sofrimento. Jonathan Turner, executivo-chefe da UK Lawyers for Israel, argumentou que os críticos estavam condenando injustamente Israel por matar de fome a população de Gaza, ao ignorar os benefícios para a saúde da redução da “obesidade” entre os palestinos.
Em uma declaração conjunta na semana passada, 15 agências da ONU e mais de 200 instituições de caridade e grupos humanitários denunciaram o plano de “ajuda” de Israel.
O Fundo da ONU para a Infância (Unicef) alertou que Israel estava forçando os palestinos a escolher entre “deslocamento e morte”. Mas pior, Israel está montando sua barraca mais uma vez para virar a realidade de cabeça para baixo. Aqueles palestinos que se recusarem a cooperar com seu plano de “ajuda” serão culpados por sua própria fome. E as agências internacionais que se recusarem a concordar com a criminalidade israelense serão difamadas tanto como “antissemitas” quanto como responsáveis pelo aumento da fome entre a população de Gaza.
Há uma maneira de impedir que esses crimes se agravem ainda mais. Mas ela exigirá que políticos e jornalistas ocidentais demonstrem muito mais coragem do que se atreveram a reunir até agora. Precisará de mais do que floreios retóricos. Precisará de mais do que lamentações públicas.
Eles serão capazes de mais? Não segure a respiração.
*Jonathan Cook é autor de três livros sobre o conflito israelo-palestino e vencedor do Prêmio Especial Martha Gellhorn de Jornalismo. Seu site e blog podem ser encontrados em www.jonathan-cook.net.
Tradução ao português por Jair de Souza
Publicado originalmente dia 16 de maio, no Middle East Eye
Reproduzido do Viomundo.
Jair de Souza é economista formado pela UFRJ; mestre em linguística também pela UFRJ